XXX
Entre as instâncias
prerrogativas, colocamos em nono lugar as instâncias limítrofes e as que
também costumamos chamar de partícipes.[171] São as
que revelam aquelas espécies de corpos que parecem compostos de duas espécies
ou de rudimentos entre uma espécie e outra. Estas instâncias podem também ser
incluídas entre as monádicas ou heteróclitas, pois são raras e extraordinárias
no universo. Mas quanto ao seu valor devem ser consideradas à parte e por si
mesmas. Elas servem para indicar a estrutura e a composição das coisas, e
sugerem as causas do número e da qualidade das espécies ordinárias no universo,
e orientam o universo, daquilo que é para o que pode ser.
Como exemplos, têm-se: o
musgo, que fica entre a matéria podre e a planta; certos cometas, que ficam
entre as estrelas e os meteoros incandescentes; os peixes voadores, entre os
pássaros e os peixes; os morcegos, entre as aves e quadrúpedes; e também
“O símio, tão repugnante entre os
animais
quanto próximo de nós”;[172] e os partos de animais biformes ou mistos de diversas espécies; e coisas semelhantes.
quanto próximo de nós”;[172] e os partos de animais biformes ou mistos de diversas espécies; e coisas semelhantes.
XXXI
Entre as instâncias
prerrogativas, colocamos em décimo lugar as instâncias de potestade ou do
cetro [173] (tomando
o vocábulo das insígnias de império), as quais também costumamos chamar de engenho
ou das mãos do homem. São as obras mais nobres e perfeitas e quase
sempre as últimas de qualquer arte. Pois, se se busca acima de tudo fazer com
que a natureza atenda às necessidades e às comodidades humanas, é natural que
se considerem e enumerem as coisas que já se encontram em poder do homem como
muitas outras províncias já ocupadas e antes subjugadas; especialmente as que
são mais completas e perfeitas, pois destas é mais fácil e próxima a passagem
às obras novas e ainda não inventadas. De fato, se alguém quiser, pela
consideração atenta de tais obras, progredir nas suas próprias com acuidade e
inventividade, certamente acabará por conseguir desviar aquelas até um ponto
próximo das suas ou conseguirá aplicá-las ou transferi-las para um uso mais
nobre.
E não é tudo. Assim como das
obras raras e fora da rotina da natureza o intelecto se levanta e eleva-se até
a investigação e o descobrimento de formas capazes de incluir também aquelas,
da mesma forma vê-se ser isso aplicável em obras de arte excelentes e dignas de
admiração; e isso é tanto mais verdadeiro quando se sabe que o modo de realizar
e executar tais milagres da arte é, na maior parte dos casos, simples, enquanto
que na maior parte das vezes é obscuro nos prodígios da natureza. Contudo, em
tais casos devem-se tomar todos os cuidados para que não deprimam o intelecto
e, por assim dizer, ponham-no por terra.
Há perigo de que por meio de
tais obras de arte, que são consideradas como os cumes e os píncaros da
indústria humana, o intelecto humano chegue a ficar atônito e atado e como que
embaraçado em relação a elas, e isso a tal ponto que não se habitue a outras,
mas pense que nada mais pode ser feito naquele setor a não ser com o uso do
mesmo procedimento com que aquelas foram executadas, desdenhando, assim, o
emprego de uma maior atenção e de uma mais cuidada preparação.
Mas, na verdade, é certo que
os caminhos e procedimentos relacionados com as obras e as coisas, inventadas
e até agora observadas, em sua maior parte são muito pobres. Pois todo poder
realmente grande depende e emana, de forma ordenada, das formas, e nenhuma
delas foi até agora descoberta.
Assim (como já dissemos),[174] se se
pensa nas máquinas de guerra e nas alhetas usadas pelos antigos, ainda que em
tal meditação se consuma toda a vida, jamais se chegará à descoberta das armas
de fogo que atuam por meio da pólvora. Do mesmo, modo, quem puser toda a sua
atenção e aplicação na manufatura da lã e do algodão nunca alcançará, por tais
meios, a natureza do bicho-da-seda, nem a da seda.
A esse respeito, pode
observar-se que todas as descobertas, dignas de serem consideradas como mais
nobres, quando bem examinadas, não poderão ser tomadas como o resultado do
desenvolvimento gradual e da extensão, mas do acaso. E nada há que possa
substitui-lo, pois o acaso só atua a longos intervalos, através dos séculos, e
não intervém na descoberta das formas.
Não é necessário aduzirem-se
exemplos particulares dessas instâncias, em vista de sua grande quantidade. É
suficiente passar em revista e examinar-se atentamente todas as artes mecânicas
e inclusive as artes liberais, quando relacionadas com a prática, e delas se
retirar uma coleção de história particular das maiores, das mais perfeitas
obras de cada uma das artes, ao lado dos respectivos procedimentos de produção
e execução.
Em tal coleção não queremos,
porém, que o cuidado do investigador se limite a recolher unicamente as
consideradas obras-primas e os segredos desta ou daquela arte, que é o que
provoca admiração. Pois a admiração é filha da raridade e as coisas raras, mesmo
que em seu gênero procedam de naturezas vulgares, provocam a imaginação.
E, ao contrário, as que
deveriam realmente provocar admiração, pela diversidade que revelam em relação
a outras espécies, são pouco notadas e tornam-se de uso corrente. As instâncias
monádicas da arte devem ser observadas com a mesma atenção que as da natureza,
de que já falamos antes.[175] Como
entre monádicas da natureza colocamos o sol, a lua, o magneto, etc., coisas
muito conhecidas, mas de natureza quase única, o mesmo deve ser feito em
relação às monádicas da arte.
Exemplo de instâncias
monádicas da arte é o papel, coisa sobremaneira conhecida. Com efeito, se bem
observadas, ver-se-á que as matérias artificiais são ou simplesmente tecidas,
por urdidura com fios retos e transversais, como é o caso dos gêneros de seda,
de lã ou de linho e coisas semelhantes, ou são placas de sucos endurecidos,
como o ladrilho, a argila de cerâmica, o esmalte, a porcelana e substâncias
semelhantes, que, quando são bem unidas, brilham, e quando o são menos,
brilham, embora igualmente duras. Mas todas essas coisas que se fazem de sucos
prensados são frágeis e não possuem aderência ou tenacidade, O papel, porém, é
um corpo tenaz, que pode ser cortado e rasgado, e tanto se parece com a pele do
animal quanto com as folhas da planta, ou com algum produto semelhante da
natureza. E não é frágil como o vidro; não é tecido como o pano; mas possui
fibra e não fios separados, à maneira das matérias naturais; entre as matérias
artificiais não se encontra nenhuma semelhante: bem por isso trata-se de uma
instância monádica. Entre as substâncias artificiais, devem preferir-se as que
mais se aproximam da natureza, em caso contrário devem ser preferidas as que a
dominam e, com vigor, modificam-na.
Entre as instâncias de engenho
ou da mão do homem, não devem ser desprezados a prestidigitação e os
jogos de destrezas; muitos deles, mesmo sendo de uso superficial e como
diversão, podem propiciar informações úteis. Finalmente, não podem também ser
omitidas as coisas supersticiosas e mágicas (no sentido vulgar da palavra).
Ainda que se trate de coisas recobertas de uma pesada massa de mentiras e de
fábulas, mesmo assim devem ser observadas para se verificar, mesmo por acaso,
alguma operação natural. Referimo-nos a fatos como o do ilusionismo ou do fortalecimento
da imaginação, ou da simpatia das coisas a distância, o da transmissão de um
espírito a outro, como de um corpo a outro, e fatos semelhantes.[176]
XXXII
De tudo que foi dito antes,
fica claro que as cinco instâncias de que tratamos (a saber: instâncias
conformes, instâncias monádicas, instâncias desviantes, instâncias limítrofes e
instâncias de potestade) não devem ficar guardadas até que se estude uma
natureza adequada (como deve ser feito com as outras instâncias propostas e com
outras que vêm a seguir); ao contrário, deve-se imediatamente fazer uma coleção
delas como uma espécie de história particular, pois servem para digerir as
coisas que penetram no intelecto e para corrigir a própria constituição do
intelecto, que não está infenso à perversão e à deformação nas suas incursões
cotidianas e rotineiras.
Essas instâncias devem ser
utilizadas como uma espécie de remédio preparatório para retificação e purificação
do intelecto. Pois tudo o que afasta o intelecto das coisas habituais aplaina e
nivela a sua superfície para a recepção da luz seca e pura das noções
verdadeiras.
Além disso, essas instâncias
abrem e preparam o caminho para a parte operativa; como diremos no lugar
próprio quando tratarmos das deduções para a prática.[177]
XXXIII
Entre as instâncias
prerrogativas, colocamos em décimo primeiro lugar as instâncias de acompanhamento
e as instâncias hostis,[178] a que
costumamos também chamar de instâncias das proposições fixas. São essas
instâncias que revelam algum corpo ou matéria, com o qual a natureza
investigada sempre se apresenta como com uma companheira inseparável; mas do
qual, por seu turno, a natureza se afasta sempre e procura exclui-lo como
estranho e inimigo. A partir de tais instâncias formam-se proposições certas e
universais, afirmativas ou negativas, nas quais o sujeito será o referido
objeto concreto e o predicado a própria natureza investigada. As proposições
particulares não são de modo algum fixas; em vista disso a natureza investigada
se encontra, fluida e móvel, em um corpo concreto ou assentada em condições de
ser adquirida ou se interrompe e é deposta. Por isso, deve ser lembrado que as
proposições particulares não têm maior prerrogativa, com exceção dos casos de
migração de que antes já falamos.[179] Apesar
disso, as proposições particulares, confrontadas e comparadas com as
universais, são de grande ajuda, como mais adiante diremos. Contudo, nessas
proposições universais já não se requer uma afirmação ou negação absolutas,
pois são suficientes para o seu uso, ainda que haja alguma rara exceção.
O uso das instâncias de
acompanhamento é o delimitar a investigação afirmativa da forma. Como as
instâncias migrantes delimitam a investigação afirmativa da forma,
estabelecendo como condição necessária que a forma seja qualquer coisa que por
qualquer ato de migração se adquire ou se perde, assim também, as instâncias de
acompanhamento estabelecem como condição necessária que a forma seja qualquer coisa
que penetre a concreção do corpo, ou que dela se afaste. Em vista disso, quem
conhece bem a constituição ou esquematismo de um corpo não estará muito longe
de trazer à luz a forma da natureza investigada.
Por exemplo, suponha-se que a
natureza investigada é o calor; instância de acompanhamento é a chama. Na água,
no ar, na pedra, no metal e em muitíssimos outros corpos, o calor é móvel e
pode ou não se exercer, mas toda chama é quente e o calor é sempre encontrado
na concreção da chama. Mas entre nós não se encontra qualquer instância hostil
ao calor. Os nossos sentidos não conhecem com segurança a temperatura das
entranhas da terra, mas de todos os corpos conhecidos não há qualquer concreção
que não seja suscetível de calor.
Suponha-se, agora, que a
natureza a ser investigada seja da consistência; instância hostil é o ar. De
fato, o metal pode ser fluido e pode ser consistente; igualmente o vidro; e até
a água pode se tornar sólida quando gela; mas é impossível que o ar se torne
consistente e perca a sua fluidez.
Restam-nos duas observações ou
advertências sobre as instâncias dessas proposições fixas, que são de utilidade
para o nosso trabalho. A primeira é a de que, se falta completamente a
universal afirmativa ou negativa, com cuidado nota-se como não existente; tal
como fizemos com o calor, no qual falta uma universal negativa (pelo que se
conhece) na natureza das coisas. Assim, se a natureza investigada é o eterno ou
o incorruptível, entre nós falta a universal afirmativa, pois não se pode
predicar o eterno e o incorruptível de nenhum dos corpos que se encontra sob o
céu ou sobre a crosta da terra. A segunda advertência é a de que às proposições
universais, tanto negativas quanto afirmativas, devem juntar-se aquelas
instâncias concretas que parecem aderir ao que é inexistente, como no caso do
calor as chamas muito fracas e que queimam muito pouco; e no da
incorruptibilidade, o ouro é o que dela mais se aproxima. Todas essas coisas,
de fato, indicam os limites da natureza entre o existente e o não existente e
constituem as circunscrições das formas,[180] para que
não se desprendam e ponham-se a vagar fora das condições da matéria.
XXXIV
Entre as instâncias
prerrogativas, colocamos em décimo segundo lugar as instâncias subjuntivas,[181] a que já
nos referimos no aforismo anterior e a que costumamos chamar também de instâncias
da extremidade ou do termo.[182] Tais
instâncias não são úteis apenas se juntas a proposições fixas, mas também por
si mesmas e em suas próprias propriedades. Indicam, de um modo não obscuro, as
dimensões das coisas e as verdadeiras divisões da natureza, o limite até o qual
atua a natureza e produz algo, e, enfim, a passagem da natureza a outra coisa.
É o caso do ouro em relação ao peso; do ferro em relação à dureza; da baleia em
relação ao tamanho dos animais; do cão em relação ao olfato; da inflamação da
pólvora em relação à expansão violenta; e coisas semelhantes. Tais coisas se
colocam no grau mais elevado, mas não se deve deixar de ter em igual conta as
coisas que estão nos graus inferiores mais baixos, como o espírito do vinho em
relação ao peso; a seda em relação à suavidade; os vermes da pele em relação ao
tamanho dos animais, etc.
XXXIV
Entre as instâncias
prerrogativas, colocamos em décimo terceiro lugar as instâncias de aliança
ou de união.[183] São as
que confundem e reúnem naturezas consideradas como heterogêneas, e que as divisões
usuais designam e consideram como tal.
As instâncias de aliança
mostram que as operações e os efeitos que se atribuem como próprios de qualquer
das naturezas heterogêneas pertencem também a outras naturezas heterogêneas.
Com isso se comprova que aquela suposta heterogeneidade não é verdadeira ou
essencial, nada mais sendo que uma modificação da natureza comum. Bem por isso,
são de grande utilidade para conduzir e elevar o intelecto das diferenças
específicas aos gêneros, e para dissipar as falsas imagens das coisas que
constituem a máscara com que a nós se apresentam as naturezas nas substâncias
concretas.
Por exemplo, tome-se para
investigação a natureza do calor. Tome-se como completamente consagrada e
autorizada a distinção do calor em três gêneros: o calor dos corpos celestes, o
calor dos animais e o calor do fogo, e que tais gêneros de calor diferem,
entre si, pela própria essência e pela espécie, ou pela natureza específica,
sendo dessa forma completamente heterogêneos. Especialmente o calor do fogo se
comparado com os outros dois, uma vez que o calor dos animais e dos corpos
celestes engendra e reanima enquanto o do fogo destrói e consome. Pertence por
isso às instâncias de aliança o conhecido experimento no qual se introduz o
ramo de vinha em uma casa onde permanece aceso um foco de fogo, o que faz com
que a uva amadureça até um mês antes do que se estivesse fora. Assim, o
amadurecimento da fruta ainda presa à árvore pode ocorrer graças ao fogo,
quando parecia um efeito reservado à ação do sol. Desde o início o intelecto,
deixando de lado a teoria da heterogeneidade essencial, dispõe-se facilmente a
investigar as verdadeiras diferenças que há na realidade entre o calor do sol e
o do fogo, das quais resulta que suas operações sejam tão diversas, embora em
si mesmos participem de uma natureza comum.
As diferenças são em número de
quatro. A primeira é a de que o calor do sol, comparado com o calor do fogo, é
muito mais leve e moderado; a segunda é de que em qualidade é muito mais úmido,
especialmente porque chega até nós através da atmosfera; a terceira (que é a
mais importante) é sumamente desigual: quando se aproxima aumenta, quando se
distancia diminui, o que contribui muito para a geração dos corpos. Aristóteles
com razão assegura que a causa principal das gerações e das corrupções que
ocorrem sobre a superfície da terra reside no curso oblíquo do sol sobre o
zodíaco,[184] ocasião
em que o calor solar, quer durante a aproximação do dia e da noite, quer
durante a sucessão das estações, resulta sempre estranhamente diverso. Mas
Aristóteles não deixa de desfigurar e corromper essa correta sentença, porque,
colocando-se como árbitro da natureza, como era de seu feitio, indica, de modo
autoritário, como causa da geração a aproximação e como causa da corrupção o
distanciamento do sol. Na verdade, a proximidade e o distanciamento do sol,
indiferentemente, são causas tanto da geração como da corrupção. Pois a
diversidade do calor ajuda tanto a um como a outro processo, enquanto a sua
constância serve apenas para a conservação dos corpos. Mas há ainda uma quarta
diferença entre o calor do sol e o do fogo e que é muito importante: a de que
as operações do sol se desenvolvem durante um lapso bastante longo, enquanto a
duração do fogo, atiçada pela impaciência humana, desenvolve-se e é levada a
termo em lapso breve. Porém, se se procura amainar e reduzir o calor do fogo a
um grau mais moderado e mais leve de intensidade, o que é possível de muitas
maneiras, aspergindo ar úmido para reproduzir a diversidade do calor solar,
depois de um processo lento (não tão lento como o que ocorre devido às
operações do sol, mas mais longo do que o que ocorre comumente pelas operações
comuns do fogo), será então observado o desaparecimento de toda a
heterogeneidade entre os dois gêneros de calor, e será possível imitar a ação
do sol e, até mesmo, em alguns casos, superá-lo com o calor do fogo. Uma outra
instância de aliança é a revivescência, colocada em estado letárgico e quase
morta pelo frio, graças à ação de um débil torpor do fogo. Daí facilmente se
retira a conseqüência de que o fogo tanto serve para restituir a vida aos
animais como para sazonar os frutos. Também é célebre a invenção de
Fracastoro,[185] da ventos
a muito quente, que os médicos colocam na cabeça dos apopléticos em gravíssimo
estado, a qual lhes devolve a vida, colocando em movimento os espíritos
animais, comprimidos e sufocados pelos tumores e pelas obstruções do cérebro.
É exatamente como age o fogo sobre a água ou sobre o ar. Ainda, às vezes, o
calor do fogo abre os ovos, reproduzindo o próprio calor animal. E há ainda
muitos exemplos semelhantes que não são passíveis de dúvida, de que o calor do
fogo em muitas ocasiões pode ser substituído eficazmente pelo calor dos corpos
celestes e pelo calor dos animais.
Igualmente, tomem-se para
investigação as naturezas do movimento e do repouso. Parece haver uma solene
diferença, extraída dos arcanos da filosofia, de que os corpos naturais ou
giram ou seguem em linha reta, ou ficam em repouso e quietos. Pois pode ocorrer
o movimento sem término ou o repouso sem término, ou movimento para o término.
Pois bem, o movimento de rotação perene parece ser próprio dos corpos celestes,
o repouso ou a quietude parecem pertencer ao globo terrestre; e os outros
corpos que são chamados pesados e leves, colocados fora do seus lugares
naturais, movem-se em linha reta no sentido da massa ou agregado dos corpos
semelhantes, isto é, leves, para cima, em direção ao sol; os pesados, para
baixo em direção à terra. E são belas palavras para serem ditas![186]
Uma instância de aliança é um
cometa qualquer, mesmo dos mais baixos, que, apesar de estar muito abaixo do
céu, mesmo assim tem movimento circular. E já foi abandonado o juízo de
Aristóteles,[187] segundo o
qual haveria um encadeamento de cometas, ligando-os a alguma estrela, o mesmo
não acontecendo com os satélites. Não só as suas razões são improváveis como
também a experiência mostra o percurso errante e irregular que têm os cometas
no céu.
Outra instância semelhante de
aliança sobre esse assunto é o movimento do ar, que nos trópicos (onde os
círculos de rotação são mais amplos) gira do oriente para o ocidente.
E uma outra instância poderia
ser o fluxo e o refluxo do mar, se se conseguisse averiguar que as próprias
águas têm um movimento de rotação (ainda que débil e lento), do oriente para o
ocidente; mas de forma tal que haja um movimento completo duas vezes por dia.
Se assim são as coisas, é evidente que o movimento de rotação não se limita
aos corpos celestes, mas que também se comunica ao ar e a água. Também a
propriedade dos corpos leves de tenderem para o alto é duvidosa. Em relação a
isso pode-se tomar uma bolha de água como instância de aliança. De fato, quando
se introduz ar debaixo da água, aquele sobe rapidamente para a superfície, por
um movimento de percussão, como o chama Demócrito,[188] isto é,
graças ao próprio golpe da água que desce é que o ar é expelido, e não por
alguma força própria. E, quando chega à superfície, o ar é impedido pela
própria água de sair rapidamente, pois, mesmo que a resistência da água seja
muito débil, ela não suporta com muita facilidade a interrupção da sua
continuidade, por mais forte que seja o impulso do ar no sentido das regiões
superiores.
Tome-se igualmente para a
investigação a natureza do peso. A distinção, comumente aceita, é a de que os
corpos densos e sólidos movem-se em direção ao centro da terra e os corpos
leves e tênues em direção aos céus, como seus lugares naturais. Mas tal opinião
(ainda que bem aceita nas escolas), de que os lugares têm alguma força, é
inteiramente estúpida e pueril. Provoca o riso dos filósofos que afirmam que,
se a terra fosse perfurada, os corpos pesados parariam ao chegar ao centro. Na
verdade seria uma grande força do nada, ou de um ponto matemático, a de atrair
para si os corpos, ou o que se queira! Um corpo só pode ser afetado por um
outro corpo e a tendência a subir e a descer está ou no esquematismo que se
move ou no seu consenso ou simpatia com um outro corpo. E, se se encontrasse um
corpo denso e sólido que caísse para a terra, estaria já refutada essa
distinção. Mas se se aceita a opinião de Gilbert [189] de que a
força magnética da terra para atrair os corpos graves não vai além da órbita de
sua atividade (pois ela atua sempre até uma certa distância e não mais), e se
se pudesse provar isso com algum exemplo, teríamos por fim uma instância de
aliança nessa matéria. Contudo, até agora não se observou nenhuma instância
certa e evidente a esse respeito. Uma instância próxima é dada pelos caracteres
do céu conhecidos dos navegantes do oceano Atlântico a caminho das Índias
Orientais ou Ocidentais. Repentinamente vertem os céus tanta água que parece se
ter formado, nessas alturas, com antecedência, uma porção de água, que ai
permaneceu suspensa, e que foi desalojada e arremessada por uma causa violenta,
não parecendo dever-se o fenômeno ao movimento natural da gravidade. Em vista
disso pode-se chegar à conclusão de que uma massa de matéria densa e compacta,
colocada a grande distância da terra, continuaria suspensa, como a própria terra,
sem cair, a não ser se provocada. Mas não se pode ter muita certeza disso.
Deste e de outros exemplos pode-se chegar à conclusão do quanto falta à
história natural de que dispomos, pois somos obrigados a servirmo-nos de seus
exemplos no lugar de instâncias certas.
Igualmente, tome-se como
exemplo para investigação o discurso da razão.[190] Parece
bem fundada a famosa divisão da racionalidade do homem e da instintividade dos
animais. Contudo, algumas ações das bestas parecem indicar que elas quase que
sabem fazer uso do silogismo. Conta-se, por exemplo, que um corvo, estando
quase morto de sede, devido a grande seca, encontrou água na cavidade de um
tronco de árvore, e como não pudesse penetrar pela estreita abertura, pôde a
jogar pedras até que, subindo o nível da água, por fim, pôde matar a sede,
passando tal fato a provérbio.[191]
Da mesma maneira, proceda-se à
investigação da natureza do visível. Para não comportar objeções, a distinção
entre a luz, que é o meio comum que permite a visão dos objetos, e a cor, que é
o meio subordinado, porque não pode surgir sem a luz, da qual parece nada mais
ser que uma imagem ou modificação: a respeito, constituem instâncias de
aliança, de um lado a neve em grande quantidade, e de outro, a chama do
enxofre. No primeiro caso parece haver uma cor primariamente reluzente, no
segundo, uma luz em vias de assumir uma cor.
XXXVI
Entre as instâncias
prerrogativas, colocamos em décimo quarto lugar as instâncias cruciais,[192] vocábulo
tomado às cruzes que se colocam nas estradas para indicar as bifurcações.
Também as costumamos chamar de instâncias decisivas e judiciais [193] e, em
alguns casos, de instâncias de oráculo e mandato.[194] São elas
descritas como se segue. Quando, na investigação de uma natureza, o intelecto
se acha inseguro e em vias de se decidir entre duas ou mais naturezas que se
devem atribuir à causa da natureza examinada, em vista do concurso freqüente e
comum de mais naturezas, em tais situações, as instâncias cruciais indicam que
o vínculo de uma dessas naturezas com a natureza dada é constante e
indissolúvel, enquanto o das outras é variável e dissociável. A questão é
resolvida e é aceita como causa da primeira natureza, enquanto as demais são
afastadas e repudiadas. Tais instâncias são muito esclarecedoras e têm uma
significativa autoridade. Muitas vezes, nelas termina o curso da investigação
ou em muitas outras este é por elas completado. Mas às vezes as instâncias
cruciais aparecem entre as instâncias antes indicadas; mas, em sua maior parte,
são buscadas, aplicadas intencionalmente e estabelecidas com trabalho árduo e
diligente.
Como exemplo para a
investigação, tome-se o fluxo e o refluxo do mar, que se repete duas vezes por
dia, durante seis horas o fluxo e seis horas o refluxo, com intervalos
regulares, e com alguma diferença que coincide com o movimento da lua. Tem-se
aí uma bifurcação ou encruzilhada.
Esse movimento necessariamente
é provocado por uma das seguintes causas: ou pelo movimento da água de um lugar
para outro, como acontece quando se agita uma vasilha, ou pela subida e descida
da água a partir do fundo, como acontece com a água fervente, que sobe
borbulhando e depois se acalma. O problema reside em se relacionar o fluxo e o
refluxo a uma dessas causas. Se é a primeira escolhida, segue-se que enquanto
há fluxo de um lado do mar em algum outro, ao mesmo tempo, deve haver refluxo.
E necessário verificar se isso é verdadeiro. Contudo, as observações feitas por
Acosta,[195] ao lado
das de outros observadores cuidadosos, testemunham que o fluxo ocorre ao mesmo
tempo sobre as costas da Flórida e nas costas do lado oposto, da Espanha e da
África, o mesmo ocorrendo com o refluxo. Ao contrário, portanto, do que se
poderia esperar, ou seja, havendo fluxo na costa da Flórida teria de haver
refluxo nas costas da Espanha e da África. Examinando o assunto mais
atentamente, não fica rechaçado o movimento de progressão em favor do movimento
de elevação.
De fato, poderia ocorrer que o
movimento de progressão provocasse, ao mesmo tempo, a inundação das praias
opostas de um mesmo leito, como acontece nos rios, quando as águas trazidas de
outra parte sobem e baixam em ambas as margens nas mesmas horas. Mas, assim
mesmo, trata-se de um movimento de progressão. Desse modo, pode ocorrer que as
águas provenientes em grande quantidade do oceano Oriental Indico sejam
lançadas no leito do oceano Atlântico, provocando a inundação simultânea das
praias opostas. O fluxo poderia assim se verificar no mar Austral, que na
verdade não é menor que o Atlântico, mas mais largo e extenso.
Com isso chegamos, finalmente,
a uma instância crucial. Se soubéssemos seguramente que, quando ocorre o fluxo
nas duas praias opostas da Flórida e da Espanha no Atlântico, o mesmo ocorre no
Peru e no dorso da China, no mar Austral, então, essa seria uma instância
decisiva que conduziria ao repúdio do movimento progressivo como causa, pois
não haveria outro mar ou lugar onde pudesse ocorrer o retorno ou o refluxo ao
mesmo tempo. Tal fato pode facilmente ser verificado através dos habitantes do
Panamá e de Lima (onde se localiza o pequeno istmo que separa o oceano
Atlântico do Austral), que podem observar se o fluxo e o refluxo ocorrem ao
mesmo tempo em uma e outra face do istmo ou não. Esta seria a solução, considerando-se
a terra como imóvel; mas se a terra gira, poderia ocorrer, devido à
desigualdade do movimento de velocidade e de aceleração da terra e das águas do
mar, que isso provocasse violenta agitação das águas, que seriam arremessadas
para o alto, produzindo o fluxo; e que depois, caindo, abandonadas a si mesmas,
ocasionariam o refluxo. Mas esse seria assunto para outra investigação. Porém,
deve ficar assentado que, se ocorre o fluxo em algum lugar, há necessidade de
que em algum outro ocorra o refluxo ao mesmo tempo.
Semelhantemente, tome-se como
objeto de investigação a natureza do movimento que acabamos de supor, ou seja,
o movimento marinho de subida e de descida das águas, para que se possa (depois
de um diligente exame) rechaçar o mencionado movimento progressivo.
Deparamo-nos, então, com uma trifurcação. É necessário que este movimento,
graças ao qual as águas sobem e descem, sem o concurso do impulso das águas de
outro mar, ocorra de uma dessas três maneiras seguintes. Que tal quantidade de
água surja das entranhas da terra e para elas de novo se recolha; ou que não
haja qualquer quantidade maior de água, mas que as mesmas águas, sem aumentar a
sua quantidade, dilatem-se ou rarifiquem-se a ponto de ocupar maior espaço e
dimensão, e depois se contraiam para o volume inicial; ou que não haja aumento
nem de quantidade e nem de extensão, mas que as mesmas águas (tal como são em
quantidade, densidade e rarefação) subam e depois desçam em razão de uma força
magnética que as atrai para o alto e por simpatia. Assim, deixando de lado os
dois primeiros movimentos, vamos restringir a questão (se assim se desejar) a
este último movimento, procurando investigar se há a elevação por consenso,
simpatia ou força magnética.[196] Em
primeiro lugar, é manifesto que a totalidade das águas contidas no vão do mar
não se pode elevar de uma vez, por falta de algo que a substitua no fundo; se
houvesse nas águas uma tendência nesse sentido, ela seria reprimida e
interrompida pela força de coesão das coisas ou (como se diz vulgarmente) para
se evitar a produção do vazio. Em conseqüência, o que resta é que as águas se
elevam de um lado e de outro diminuem e abaixam. Donde, também, a necessidade
de que a força magnética, não podendo exercer-se sobre o todo, atua mais
intensamente no centro, de maneira a atrair as águas que se elevam e deixam
livres e descobertas as praias.
Chegamos, com isso, a uma
instância crucial sobre esse assunto, e que é a seguinte: se se descobrir que
no refluxo a superfície do mar é mais arqueada e redonda, elevando-se as águas
no centro do mar e retirando-se das praias; enquanto que no fluxo a superfície
é mais plana e lisa, voltando as águas à sua posição anterior; então, em
virtude dessa instância decisiva, pode ser aceita a força magnética como causa
das marés; caso contrário, deverá ser inteiramente afastada. Esse experimento
não deveria apresentar dificuldade se levado a efeito nos estreitos, por meio
de sonda, e possibilitaria estabelecer se o mar no refluxo no centro é mais
alto, ou seja, mais profundo que no fluxo. É necessário, porém, observar, se
este for o caso, que, ao contrário da opinião corrente, as águas se elevam no
refluxo e se abaixam no fluxo, banhando o litoral.
Da mesma maneira, tome-se para
a investigação a natureza do movimento espontâneo de rotação e procure-se
verificar especialmente se o movimento diurno, pelo qual o sol e as estrelas
nascem e põem-se diante dos nossos olhos, corresponde a um verdadeiro movimento
de rotação daqueles corpos celestes, ou trata-se de um movimento aparente
causado pelo movimento da terra. Instância crucial a respeito poderia ser a
seguinte: se se puder constatar sobre o oceano um movimento de oriente a
ocidente, mesmo muito fraco; se tal movimento parece um pouco mais rápido no
ar, especialmente entre os trópicos, onde é mais perceptível pela maior
amplitude da volta, se se torna ainda mais vivo e visível nos cometas mais
próximos da terra; se também aparece nos planetas com intensidade crescente,
proporcional à sua distância da terra, tornando-se muito veloz no céu estrelado;
então se estabelecerá como certo que o movimento diurno é próprio do céu e se
o recusará à terra; pois tornar-se-á claro que o movimento de oriente a
ocidente pertence aos céus, na sua universalidade, e diminui aos poucos à
medida que se distancia das alturas do céu, finalmente se interrompendo com a
terra imóvel.[197]
Da mesma maneira, tome-se para
a investigação o movimento de rotação que é difundido entre os astrônomos, que
vai no sentido contrário ao do movimento diurno, isto é, de ocidente a oriente;
movimento que os astrônomos antigos atribuíam aos planetas e ao céu estrelado,
mas Copérnico e seus seguidores também o atribuem à terra. Observe-se desde
logo se se encontra na natureza um movimento desse tipo, ou se foi suposto e
estabelecido pela comodidade e pela brevidade dos cálculos científicos, ou
seja, para explicar os movimentos celestes com círculos perfeitos. Contudo, não
se pode provar que se encontre, nas regiões celestes, um verdadeiro movimento
desse gênero; nem pelo fato de que o movimento diurno num planeta não retorna
ao mesmo ponto do céu estrelado, nem com a posição diversa dos pólos do zodíaco
em relação ao da terra, que são os dois caracteres pelos quais esse movimento
se nos apresenta. O primeiro fenômeno pode muito bem ser explicado pelo
adiantamento do céu estrelado que deixa para trás os planetas, o segundo pelas
linhas espirais, de modo a haver desigualdade no retorno dos planetas e a sua
inclinação no sentido dos trópicos pode ser antes modificação do movimento
único diurno, que movimentos recalcitrantes em volta de pólos diversos. E é
mais do que certo que aos sentidos esse movimento se apresenta exatamente na
forma que indicamos, sempre que queremos contemplar um pouco o céu com olhos de
leigo, sem nos dar conta do que dizem os astrônomos e as escolas, que com
freqüência ambicionam contradizer injustamente os sentidos, preferindo o que é
mais obscuro, O sentido do movimento, antes, já representamos como fios de
ferro como em uma máquina.
Instância crucial nesse
assunto poderia ser a seguinte: se em alguma história fidedigna for indicado
um cometa, mais alto ou mais baixo, que não tenha girado de acordo com o
movimento diurno (ainda que de forma irregular), mas que tenha tomado uma
direção contrária, então, com certeza, poder-se-á estabelecer a realidade
daquele movimento. Se, contudo, nada for encontrado de semelhante, será
necessário duvidar, e ter-se-á que recorrer a outras instâncias cruciais a
respeito do assunto.
Da mesma maneira, tome-se para
investigação a natureza do peso e da gravidade. De imediato, apresentam-se duas
orientações. Ou os corpos pesados e graves tendem, por natureza, ao centro da
terra, isto é, graças ao seu esquematismo; ou são atraídos e arrastados pela
força da própria massa terrestre, como por efeito de agregação dos corpos de
igual natureza e a ela levados pelo consenso. Se se tomar por verdadeira a
segunda hipótese, segue-se que quanto mais os graves se aproximam da terra
tanto maiores são a força e o ímpeto com que são impelidos para ela; enquanto,
quanto mais se distanciam tanto mais fraca e lenta torna-se essa força,
exatamente como acontece na atração magnética. Por outro lado, a atração deve
ocorrer a partir de uma certa distância, senão o corpo se distanciaria da terra
a ponto de fugir ao seu influxo e permaneceria suspenso como a própria terra,
sem nunca cair.[198]
A respeito desse assunto,
poderia ser a seguinte a instância crucial: seja o caso de dois relógios, um
dos quais movido por contrapeso de chumbo, outro movido por compressão de uma
mola de ferro; verifique-se se um é mais veloz que o outro; coloque-se o
primeiro no ápice de algum templo altíssimo, tendo antes sido regulado com o
outro de forma a funcionarem de modo correspondente, deixando o outro embaixo;
isso para se verificar cuidadosamente se o relógio colocado no alto se move
mais devagar em vista da menor força de gravidade. A experiência deve ser
repetida com a colocação do relógio nas profundezas de alguma mina situada
muito abaixo da superfície da terra, para ser verificado se ele se move mais
velozmente que antes, em razão de maior força de atração. Se se verificar que
efetivamente o peso dos corpos diminui com a sua colocação no alto e que
aumenta embaixo, quando mais próximos do centro da terra, então estará
estabelecido que a causa do peso é a atração da massa terrestre.
Da mesma maneira, tome-se para
investigação a natureza de polaridade que tem a agulha de ferro quando tocada
pelo magneto. A explicação a respeito de tal natureza se bifurca na ordem
seguinte: é necessário que seja o magneto que comunique à agulha a sua capacidade
de se voltar para o pólo; ou que o ferro simplesmente seja excitado e
predisposto pelo magneto, mas que o movimento em si mesmo tenha sido causado
pela presença da terra; é o que Gilbert afirma e procura demonstrar com muitos
exemplos. Pois para isso tendem as observações que levou a efeito com muita
perspicácia e que foram por ele colecionadas. Uma é a de que um cravo de ferro
que tenha permanecido por muito tempo na posição norte-sul adquire uma
tendência à polaridade, sem ter sido tocado pelo magneto; como se a própria
terra, que pela sua distância atua muito debilmente (estabelece Gilbert que de
fato a superfície ou crosta terrestre é desprovida de força magnética), apesar
disso, fosse capaz de substituir o toque do magneto da excitação do ferro,
pela longa permanência e depois de excitado ser capaz de dirigi-lo e voltá-lo
no sentido do pólo. A outra explicação é a de que o ferro vermelho ou branco
de calor colocado a esfriar na direção dos pólos, contrai a capacidade de para
ele voltar-se sem o contato do magneto; como se as partes do ferro colocadas em
movimento pelo fogo, quando de sua retração à posição original, isto é,
durante o processo de esfriamento, fossem mais aptas e mais sensíveis à virtude
emanada pela terra, permanecendo excitadas. Mas tais observações, embora
cuidadosas, não chegam a provar de fato o que ele sustenta.
A propósito desse assunto,
poderia ser a seguinte a instância crucial: tome-se um magneto esférico como a
terra. Assinalados os seus pólos, voltem-se-nos, não a norte e a sul, mas a
oriente e a ocidente, mantendo-o nessa posição; sobre ele coloque-se depois uma
agulha de ferro, ainda não tocada pelo magneto, assim permanecendo durante seis
ou sete dias. A agulha, depois de colocada sobre o magneto, perde contato com
os pólos do mundo, tornando seus os do magneto (sobre isso não há qualquer
dúvida); por isso, enquanto permanece nessa posição, volta-se a oriente e
ocidente do mundo; mas se a agulha tirada do magneto e colocada sobre um eixo
voltar-se na direção do eixo da terra subitamente ou se tomar essa posição
pouco a pouco, pode-se dizer, sem dúvida, que a causa é a presença da terra;
mas se a agulha se voltar como antes, na posição oriente-ocidente, ou perder
sua capacidade de apontar para os pólos, se isso ocorrer, considere-se a causa
como duvidosa e prossiga-se na investigação.
Da mesma maneira, tome-se para
investigação a substância corpórea que forma a lua, a fim de se verificar se
se trata de uma substância tênue, feita de fogo ou de ar, como muitos dentre
os primeiros filósofos acreditaram; ou se é sólida, consistente, como Gilbert e
muitos modernos e não poucos dentre os antigos asseveram. As razões desta
última opinião residem sobretudo no argumento da reflexão dos raios solares por
parte da lua, porque não parece possível uma tal reflexão a não ser nos
sólidos. A respeito desse assunto, poderiam ser (se é que as há) instâncias
cruciais todas as que demonstram a possibilidade de haver reflexão em um corpo
tênue como a chama, mas com espessura suficiente. Entre outras, uma das causas
do crepúsculo é a reflexão dos raios do sol na região superior do ar. Em tardes
calmas pode-se, às vezes, observar os raios solares refletidos nas bordas das
nuvens radiosas, de resplendor não menor, mas até mais brilhante e mais
majestoso que o proveniente do corpo da lua. E, contudo, não se tem prova de
que tais nuvens encerrem um corpo denso de água. Vê-se também que o lume da
vela, à noite, reflete-se na escuridão de fora da janela, como se se tratasse
de um corpo sólido. Poderia ser tentado o experimento de se fazerem passar os
raios do sol por um furo sobre uma chama azulada. É sabido que os raios
solares, incidindo a céu aberto sobre uma chama não muito clara, ofuscam-na a
ponto de parecer mais uma fumaça branca que uma chama. Essas são as instâncias
cruciais que ora ocorrem a propósito do assunto em questão, mas certamente se
podem encontrar outras e melhores. Mas, em qualquer caso, deve-se considerar
como estabelecido que apenas a chama de uma determinada espessura é capaz de
refletir os raios; em caso contrário, eles se desvanecem na transparência. E
tenha-se como certo que um raio luminoso, caindo sobre um corpo plano, ou é
refletido para trás ou é recebido e enviado para outro lado.
Da mesma maneira, tome-se para
investigação a natureza dos corpos projetados ao ar, como dardos, flechas e
balas. Os escolásticos, segundo o seu costume, tratam esse movimento com muita
negligência, satisfazendo-se com dizer que é um movimento violento, mas
distinto daquele que chamam de movimento natural. Descartam o problema da causa
ou do primeiro impulso dado nesse movimento refugiando-se no axioma que diz que
“dois corpos não podem estar no mesmo lugar sem se penetrarem”. E não se
preocupam com o modo de se desenvolver desse movimento. E, a propósito dessa
questão, tem-se a bifurcação seguinte: esse movimento, ou é produzido pelo ar
que atua sobre o corpo arremessado, como a correnteza sobre o casco da nave ou
vento sobre a palha; ou é produzido pelas partes do corpo, que, não podendo
agüentar a violenta pressão, lançam-se sucessivamente à frente para dela se
libertarem. Com a primeira solução está Fracastoro [199] e quase
todos os outros que estudaram a fundo o assunto. Não há dúvida de que o ar toma
parte, e muito, nesse movimento, mas há infinitos experimentos que confirmam a
segunda como verdadeira causa. Entre outras, poderia se constituir na instância
crucial do assunto a seguinte: uma lâmina ou um arame de ferro um pouco
resistente, ou uma pena de ave, encurvados, por pressão do dedo polegar e do
indicador, que em tal circunstância saltam bruscamente. E claro que esse
fenômeno não resulta do ar que se reúne atrás do corpo em movimento, porque o
ponto preciso em que o movimento se manifesta é o centro e não a extremidade.
Da mesma maneira, tome-se para
investigação a natureza do movimento súbito e violento de expansão, que é
provocado pela pólvora, graças à qual massas tão grandes são levantadas e
pesos tão consideráveis são arremessados como se observa nas grandes minas e
nos canhões. Eis a bifurcação a respeito dessa natureza: o movimento ou é
produzido por mero desejo do corpo em expandir-se, logo que pega fogo ou é
produzido pelo desejo misto do espírito cru [200] em fugir
rapidamente do fogo, pelo qual é circundado, e por isso escapa violentamente
como de um cárcere. Os escolásticos e a opinião vulgar só conhecem a primeira
causa e acreditam estar fazendo boa filosofia dizendo que a chama eclode em
virtude da própria forma de seu elemento, na sua necessidade de se expandir
para ocupar um espaço maior do que o que ocupava o corpo quando se encontrava
sob a forma de pólvora, e que daí advém aquele movimento. Não pensam, no caso,
que se isso fosse verdadeiro poder-se-ia impedir a chama com corpo que tivesse
uma massa capaz de comprimi-la e sufocá-la, e, assim sendo, não haveria a
necessidade do que falamos. Estão corretos ao pensar que se se produz a chama
é necessário que se produza uma expansão e que daí segue-se uma explosão ou a
remoção do corpo que se opõe. Mas tal necessidade será evitada se a massa do
corpo pesado chegar ao ponto de sufocar a chama antes que se produza.
Observa-se que a chama, especialmente no seu início, é débil e leve, e requer
uma cavidade na qual se possa exercitar e ganhar forças. Com efeito, não se
pode atribuir à chama, tomada isoladamente, qualquer força extraordinária. Mas
é verdade que as chamas explosivas, ou seja, os ventos inflamados, são
produzidas pelo contraste de dois corpos que possuem naturezas contrárias,
completamente inflamável um, como é o caso do enxofre; e não inflamável outro,
como é o caso do nitro; daí se produzindo um violento contraste (uma vez que o
terceiro corpo, isto é, o carvão de sálcio, não tem outra função que a de
amalgamar e juntar os outros dois corpos), tendendo o enxofre, a todo custo, a
se inflamar, e procurando subitamente o espírito do nitro fugir com toda força
e, ao mesmo tempo, se dilatando (como o fazem também o ar, a água e todas as
demais substâncias cruas que se dilatam pelo calor), e nessa fuga, unida à
erupção, alimenta-se de todos os lados a chama do enxofre, como por meio de
foles ocultos.
De dois tipos podem ser as
instâncias cruciais a respeito. Uma é oferecida pelos corpos que são
inflamáveis ao máximo, como o enxofre, a cânfora, a nafta e semelhantes, como
também os seus compostos. São mais aptos e mais fáceis de se inflamarem que a
pólvora, se não são impedidos; o que demonstra que a simples tendência para se
inflamar não é suficiente para a produção daquele espantoso efeito. A segunda é
oferecida pelos corpos infensos à chama e que a incomodam, como é o caso de
todos os sais. Estes, jogados no fogo, emitem um espírito aquoso com peculiar
ruído antes de se inflamarem; o mesmo, mas menos intensamente, acontece com as
folhas, ainda não completamente secas, que se liberam da parte aquosa antes de
pegarem fogo. Esse fenômeno observa-se ainda no mercúrio, que não de todo mal
é chamado de água mineral. O mercúrio, realmente, sem se inflamar só com a
explosão e a expansão, quase se iguala à pólvora; e a ela misturado diz-se que
multiplica a sua violência.
Da mesma maneira, tome-se como
objeto de investigação a natureza transitória da chama e a sua extinção
momentânea. Com efeito, parece a nós, que a natureza da chama não se fixa, nem
adquire consistência, e que se renova a cada instância e continuamente se vai
extinguindo. E, de fato, manifesto que, nas chamas que persistem e duram, tal
duração não é a continuação ininterrupta de uma mesma determinada chama, mas
sucessão de chamas novas, que se engendram em série e, na verdade, não
permanecem idênticas em nenhum momento; como se depreende do fato de sua súbita
extinção, se se corta o sebo ou o alimento. E, a respeito, defrontamo-nos com a
seguinte bifurcação: ou a duração momentânea deriva da interrupção da causa que
engendra a chama, como acontece com a luz, os sons, os movimentos tidos por
violentos; ou a chama é levada a persistir pela sua natureza, mas é afetada e
destruída pelas naturezas contrárias.
A tal respeito a instância
crucial poderia ser a que segue. Nos grandes incêndios notam-se chamas altas;
tanto mais altas quanto maior a área incendiada. A causa da extinção parece
situada nas bordas dos lados, onde a chama parece reprimida e combatida pelo
ar. Mas as chamas do meio, não circundadas pelo ar mas unicamente por outras
chamas, permanecem idênticas e não se extinguem, até que o ar se acerque e
acabe por ocupar, pouco a pouco, toda a área. Isso faz com que a chama se
assemelhe a uma pirâmide, mais ampla na base, onde está o alimento, e mais
estreita no vértice, onde o ar a combate. A fumaça, ao contrário, é mais
estreita na base, aumentando depois, formando uma espécie de pirâmide invertida;
isso porque o ar acolhe o fumo e comprime a chama. Ninguém pode supor que a
chama acesa seja feita de ar, uma vez que são dois corpos, sem dúvida,
heterogêneos.
Uma instância crucial mais
acurada poderia ainda ser a da chama de duas cores. Coloque-se no fundo de um
recipiente de metal uma pequena vela acesa; coloque-se o recipiente em uma
vasilha e jogue-se em volta espírito de vinho em quantidade suficiente para
alcançar a borda da vasilha; a seguir acenda-se o espírito de vinho. A sua chama
será mais azulada e a da vela mais amarelada (como as chamas, ao contrário dos
líquidos, não se fundem rapidamente, será fácil observar a diferença das
cores). Nota-se, então, se a chama da vela permanece em forma piramidal ou
tende mais para a forma de um globo, desde que não haja nada que a destrua ou
constranja. Se assume a forma de um globo, é necessário tomar-se por certo que
ainda dura a mesma chama, mesmo inserida na outra e dessa maneira protegida de
força contrária do ar.
E aqui deixamos as instâncias
cruciais. Foram tratadas um pouco longamente para, aos poucos, habituar a mente
humana a julgar por seus próprios meios e segundo experimentos lucíferos, e
não a partir de razões prováveis.[201]
XXXVII
Entre as instâncias
prerrogativas, colocamos em décimo quinto lugar as instâncias de divórcio,[202] que
indicam a separabilidade de naturezas que em grande parte se encontram juntas.
Diferem das instâncias que se ligam às instâncias de acompanhamento [203] pelo fato
de que estas indicam a separabilidade de uma natureza de um corpo concreto, que
parece familiar, ao passo que as de divórcio indicam a possibilidade de
separação de uma natureza de outra natureza. Diferem também das instâncias
cruciais porque nada determinam, apenas se limitam a indicar a separabilidade
de uma natureza de outra. Servem para a indicação de formas falsas e para
refutar especulações levianas, nascidas de coisas óbvias; constituem uma
espécie de peso ou lastro para o intelecto.[204]
Por exemplo, tomem-se para a
investigação as quatro naturezas que Telésio considera como companhias indivisíveis
(ou inseparáveis)[205] e da
mesma morada, que são as do calor, da luz, da tenuidade e da mobilidade ou da
prontidão para o movimento. Encontram-se entre elas muitas instâncias de
divórcio, tais como: o ar é tênue e móvel, mas não quente, nem luminoso; a lua
fornece luz, mas não calor; a água fervente é quente, mas não fornece luz; a
agulha de ferro, presa a um eixo, é ágil e móvel, embora se trate de um corpo
frio, denso e opaco, etc.
Da mesma maneira, tomem-se
para investigação a natureza corpórea e ação natural.[206] Parece
não poderem ser encontradas, a não ser subsistindo em um corpo natural. Mas há
entre elas um grande número de instâncias de divórcio. Por exemplo, a ação
magnética, pela qual o ferro é atraído pelo magneto e os corpos pesados pelo
centro da terra. Podem-se também acrescentar algumas outras operações a
distância. Tal ação atua no tempo, em momentos sucessivos, e em um instante, no
espaço, por graus e distâncias. Há, pois, um momento no tempo e um intervalo no
espaço no qual essa virtude ou ação permanece em suspenso entre os dois corpos
que provocam o movimento. O problema fica, assim, colocado nos seguintes
termos: os dois corpos que são os termos do movimento dispõem ou modificam os
corpos intermediários de modo a passar a virtude, insensivelmente, de um termo
a outro, por uma série de contatos reais, não deixando de subsistir, nesse
entretempo, no corpo intermediário, ou nada se passa entre os dois corpos além
da troca da sua virtude através do espaço. Em todo caso, através dos raios
luminosos, dos sons e através de outras virtudes que atuam a distância, é
possível que os corpos intermediários sejam dispostos e alterados, tanto mais
que se exige um meio adequado para levar a cabo a operação, como vetor da força
atuante. Mas a virtude magnética, ou de união dos corpos, admite indiferentemente
qualquer corpo intermediário e a força não é por ele impedida, qualquer que
seja a sua natureza. Se, pois, essa virtude ou ação não tem necessidade de
nenhum corpo intermediário, segue-se que se trata de uma virtude ou ação
natural que, por algum tempo e em algum lugar, subsiste sem corpo, uma vez que
não subsiste num dos corpos terminais nem nos intermediários. Em vista disso, a
ação magnética pode ser considerada uma instância de divórcio entre a natureza
corpórea e a ação natural. Pode-se acrescentar como corolário ou vantagem, a
não ser desprezado, o seguinte: mesmo quem faz filosofia segundo os sentidos [207] pode
encontrar a prova da existência de entes ou substâncias separadas e
incorpóreas. Com efeito, se uma virtude ou ação natural, que emana de um corpo,
pode subsistir, por algum tempo, em algum lugar, separada do corpo, pode ser
também que na sua origem possa emanar de uma substância incorpórea. E isso contra
a opinião de que compete à natureza corpórea não apenas a conservação e a
transmissão da ação natural mas também a sua estimulação e produção.
XXXVIII
Seguem-se cinco ordens de
instâncias a que costumamos chamar, com o mesmo termo genérico, de instâncias
de lâmpada ou de primeira informação,[208] pelo
socorro que prestam aos sentidos. Toda interpretação da natureza começa pelos
sentidos e, das percepções dos sentidos e por uma via direta, firme e segura
alcança as percepções do intelecto, que constituem as noções verdadeiras e axiomas.
Em vista disso, quanto mais copiosas e exatas forem as representações e
provisões dos sentidos necessariamente tanto mais felizes e fáceis serão os
resultados finais.
Dentre os cinco tipos de
instâncias de lâmpada, o primeiro revigora, amplia e retifica as ações
imediatas dos sentidos; o segundo torna sensível o que não é diretamente
sensível; o terceiro indica os processos continuados ou séries de coisas e de
movimentos que (em sua maioria) apenas são notados ao seu final ou
periodicamente; o quarto fornece matéria aos sentidos, quando o objeto se
encontra completamente ausente; o quinto estimula a atenção dos sentidos, a sua
vigilância e ao mesmo tempo limita a sutileza das coisas. Trataremos, a
seguir, de cada um deles.
XXXIX
Entre as instâncias
prerrogativas, colocamos em décimo sexto lugar as instâncias deporta ou
entrada.[209] Com esse
nome indicamos as instâncias que ajudam as ações imediatas dos sentidos. A
vista é manifestamente dos sentidos o mais importante para a investigação, daí
ser importante procurar proporcionar-lhe ajuda. Estas podem ser de três
espécies: as que podem possibilitar-lhe perceber o que é invisível; as que lhe
possibilitam ver mais longe; as que lhe permitem perceber mais exata e
distintamente.
Do primeiro gênero são
(deixando de lado os óculos e similares, que apenas servem para corrigir e
atenuar a insuficiência da vista ou a má conformação do órgão e, por isso, não
nos oferecem nada de novo) as lentes recentemente inventadas [210] que
revelam as minúcias invisíveis e latentes dos corpos, seus ocultos
esquematismos e delicados movimentos, com um considerável aumento das imagens.
Com esse concurso, distinguem-se, não sem espanto, a figura do corpo, os seus
delineamentos, como também as cores e os movimentos antes invisíveis da pulga,
da mosca e dos vermes. Diz-se que uma linha reta traçada com lápis ou pena,
através dessas lentes, parece desigual e torta, pois nem os movimentos da mão,
ajudados pela régua, nem a tinta ou a cor são realmente iguais, embora tais
diferenças sejam tão minúsculas que não podem ser percebidas sem o auxílio
dessas lentes. Os homens, a tal respeito, logo fizeram a observação
supersticiosa (como ocorre com todas as coisas novas e estranhas) de que
aquelas lentes iluminam as obras da natureza, mas deturpam as da arte, O que
demonstra somente o seguinte: que as estruturas naturais são muito mais sutis
que as da arte. De fato, aquelas lentes só servem para as coisas diminutas; e
se as tivesse conhecido Demócrito, ter-se-ia alegrado muito, pensando ter
encontrado a forma de ver os átomos, que ele considerava invisíveis.[211] Mas elas
só são de utilidade em relação aos corpos pequenos. Se servissem para observar
corpos grandes ou partes pequenas desses para fazerem ver, por exemplo, o
tecido da tela como uma rede ou as particularidades ou irregularidades das pedras
preciosas, dos líquidos, da urina, do sangue, dos ferimentos e muitas outras
coisas, em tais casos se constituiriam em grande vantagem.
Do segundo gênero são as
lentes inventadas com admirável esforço por Galileu,[212] por meio
das quais é possível entrar em mais estreito contato com os corpos celestes,
como o fazem as naves nas instâncias marítimas. Por seu intermédio sabemos que
a Via Láctea não é mais que um aglomerado de pequenas estrelas, distintas em número
e natureza, fato de que os antigos mal suspeitaram. Por seu intermédio fica
demonstrado que os espaços dos chamados mundos planetários não estão vazios de
outras estrelas, mas que o céu começa a se tornar cheio de estrelas antes do
próprio céu estrelado; embora se trate de estrelas menores, invisíveis sem
esses instrumentos. Por eles pode-se observar o movimento de rotação das
pequenas estrelas em torno de Júpiter, o que nos leva a supor a existência de
vários centros dos movimentos estrelares. Por seu intermédio, podem-se observar
e determinar claramente as diversas zonas de luz e de sombra da lua; bem como
se torna possível uma descrição aproximada de seu corpo.[213] Por seu
intermédio, descobrimos, também, as manchas solares e coisas semelhantes.
Trata-se, sem dúvida, de descobertas notáveis, se se puder dar crédito a tais
demonstrações. Mas estas são tanto mais passíveis de suspeita quanto o
experimento se atém a esses poucos descobrimentos e por seu intermédio não
foram descobertas outras coisas igualmente dignas.
Do terceiro gênero são os
bastões usados para medir as superfícies, os astrolábios e outros instrumentos
semelhantes próprios para dirigir e retificar, mas não ampliar, a vista. As
outras instâncias, que servem de auxílio aos outros sentidos, em suas operações
imediatas e particulares, se não aumentam a sua capacidade de percepção, nada
dizem ao nosso propósito. Por isso, não nos ocuparemos delas.
XL
Entre as instâncias
prerrogativas, colocamos em décimo sétimo lugar as instâncias de citação,[214] vocábulo
tomado dos tribunais civis, que citam para comparecimento o que ainda não
compareceu, e a que também costumamos chamar de instâncias evocantes,[215] porque
tornam sensível o que antes não o era.
As coisas escapam aos sentidos
devido a várias causas: pela distância em que está colocado o objeto; pela
intervenção de outros corpos entre o objeto e os sentidos; pela natureza do
objeto não facilitar a sua percepção; pela dimensão muito pequena do objeto,
não chegando a impressionar os sentidos; por não haver tempo suficiente para
impressionar os sentidos; pela prévia ocupação dos sentidos por outro objeto,
não possibilitando nova impressão. Tudo isso se relaciona principalmente com a
vista e um pouco com o tato, que são os sentidos mais informativos em relação a
tais objetos, enquanto os outros sentidos quase não dão informação, a não ser
imediatamente e de objetos que lhes são próprios.
No primeiro gênero, não há
meios de se fazer redução ao sensível, a não ser que a uma coisa que não pode
ser vista, em razão da sua distância, se acrescente ou se substitua outra que
possa impressionar os sentidos, mesmo de longe: é o caso de quando se faz uso
de fogueiras, sinos e coisas semelhantes para se comunicar alguma coisa.
No segundo gênero, pode-se
obter a redução ao sensível por meio de alguma coisa que se encontre na
superfície de um corpo, e que revele o que se passa em seu interior; isso numa
posição em que não é possível a observação direta, em vista da interposição de
outras partes do referido corpo, que se não podem remover. E o caso do estado
geral do corpo humano, que se conhece pelo pulso, pela urina e outros signos
semelhantes.
O terceiro e o quarto gêneros
são os mais freqüentes e, por isso, é possível encontrar-se um grande número de
exemplos. Assim, o ar, o espírito e coisas semelhantes, que estão em todos os
corpos sutis, mas que se não podem ver, nem tocar. Por essa razão, o estudo
desses corpos não pode prescindir das deduções.
Por exemplo, tome-se para
investigação a natureza da ação e do movimento do espírito encerrado nos corpos
tangíveis. Pois não há corpo tangível sobre a terra que não cubra um espírito
invisível, como uma veste. Aí tem origem a tríplice fonte tão admirável e
poderosa do processo do espírito em um corpo tangível: se o espírito se
desprende, o corpo se contrai e seca; se permanece dentro dos corpos, abranda-os
e os torna fluidos; se não se desprende nem nele permanece por completo,
empresta forma, cria membros, assimila, digere, etc.. tornando-se um organismo.
Todas essas coisas se manifestam aos sentidos por seus efeitos aparentes.
Com efeito, em todo corpo
tangível e inanimado, começa por se multiplicar, como que se nutrindo das
portas tangíveis que são mais fáceis e estão para isso preparadas; assimila-as,
consome-as, convertendo-as em espírito, e depois escapam juntos. Essa
consumação e multiplicação do espírito se torna sensível pela diminuição de
peso. Em toda dessecação, efetivamente, ocorre perda de uma parte da
quantidade; e isso não tanto pelo espírito que aí antes se encontrava, posto
que o espírito por si mesmo não tem peso, mas devido ao próprio corpo, que
antes era tangível, mas que agora não o é mais. A saída ou emissão do espírito
se faz sensível pela ferrugem dos metais e outras putrefações do gênero que
ficam em seu início e não chegam ao ponto em que começa a vivificação, e essas
coisas pertencem ao terceiro gênero de processo. De fato, nos corpos mais
compactos, o espírito não encontra furos ou poros por onde escapar; portanto,
vê-se obrigado a empurrar e pressionar as partes tangíveis, de maneira a
fazê-las sair juntamente para a superfície, onde formam a ferrugem e
incrustações semelhantes. Os sinais sensíveis da contração das partes
tangíveis, depois da emissão de parte do espírito (que é a causa da dessecação
do corpo), são dados pela sua própria dureza, e mais ainda pelas fendas,
gretas, enrugamentos, dobras, etc., que são efeitos que a ela se seguem. Por
isso, as partes da madeira arqueiam-se e contraem-se; as peles se enrugam. E
não é só isso: sob a ação do fogo, que acelera a emissão do espírito, a
contração chega a fazer com que os corpos se dobrem e enrolem.
Se, ao contrário, o espírito é
retido, mas se dilata e se excita pelo calor, e por outras causas (como ocorre
com os corpos duros), então os corpos amolecem, como o ferro candente; outros
metais se fluidificam, liqüefazem-se, como as resinas, a cera e outras
substâncias semelhantes. E as operações contrárias do calor, endurecendo certos
corpos e liquefazendo outros, conciliam-se facilmente ao ser levado em conta
que no endurecimento o espírito se evapora, na liquefação é agitado, mas retido
no corpo; é que, enquanto a liquefação é ação própria do calor e do espírito, o
endurecimento é ação das partes tangíveis motivada pela saída do espírito.
Mas quando o espírito não está
nem completamente retido nem completamente desprendido, mas apenas faz esforços
e tentativas na sua prisão corpórea, e se depara com as partes tangíveis que
lhe são obedientes e inclinadas a acompanhar as suas operações e de fato o
seguem, disso resulta a formação do organismo, com seus membros e demais ações
vitais, quer animal, quer vegetal. Tal desenvolvimento pode ser tornado sensível
especialmente com a cuidadosa observação dos primeiros movimentos e das
primeiras manifestações ou nas origens da vida, nos animálculos que nascem da
putrefação, como, por exemplo, os ovos das formigas, vermes, moscas ou rãs que
surgem depois da chuva, etc. Para lhes dar a vida, é necessário um calor tênue
e uma certa viscosidade da matéria, para que o espírito não escape e para que a
rigidez das partes não lhe ofereça excessiva resistência e possa plasmá-las e
modelá-las como à cera.
Outra diferenciação do
espírito, respeitável e de freqüente aplicação (ou seja, interrompido,
ramificado e, ao mesmo tempo, ramificado e celulado,[216] sendo o
primeiro o espírito de todos os corpos inanimados, o segundo o dos vegetais, o
terceiro o dos animais). Também essa diferenciação pode ser colocada diante
dos olhos, por várias instâncias de redução.
É evidente que as mais sutis
configurações e os esquematismos das coisas (mesmo que os corpos sejam
inteiramente visíveis e tangíveis) não se pode nem ver nem tocar. Por isso
também aqui a informação procede por redução. Contudo, a diferença fundamental
primária dos esquematismos é obtida pela maior ou menor massa de matéria que
possa ocupar um mesmo espaço ou dimensão. Os demais esquematismos que consistem
na diversidade das partes contidas em um mesmo corpo e na sua diversa colocação
ou posição são secundários em comparação com o primeiro.
Tome-se, pois, para
investigação a natureza da expansão ou força de coesão da matéria em relação
aos vários corpos, para saber que quantidade de matéria se contém em uma mesma
dimensão de cada corpo. Nada há de mais verdadeiro na natureza que a proposição
“do nada nada provém” e que a outra sua parceira “nada há que se reduza ao
nada”; quer dizer, a quantidade em si da matéria ou a sua soma total permanece
inalterada, sem aumentar ou diminuir.[217] E não é
menos verdadeiro que “essa quantidade total de matéria se contém, mais ou
menos, nos mesmos espaços ou dimensões, conforme a diferente natureza dos
corpos”; assim é que a água contém mais, o ar menos; de modo que, se alguém
assegurasse que um mesmo volume de água pode ser convertido em um volume igual
de ar, seria o mesmo que dissesse que se pode reduzir algo a nada; e, no caso
inverso, se alguém dissesse que um volume de ar pode ser convertido em um igual
volume de água, seria o mesmo que dissesse que se pode produzir algo a partir
do nada. É dessa diferente distribuição de matéria que se formam os conceitos
de raro e denso, usados depois de várias e confusas maneiras.
Deve-se também tomar como axioma a asserção bastante acertada: o mais ou o
menos da matéria deste ou daquele corpo pode ser reduzido a proporções exatas
ou quase exatas por meio de cálculos comparativos. Pelo que não estaria
enganado quem dissesse que em um determinado volume de ouro há tal acumulação
de matéria que o espírito do vinho necessitaria, para igualar tal quantidade de
matéria, de um espaço vinte e uma vezes maior que o ocupado pelo ouro.
A acumulação da matéria e suas
proporções se tornam sensíveis pelo peso. O peso, de fato, corresponde à
quantidade de matéria em relação às partes de uma coisa tangível, mas o
espírito e a sua quantidade de matéria não podem ser computados pelo peso, já
que o corpo se torna mais leve e não mais pesado. Mas elaboramos com bastante
cuidado uma tábua disso, na qual são expostos os pesos e os respectivos volumes
de cada um dos metais, das principais pedras, das madeiras, dos líquidos, dos
óleos e de muitos outros corpos naturais e artificiais. É um verdadeiro
policresto, para fornecer tanta luz às informações quanto as normas das
operações e que pode levar à descoberta de muita verdade insuspeitada. E não
se deve subestimar o fato de que a referida tábua demonstra que o peso
específico dos corpos tangíveis observados (referimo-nos aos corpos bem
unidos, não os esponjosos, ou cavernosos e em boa proporção cheios de ar) não
ultrapassa a relação de vinte para um (um a vinte), já que assim limitada é a
natureza, pelo menos nos aspectos com que nos preocupamos.
Sentimos também que o espírito
de exatidão de que nos ufanamos obriga-nos a tentar descobrir uma proporção
entre os corpos não tangíveis ou pneumáticos e os tangíveis. E o tentamos da
seguinte maneira: tome-se uma ampola de vidro de uma onça de capacidade,
aproximadamente, pequena o suficiente para conseguir evaporação com pouco
calor; coloque-se quase até o gargalo espírito de vinho (que é o corpo mais
rarefeito e o que contém menos quantidade de matéria entre os corpos tangíveis
da tábua precedente, pelo menos entre os bem unidos e não cavernosos) e se
anote cuidadosamente o peso. Depois disso, pegue-se uma bexiga que contenha uma
ou duas pintas;[218] retire-se
todo o ar possível da bexiga, até que os seus dois lados se toquem em todas as
partes. Antes a bexiga deve ter sido friccionada com azeite para tapar todos
os poros. A seguir, coloque-se a boca da bexiga em torno do gargalo da ampola,
amarrando-o bem, com fios encerados, para melhor vedação. Depois disso,
aqueça-se o frasco sobre carvões, em um pequeno forno. Pouco depois, a evaporação
ou exalação do espírito do vinho, dilatado e tornado pneumático pelo calor,
começa a inchar lentamente a bexiga por todos os lados, como uma vela ao vento.
A seguir, retire-se o frasco do fogo, colocando-o sobre um tapete, para que o
resfriamento rápido não o quebre, e faça-se imediatamente um furo na parte
superior da bexiga, para evitar que o vapor, esfriando, retorne ao estado
líquido, atrapalhando os cálculos. Depois disso, desamarre-se a bexiga e
pese-se o espírito restante na ampola; compare-se o seu peso atual com o
inicial, computando-se quanto se transformou em vapor ou se tornou pneumático.
Compare-se também o volume da substância, quando em estado de espírito do
vinho, com o espaço que ocupou na forma de vapor. Dessa maneira, chegar-se-á ao
resultado de que a substância transformada adquiriu um volume e ocupou um
espaço cem vezes maior que o volume inicial.
Da mesma maneira, tome-se para
investigação a natureza do calor ou do frio; mas em grau bem baixo, a ponto de
não serem percebidos pelos sentidos: serão tornados sensíveis por meio do
termômetro, a que antes já nos referimos, O calor e o frio, por si mesmos, não
são perceptíveis pelo tato; mas o calor expande o ar e o frio o contrai. E a
expansão e a contração, mesmo não sendo perceptíveis pela vista, podem ser
observadas na depressão e no levantamento da água produzidos respectivamente
pela expansão ou pela contração do ar. Só assim se torna visível, nem antes,
nem em outra forma.
Da mesma maneira, tome-se para
investigação a natureza da mistura dos corpos; a saber, quanto de água, de
óleo, de espírito, de cinza, e de sais e outras substâncias semelhantes; ou, em
particular, investigue-se quanto de manteiga tem no leite, quanto de coágulo,
quanto de cera, etc. Tudo isso pode ser tornado sensível por meio de separações
competentes e artificiais. Mas a natureza do espírito, por si mesma, não pode
perceber diretamente, mas tão-somente por meio dos vários movimentos e dos
esforços dos corpos tangíveis, no próprio ato e processo de sua separação; e
também pelos sinais das acidulações, das corrosões, das diversas cores e
sabores que os corpos adquirem depois da separação. Na execução de destilações
e separações, por meios artificiais, trabalharam, certamente, os homens com
grande dedicação, mas com tão pouco êxito quanto nos processos ora em uso, onde
agem por tateios e às cegas, com mais esforço que inteligência; e o pior é
que, sem procurarem imitar e estimular a natureza, mas, ao contrário, têm
acabado por destruir, com o uso de calores demasiado fortes, e forças muito
poderosas, os delicados esquematismos, onde em especial, se encerram as
virtudes ocultas e os consensos das coisas. Não é levada em conta, por outro
lado, durante os experimentos, a advertência por nós já muitas vezes levantada,
ou seja, que na separação dos corpos pela ação do fogo, muitas qualidades
estranhas ao composto acabaram interferindo, daí advindo enganos espantosos.
Pois, nem todo vapor que é desprendido pela água colocada ao fogo era antes
vapor ou ar no corpo da água; mas se formou, em sua maior parte, na ocasião em
que a água foi rarefeita pelo fogo.
Do modo por nós preconizado,
devem ser feitas comparações mais preciosas, tanto com corpos naturais quanto
com corpos artificiais, procedendo-se à separação entre o que é verdadeiro e o
falso, entre o que é mais nobre e o mais vil; o que é aqui lembrado, por promover
a redução ao sensível, do que não é sensível. Por isso, tais experimentos devem
ser colecionados por toda parte, com o maior cuidado.
Em relação ao quinto gênero de
ocultação,[219] é
evidente que a ação dos sentidos se processa no movimento, e o movimento, no
tempo. Assim, se o movimento de um corpo é muito lento ou muito rápido para ser
percebido, o objeto acaba por escapar aos sentidos, o que ocorre com o
movimento do ponteiro do relógio ou da bala do mosquete. O movimento que não
pode ser percebido, por ser muito lento, torna-se facilmente perceptível pela
soma de vários movimentos; mas o que escapa, por ser muito veloz, ainda não
pode ser medido com exatidão; e a investigação natural exige o seu cálculo, em
alguns casos.
No sexto gênero, em que os
sentidos deixam de perceber o objeto, em vista de seu grande impacto,
promove-se a redução ou por um maior distanciamento do objeto; ou atenuando-se
os efeitos do objeto pela interposição de algum meio, mas que não chegue a
anulá-los; ou limitando-se à consideração de apenas os efeitos reflexos do
objeto, não afetando a sua intensidade original, como a imagem do sol refletindo
em um espelho d’água.
O sétimo gênero de ocultação,
em que os sentidos ficam tão sobrecarregados e tomados pelo objeto, a ponto de
não permitirem a percepção de nenhum outro, acontecendo apenas com o olfato e
os odores; e não são de importância para o que ora consideramos. E assim
enumeramos o que diz respeito às reduções do não-sensível ao sensível.
Às vezes, porém, a redução se
processa não nos sentidos do homem, mas nos sentidos de algum outro animal, que
em alguns casos são mais penetrantes que os humanos; é o caso de alguns odores
percebidos pelo olfato dos cães, ou da luz, que fica impregnada no ar exterior
não iluminado, e que é percebida pelo gato; é o caso da coruja e outros
animais que vêem à noite. Como bem o indica Telésio, há no ar uma certa
luminosidade que lhe é própria, embora fraca e tênue, e insuficiente para ser
percebida pela maior parte dos animais, inclusive pelo homem; assim, é possível
aos animais com sentidos mais aptos verem à noite, pois não se pode admitir que
vejam sem luz ou com alguma luz interna.
Deve ser lembrado que nos
estamos ocupando tão-somente das deficiências dos sentidos e de seus remédios.
As falácias dos sentidos, por sua vez, pertencem a uma investigação própria
sobre os sentidos e sobre a sensibilidade,[220] afora
aquela magna falácia que consiste em estabelecer as linhas das coisas por
analogia com o homem e não por analogia com o universo, que só pode ser
corrigido pela razão e por toda a filosofia.[221]
XLI
Entre as instâncias
prerrogativas, colocamos em décimo oitavo lugar as instâncias de caminho,[222] a que
também costumamos chamar de instâncias itinerantes e instâncias
articuladas.[223] São as
que indicam os movimentos uniformes e graduais da natureza. Esse gênero de
instância escapa mais à observação que aos sentidos, pois é espantosa a
negligência dos homens a seu respeito. Só estudam a natureza a intervalos ou
periodicamente e quando os corpos já estão acabados e completos, e não em sua
operação. Pois bem, se alguém se dispusesse a considerar o talento e a
habilidade de um artífice, teria que observar não apenas o material empregado e
depois a obra acabada, mas teria que presenciar também as operações do
artífice e o desenvolvimento de sua obra. Esse mesmo comportamento deve ser
observado em relação à natureza. Por exemplo, na investigação sobre a vegetação
das plantas, é necessário começar pelas sementes, observando-as quase
diariamente, enterradas, e retirando-as da terra a intervalos crescentes,
primeiro depois de um dia, a seguir depois de dois, a seguir depois de três,
para se poder lobrigar de que modo e em que momento as sementes começam a
inchar e intumescer-se, a encher-se de espírito; depois, a romper o
revestimento emitindo os primeiros brotos para fora da terra, se estes não
forem impedidos pela dureza do terreno; para se verificar de que modo se lançam
as fibras, como as raízes para baixo, como os ramos para cima, que às vezes se
prendem lateralmente, se o terreno assim o facilita; e assim por diante. Da
mesma maneira, devem-se observar os ovos, nos quais é possível ver os
processos de vivificação e organização de todas as partes, distinguir as partes
que procedem da gema das partes que procedem da clara e outras coisas
semelhantes. Da mesma maneira, observar os animais que nascem da putrefação. No
caso dos animais superiores, seria crueldade abrir continuamente o ventre da
mãe, para extrair o feto do útero; a não ser em casos de aborto ocasional, caça
e situações semelhantes. Finalmente, é necessário iniciar uma espécie de
vigília noturna para a observação da natureza, que mais se mostra à noite que
durante o dia. De qualquer forma, o estudo da natureza, em vista da pequenez e
da intermitência da lâmpada, pode ser considerado como empresa noturna.
O mesmo procedimento deve ser
tentado com as coisas inanimadas, como o fizemos por ocasião das observações
sobre a expansão dos líquidos ao fogo. De fato, a expansão ocorre de maneira
diversa no leite, no óleo, etc. Isso é mais fácil de ser observado fervendo-os
lentamente em um recipiente de vidro, que deixa à mostra todas as operações.
Todavia, tratamos disso tudo apenas de passagem, deixando para fazê-lo de
maneira mais detida e exata quando abordarmos o problema da descoberta do
processo latente das coisas.[224] Deve-se
sempre ter em conta que, aqui, não tratamos das coisas em si mesmas, mas apenas
aduzimos exemplos.
XLII
Entre as instâncias
prerrogativas, colocamos em décimo nono lugar as instâncias suplementares
ou substitutivas,[225] a que
também costumamos chamar de instâncias de refúgio.[226] São as
instâncias que oferecem informações em circunstâncias em que os sentidos faltam
completamente, servindo, portanto, de refúgio quando não se dispõe de
instâncias adequadas. A substituição ocorre de duas maneiras: por graduação ou
por analogia. Por exemplo: não se dispõe de qualquer meio que iniba
completamente a força magnética em relação ao ferro; nem com a interposição do
ouro, ou da prata, ou da pedra, ou do vidro, ou da madeira, ou da água, ou do
óleo, ou do pano, ou de corpos fibrosos, ou do ar, ou da chama, etc. Contudo,
através de ensaios meticulosos, pode ser que se encontre um meio, em proporção
e em grau, mais eficiente que outros, de atenuar a sua virtude. Não chegamos a
fazer nenhum experimento nesse sentido, que se poderia processar segundo o
exemplo seguinte: procurando verificar se o magneto atrai igualmente o ferro,
com a interposição de porções da mesma espesssura de ouro, de ar, ou de prata
candente e de prata natural, etc., igualmente, ainda não se descobriu nenhum
corpo que, aproximado do fogo, não retenha calor. Mas o ar se aquece muito mais
rapidamente que a pedra. E tal é a substituição que se processa por graus.
A substituição por analogia é,
sem dúvida, útil, mas é menos segura, por isso deve ser aplicada com critério.
É a que ocorre quando se coloca o não-perceptível ao alcance dos sentidos, não
através de operações do próprio corpo não-perceptível, procurando torná-lo
sensível, mas através da observação de um corpo sensível análogo. Por exemplo,
tome-se para investigação a mistura de espíritos, que são corpos não-visíveis,
supondo que há certa afinidade entre os corpos e os seus nutrientes ou
alimentos. Os alimentos da chama parecem ser o óleo e as substâncias graxas; os
do ar, a água e os líquidos; de vez que a chama se multiplica sobre os vapores
do óleo e o ar, sobre os vapores da água. Por isso deve-se observar a mistura
da água com o óleo, que se manifesta aos sentidos, visto que a mistura da chama
com o ar se lhes escapa. Por meio da composição e da agitação, a água e o óleo
se misturam de modo muito imperfeito; mas nas ervas, no sangue e nos organismos
em geral, eles se misturam de modo acurado e delicado. O mesmo pode acontecer
em relação à mistura da chama com o ar, nas substâncias espirituosas; embora
não se misturem bem, por meio de fusão, no espírito das plantas e dos animais,
misturam-se perfeitamente. A propósito, veja-se que todo espírito animado se
alimenta do úmido, seja em forma de água, seja em forma de óleo.
Igualmente, procure-se
considerar, não as misturas mais perfeitas dos corpos espirituosos mas os seus
componentes, para se verificar os que se incorporam com facilidade; ou se há
algum gás ou outros corpos espirituosos que não se misturam com o ar comum,
mas permanecem suspensos e flutuam em forma de pequenos globos ou gotas; e que
se espessam e pulverizam no ar, mas nele não se fundindo ou se incorporando,
devido à sua tenuidade tais corpos não podem ser percebidos pelos sentidos, no
ar comum ou em outras substâncias espirituosas. Mas uma imagem dessa
ocorrência, que permite recolherem-se algumas características do fenômeno,
pode ser conseguida através do que sucede com o mercúrio, o óleo ou a água,
como também com o ar, quando se rompe na água e sobe em forma de pequenas
bolhas; como também com fumaça de tipo mais espesso; situações todas elas em
que não ocorre a incorporação. A representação que se acabou de descrever não é
descabida para o caso, desde que tenha sido prévia e cuidadosamente averiguada
a existência entre os corpos espirituosos da mesma heterogeneidade que entre os
líquidos. Só então se poderá fazer de maneira útil o uso de imagens por
analogia.
E o que dissemos antes sobre
as instâncias suplementares, que servem de refúgio para a informação quando não
há possibilidade de extrai-las de instâncias próprias, queremos que seja
entendido no sentido de que são de grande uso ainda na existência de
instâncias apropriadas, para corroborarem as informações destas. Mas sobre isso
discorreremos mais amplamente quando tratarmos dos adminículos da indução.
XLIII
Entre as instâncias
prerrogativas, colocamos em vigésimo lugar as instâncias secantes,[227] a que
também costumamos chamar de instâncias velicantes. Velicantes porque
beliscam a inteligência, e secantes porque dividem a natureza, pelo que também,
às vezes, as chamamos de instâncias de Demócrito.[228] Tais
instâncias previnem o intelecto da admirável sutileza da natureza, para que
desperte e estimule a atenção, a observação e a investigação no sentido
devido. Por exemplo: de como uma pequena gota de tinta é suficiente para um tão
grande número de letras e linhas; de como uma pequena porção de prata dourada
pode formar um tão longo fio dourado, de como um verme tão pequeno, como o que
ataca a pele, pode ter espírito e um corpo organizado; de como uma mínima
porção de açafrão é suficiente para tingir um tonel de água; de como um pouco
apenas de algália ou erva aromática pode inundar todo o ambiente circundante
com o seu perfume; de como apenas uma pequena porção de matéria combustível
levanta um tão grande volume de fumaça; de como as mínimas diferenças de sons,
como a voz articulada, propagam-se pelo ar, em todas as direções, penetrando e
repercutindo pelos poros e interstícios da madeira, velozes e distintamente; de
como, passando por refrações e reflexões, a luz e o calor penetram corpos
sólidos como o vidro e a água, a distância e com grande rapidez, formando
miríades de imagens, diversificadas ao infinito; de como o magneto atua através
dos corpos mais compactos. Mas o que é ainda mais espantoso é que, em todas
essas operações, que se desenvolvem em um meio transparente como o ar, nada
haja que ofereça resistência; pois, no mesmo instante em que são transportadas,
pelo ar, tantas imagens visuais, tantas impressões de sons articulados, tantos
odores diferentes, de violeta, de rosa, etc; e ainda calor, frio, influências
magnéticas; tudo isso, e não se chocam — como se tivessem caminhos e direções
distintas a seguir.
Costumamos, todavia, juntar a
essas instâncias secantes estas outras, a que chamamos de instâncias de
divisão.[229] Com
efeito, nas coisas de que vimos falando, uma ação não perturba, nem impede
outra ação de gênero diverso, mas submete e extingue as que são do mesmo
gênero. A luz do sol domina e extingue a luz do pirilampo, um tiro de canhão
faz o mesmo em relação à voz; um odor mais intenso suprime o mais fraco; o
mesmo faz o calor; uma lâmina de ferro colocada entre o magneto e um outro
ferro extingue a ação magnética. Mas voltaremos a essas questões mais
demoradamente e no lugar próprio, quando tratarmos dos adminículos da indução.
XLIV
Dissemos o que competia sobre
as instâncias que ajudam os sentidos e que são de uso precípuo para a parte
informativa. Com efeito, a informação tem início nos sentidos. Mas todos os
assuntos se completam na prática. Acrescentamos, pois, aquelas instâncias que
são de uso precípuo na parte operativa, que são de dois gêneros e em número de
sete, mas costumamos chamá-las em conjunto de instâncias práticas. Há
dois tipos de defeitos a serem corrigidos na parte operativa e, por isso, dois
tipos de instâncias prerrogativas, a saber, a operação ou é falha, ou é muito
onerosa. Mesmo depois de um diligente exame da natureza, a operação pode falhar
em razão da errada valorização e medida das forças e das ações dos corpos. Pois
bem, as ações e as forças dos corpos são delimitadas e medidas, ou segundo o
esforço, ou segundo o tempo, ou segundo a quantidade, ou segundo a predominância
de virtude. Quando esses quatro aspectos não forem considerados com diligência
e probidade, certamente teremos ciências belamente ornadas de especulações,
mas ineficazes na parte operativa. E as quatro instâncias que devem ser
mencionadas, vamos designá-las com o único nome de instâncias matemáticas
e de instâncias de medida.[230]
A operação prática torna-se
muito onerosa, ou pela mistura de coisas inúteis ou pela multiplicação dos
instrumentos, ou pelo peso excessivo da matéria ou das substâncias que intervêm
na operação. Portanto, devem ser tidas como da maior valia as instâncias que
orientam a prática para as operações que são de maior interesse para o homem,
ou que reduzem o número dos instrumentos, ou poupam materiais ou ferramentas.
Esses três tipos de instâncias que servem ao fim ora indicado, designamos com o
único nome de instâncias propícias ou instâncias benévolas.[231] Logo a
seguir, trataremos detalhadamente de todas as sete e com isso daremos por
terminadas as instâncias prerrogativas.
XLV
Entre as instâncias
prerrogativas, colocamos em vigésimo primeiro lugar as instâncias da Vara
[232] ou do Raio,[233] a que
também costumamos chamar de alcance [234] ou de non
ultra.[235] Pois, de
fato, as forças e os movimentos das coisas não se desenvolvem em espaço
indefinido ou acidental, mas em espaço definido e determinado; por isso, no
estudo das naturezas singulares, é de grande importância para a prática
determinar esses espaços, não só para evitar que venha a malograr, como também
para torná-la mais ampla e eficaz. Por seu intermédio, às vezes, é possível
aumentar artificialmente a sua força e, por assim dizer, aproximar as
distâncias, tal como ocorre com o uso dos óculos (ou telescópios).
Essas forças, em sua maioria,
só agem quando há contato manifesto, como ocorre no choque dos corpos, onde o
corpo se move comunicando o movimento unicamente por contato. Também nas
medicinas para aplicação externa, como os ungüentos, os emplastros, exercem as
suas forças através do contato. Enfim, os objetos não são percebidos quando
ficam pelo menos em continuidade com os órgãos respectivos.
Há ainda outras forças ou
virtudes que operam a distância e até agora só algumas poucas foram notadas,
embora muito mais numerosas do que se possa pensar. Como, para citar exemplos
comuns, o âmbar e o azeviche, que atraem felpas; as bolhas de água, que aproximadas
se fundem; algumas medicinas purgativas arrastam os humores das partes
superiores do corpo, etc. E, ao contrário, a virtude magnética, pela qual o
magneto atrai o ferro, o magneto atrai o magneto, atua num limite circunscrito
do espaço; enquanto que, por seu turno, a virtude magnética, que emana da
terra, um pouco abaixo da superfície, fazendo a agulha do ferro voltar-se para
o pólo, age a grande distância.
Se há uma força magnética que
atua, por consenso, entre o globo terrestre e os corpos pesados, ou entre o
globo da lua e as águas do mar (que seria de se supor em vista dos fluxos e
refluxos quinzenais), ou entre o céu estrelado e os planetas, pela qual são
levados aos seus apogeus; se assim for, essa força atua a uma enorme distância.
Há ainda matérias que se incendeiam a grande distância, como se diz da nafta da
Babilônia.[236] Também a
comunicação do calor, como a do frio, se cumpre a grande distância. Por
exemplo, os habitantes do Canadá sentem de longe o frio que emana dos blocos de
gelo, que se desprendem e que flutuam no oceano Atlântico, em direção às suas
praias. O mesmo se pode dizer dos odores de pontos longínquos (embora em tais
casos ocorra a emissão de corpúsculos) e disso têm prova os que navegam próximo
às costas da Flórida ou de certas regiões da Espanha, com os odores que se
desprendem dos bosques de limoeiros, laranjeiras e outras árvores aromáticas,
ou de área coberta de árvores aromáticas, como alecrim, manjerona e plantas
semelhantes. Finalmente, sejam lembrados os raios de luz e os sons que agem a
grandes distâncias.
Todavia, todas essas forças,
atuem a grande ou a pequena distância, certamente agem a distâncias limitadas e
determinadas segundo sua natureza, de modo que constituem algo de não mais;
e isso em proporção à massa ou à quantidade do corpo, à força ou a pouca
intensidade da virtude, bem como aos corpos interpostos que a impedem ou
auxiliam, tudo deve ser calculado e anotado. Também a mistura dos chamados
movimentos violentos, como os de projéteis, canhões, rodas e coisas
semelhantes, tem os seus movimentos fixos, pelo que também devem ser anotados
com precisão.
Há, por outro lado, movimentos
ou virtudes que agem melhor a distância que por contato, e ainda outros que
operam com maior intensidade de longe que de perto. Por exemplo, a vista não
funciona bem por contato, exigindo certo meio e distância. Isso a despeito de
termos ouvido de alguém digno de fé que, enquanto era operado de catarata por
um cirurgião (pela introdução de uma agulha de prata sob a córnea do olho, para
desprender a película que forma a catarata e empurrá-la para um dos cantos do
olho), via claramente a agulha movendo-se diante da pupila. De qualquer
maneira, parece manifesto que os corpos maiores não podem ser distinguidos
claramente senão no vértice do cone formado pelos raios que partem dos objetos
a uma certa distância do olho; dessa forma, os velhos vêem melhor de longe que
de perto. No caso dos projéteis, eles são mais fortes de longe que de perto.
Este e outros exemplos, a propósito da medida dos movimentos, em relação à
distância, devem ser anotados. Mas não pode ser desprezado um outro modo de se
misturar os movimentos especiais. Não se trata dos movimentos lineares,
progressivos, mas esféricos, ou seja, que se expandem em uma esfera maior, ou
que se contraem em uma esfera menor. Com efeito, é necessário que se
investigue em tais medidas de movimentos qual é o grau de compressão ou
extensão que os corpos, segundo sua natureza, suportam facilmente e sem
violência, e em que grau começam a resistir até que não agüentam um não mais
além, será o caso se se comprimir uma bexiga cheia, que suporta certa
compressão de ar, mas, se aumentada, a bexiga não suporta e se rompe.
Procuramos, com um experimento
delicado, e com mais exatidão, esse mesmo fenômeno. Tomamos uma campânula de
metal, muito fina e leve, como as que se usam para saleiro; submergimo-la em
uma cuba com água, de tal maneira a levar consigo ao fundo o ar encerrado em
seu bojo. Colocamo-la lá no fundo, sobre um pequeno globo, antes já mergulhado,
e obtivemos os seguintes dois resultados: sendo a esfera pequena em relação ao
bojo da campânula, o ar se contrai, ocupando um menor espaço, sendo muito grande
para que o ar facilmente recuasse; este, não suportando a grande pressão,
elevava um dos lados da campânula, subindo à tona em pequenas bolhas.
Igualmente, para provar o
maior grau de expansão do ar (como a sua compressão), procedemos da seguinte forma:
pegamos um ovo de vidro, furado numa das pontas; por meio de forte sucção foi
extraído o ar pelo orifício, tapando-o com o dedo; em seguida, mergulhamo-lo na
água, retirando o dedo; com isso o ar, deformado pela tensão causada pela
sucção e dilatado fora de sua dimensão natural, procurando, com isso, se
contrair e se reduzir (de tal forma que, se o ovo não estivesse mergulhado na
água, o ar teria sido atraído com um silvo), atraiu água em quantidade
suficiente para que o ar ocupasse igual espaço ao que ocupava antes.
Assim, fica estabelecido que
os corpos mais tênues, como o ar, também suportam uma notável contração (como
dissemos); ao passo que os corpos tangíveis, como a água, muito mais
dificilmente suportam a compressão e em menor extensão. Em outro experimento
procuramos verificar até que ponto a suporta. Mandamos confeccionar uma esfera
de chumbo oca, de uma ou duas pintas de capacidade, e seus lados eram grossos o
suficiente para resistir com grande força: enchemo-la com água por um orifício,
que foi, em seguida, tapado com chumbo derretido, de modo a ficar bem vedada;
depois achatamo-la, com um martelo, em dois lados opostos. Com tal
achatamento, necessariamente a água ocupava menor espaço, posto que a esfera e
a figura eram de maior capacidade. Ficando já o martelo ineficaz, em vista da
resistência da água, colocamo-la em uma prensa, apertando-a até o momento em
que, não suportando mais a pressão, a água começou a destilar-se das paredes
sólidas do chumbo, como delicada exsudação. Finalmente, calculamos o espaço
perdido pela compressão e concluímos que a água se havia comprimido outro
tanto, suportando uma pressão bastante violenta.
Os corpos mais sólidos, secos
e compactos, como a pedra, a madeira e metais, suportam uma compressão muito
menor e quase imperceptível, mas livram-se da violência a que são submetidos
partindo-se, alongando-se ou com outros movimentos, como se observa no
arqueamento da madeira e do metal, nos relógios que se movem por uma mola, nos
projéteis, no martelamento de metais e em muitos outros movimentos. E tudo isso
deve ser investigado e anotado no estudo da natureza, seja por cálculo direto,
seja por estimativa ou por comparação, conforme o caso.
XLVI
Entre as instâncias
prerrogativas, colocamos em vigésimo segundo lugar as instâncias de
currículo,[237] a que
também costumamos chamar de instâncias da água,[238] tomando o
nome das clepsidras, usadas pelos antigos, em que punham água em lugar de
areia. Elas medem a natureza conforme os instantes do tempo, como fazem as
instâncias da vara em relação às distâncias do espaço. Com efeito, todo
movimento ou ação natural ocorre no tempo; é mais rápido ou mais lerdo que
outro, mas sempre conforme durações fixas, notadas na natureza. Mesmo as ações
súbitas à primeira vista têm causado maior ou menor duração temporal.
Em primeiro lugar, vemos que
as revoluções dos corpos celestes ocorrem segundo períodos fixos; assim também
o fluxo e refluxo do mar. A queda dos corpos pesados no sentido da terra e a
subida dos corpos leves para o céu cumprem-se em tempos determinados, conforme
a natureza do corpo e o meio em que se movem. Da mesma forma, os velejos dos
navios, o movimento dos animais, o arremesso dos projéteis ocorrem em tempos
calculáveis no seu conjunto. Em relação ao calor, no inverno as crianças
“lavam” as mãos nas chamas sem se queimarem, e os malabaristas, com movimentos
ágeis e uniformes, colocam com a boca para baixo e para cima copos cheios de
vinho ou água, sem derramar; e há muitas outras coisas semelhantes. Ainda mais,
a expansão, a compressão e a erupção dos corpos ocorrem mais ou menos
velozmente, segundo a natureza do corpo e do movimento, mas sempre em instantes
determinados. Sabe-se que o ribombar dos canhões, que pode ser ouvido até a
trinta milhas, é ouvido primeiro pelos que se acham perto e depois pelos que se
acham distantes do local do disparo. E até a vista, cuja ação é rapidíssima,
também exige instantes certos para sua atuação; como está provado pelo fato de
que a uma certa velocidade os corpos não são mais distinguidos, como é o caso
da bola disparada por um mosquete que passa ante a vista em um tempo menor que
o exigido para a imagem impressionar a vista.
Esse exemplo e outros
semelhantes fizeram surgir uma dúvida verdadeiramente espantosa, ou seja, a de
que o aspecto do céu estrelado e sereno é visto no momento mesmo em que existe
ou um pouco depois; e também, se existem, na contemplação dos corpos celestes,
um tempo real e um tempo aparente, um espaço real e um espaço aparente, tal
como é indicado pelos astrônomos nas paralaxes. Pois pareceria, de fato,
inacreditável que as imagens dos corpos celestes pudessem atravessar, com seus
raios, em um instante, espaços celestes tão vastos sem o emprego de qualquer
tempo. Mas essa dúvida relacionada com um intervalo de tempo entre o tempo
verdadeiro e o tempo aparente desvanece-se completamente quando se leva em
conta a imensa perda de grandeza que devem ter as estrelas na sua imagem
aparente, em razão da distância e também pelo fato de os corpos esbranquiçados,
aqui na terra, poderem ser percebidos imediatamente, mesmo a uma distância de
sessenta milhas. Não pode haver dúvida de que a luz dos corpos celestes
ultrapassa em muito, em força de radiação, a cor viva da brancura, como também
a luz de qualquer chama conhecida. Além disso, a imensa velocidade dos corpos
celestes, que não é percebida em seu movimento diurno, o que chegou ao ponto
de espantar mesmo os varões graves, levando-os a sustentar que o movimento da
terra torna mais crível esse movimento de emissão dos raios deles saídos
(embora com extraordinária rapidez, como foi dito). Finalmente, tomamos por
confirmada definitivamente a falsidade de se admitir um intervalo entre um
tempo verdadeiro e um tempo aparente, pelo fato de que, nesse caso, uma nuvem
ou outra perturbação atmosférica qualquer confundiriam com muita freqüência as
imagens. E é o que tínhamos a dizer a respeito das medidas simples de tempo.
Mas é necessário investigar,
além das medidas simples dos movimentos e das ações e muito mais, a medida
comparativa, que é muito usada e que se relaciona com muitas coisas. Com
efeito, a chama que segue à detonação de uma peça de artilharia é vista antes
da audição do disparo, mesmo andando a bala mais rapidamente que a chama, e
isso porque o movimento da luz é mais rápido que o do som. Sabemos igualmente
que as imagens são recebidas pela vista muito mais rapidamente do que se
desvanecem. E por isso também que as cordas de um instrumento, quando vibrados
pelo dedo, parecem duplas ou triplas, porque se recebe uma nova imagem antes
da perda da anterior; um mal em rotação parece uma esfera, e uma tocha movida
rapidamente, à noite, parece possuir uma cauda de fogo. Dessa desigualdade
fundamental da velocidade dos movimentos extrai Galileu a causa do fluxo e do
refluxo do mar. Sendo a terra de rotação mais veloz que a água, deve surgir,
segundo ele, a acumulação e a elevação das águas, e vice-versa, em sua descida,
como acontece com um recipiente de água fortemente agitado.[239] Mas tal
opinião se fundamenta em uma hipótese arbitrária,[240] isto é,
que a terra se move, isso sem ter bem observado o movimento regular de cada
seis horas do oceano.
Mas para se dispor de um
exemplo de misturas comparativas dos movimentos (assunto de que tratamos) e de
seu notável uso (do qual falamos há pouco), tomemos as minas subterrâneas, que
com uma mínima quantidade de pólvora são capazes de lançar para o ar imensas
massas de terra, edifícios e muralhas de toda espécie. A causa de tal fenômeno
é certamente o fato de que o movimento de expansão da pólvora é muito mais
rápido que o movimento da gravidade, que pode oferecer alguma resistência.
Dessa forma, o movimento de expansão chegou ao fim antes de começar o
movimento contrário, e por isso desde seu início o movimento de expansão não
encontra qualquer resistência, se assim se pode dizer. Por igual razão, no
lançamento de um projétil, mais vale um golpe súbito e violento que um forte.
Pela mesma razão, uma pequena quantidade de espírito animal não poderia animar
e mover o corpo dos animais, especialmente dos avantajados de corpo, como a
baleia e o elefante, se o espírito não fosse dotado de uma espantosa
velocidade, para poder percorrer toda a massa compacta do corpo, sem encontrar
qualquer resistência.
Ademais, há um princípio, que
constitui um dos fundamentos dos experimentos mágicos (de que trataremos logo
depois), que é o seguinte: uma pequena quantidade de matéria supera e reduz à
sua ordem um corpo de massa muito maior apenas quando, assim o cremos, se pode
fazer com que um movimento, pela sua velocidade, se antecipe ao surgimento de
outro movimento.
Por último, em toda ação
natural deve-se ter em conta a distinção entre o antes e o depois;
veja-se, por exemplo, que, em uma infusão de ruibarbo, primeiro se consegue
uma ação purgante e depois uma ação adstringente; algo de semelhante notamos em
uma infusão de violetas em vinagre, onde primeiro se percebe o perfume suave e
delicado da flor e depois a parte mais terrosa e agreste da flor, que abafa o
perfume. Pela mesma razão, se se submergem violetas em vinagre por todo um dia,
percebe-se o aroma com muito menos intensidade que se forem submergidas por
apenas um quarto de hora, e como o espírito aromático dessa planta é diminuto,
se são colocadas violetas frescas, em cada quarto de hora, até seis vezes,
dessa forma finalmente, é enriquecida a infusão de tal maneira que, ainda não
tendo as violetas frescas permanecido no vinagre mais que uma hora e meia, ele
adquire um aroma raro, em nada inferior à violeta, por todo um ano. Mas deve
ser lembrado que o aroma só alcançará toda a sua intensidade depois de um mês
de infusão. Nas destilações de aromas postos a macerar no espírito do vinho, ao
contrário, em primeiro lugar surge um humor denso, aquoso e sem valor; e
depois, a água mais impregnada do espírito do vinho, finalmente a água mais
impregnada de aroma. Há sempre nas destilações muitas coisas, como essas,
dignas de nota. Mas bastam essas como exemplo.
XLVII
Entre as instâncias
prerrogativas, colocamos em vigésimo terceiro lugar as instâncias de
quantidade,[241] a que
costumamos também chamar de dose da natureza,[242] tomando o
termo da medicina. São aquelas que medem as virtudes e, pelas quantidades dos
corpos, indicam quanto intervém a quantidade do corpo sobre o modo dessas
virtudes. Em primeiro lugar, há virtudes que só subsistem em uma quantidade
cósmica, isto é, uma quantidade tal que tenha um consenso com a configuração e
a estrutura do universo. Desse modo, a terra está firme, mas suas partes caem.
As águas marinhas sofrem fluxos e refluxos; o que não acontece com os rios, a
não ser em sua embocadura, por penetração do mar. Em segundo lugar, quase
todas as virtudes particulares agem segundo a maior ou menor quantidade do corpo.
As grandes extensões de água não se corrompem facilmente como as poças que logo
apodrecem. O mosto e a cerveja fermentam e tornam-se potáveis com mais
facilidade em pequenos recipientes que em grandes tonéis. Se se coloca uma erva
em grande quantidade em um líquido, obtém-se uma infusão e não uma impregnação;
se se coloca uma pequena quantidade, obtém-se uma impregnação e não uma infusão.
Também no corpo humano, uma coisa é um banho e outra, uma simples aspersão. Do
mesmo modo, o orvalho espargido pelo ar não chega a cair e acaba se
incorporando no ar. E, soprando-se sobre uma pedra preciosa, pode observar-se a
ligeira umidade dissolver-se imediatamente, como uma pequena nuvem já citada,
dissipada pelo vento. Igualmente, um pedaço de magneto não atrai tanto ferro
quanto um magneto inteiro. De outro lado, há virtudes que agem melhor na
pequena quantidade que na grande; o estilete agudo fura e penetra mais
facilmente que o obtuso, um diamante pontiagudo corta o vidro; e assim por
diante.
De fato, não nos devemos deter
em coisas genéricas, pois é necessário que se faça uma investigação a respeito
da efetiva relação da quantidade do corpo com o modo da virtude. Poder-se-ia
crer que seriam proporcionais; assim, uma bola de chumbo de duas onças deveria
cair com o dobro da velocidade de uma bola de uma onça, o que é absolutamente
errado.[243] Dessa
forma, as relações são muito diversas e segundo os gêneros da virtude e, por
isso, tais medidas devem ser determinadas nas próprias coisas, e não segundo
verossimilhanças e conjeturas.
Enfim, em toda investigação da
natureza deve ser observada a quantidade do corpo (a sua dose) que é exigida
para um determinado efeito, e toda cautela deve ser empregada em relação ao muito
e ao pouco.
XLVIII
Entre as instâncias
prerrogativas, colocamos em vigésimo quarto lugar as instâncias de luta,[244] a que
também costumamos chamar de instâncias de predomínio.[245]
Indicam-nos o predomínio ou a inferioridade entre as virtudes, ou seja, qual
entre elas é mais forte e prevalece, e qual é mais fraca e sucumbe. Os
movimentos e os esforços dos corpos, tanto quanto os próprios corpos, também se
compõem e decompõem-se e complicam-se. Em primeiro lugar, enumeraremos e
definiremos as principais espécies de movimentos e de virtudes ativos, para
tornar mais clara a comparação do seu poder e, com isso, a descrição das
instâncias de luta e de predomínio.
O primeiro é o movimento de resistência
[246] da
matéria, existente em toda parte, em que a matéria não quer ser inteiramente
anulada, de tal modo que não há incêndio, pressão, qualquer espécie de
violência, nem passagem ou duração de tempo que possam reduzir qualquer coisa a
nada; por menor que seja a parte da matéria, nada há que a impeça de ser algo,
de ocupar algum lugar; e qualquer que seja a dificuldade em que se encontre,
acabará se libertando, ou mudando de forma ou de lugar, ou permanecendo como é
ou está, não havendo outra possibilidade; mas nunca chegando a não ser nada ou
não estar em parte alguma. A Escola (que na maior parte dos casos, designa e
define as coisas pelos seus efeitos ou desvios e não pelas suas causas
íntimas), para esse movimento, recorre ao axioma de que “dois corpos não podem
estar no mesmo lugar”, ou designa esse movimento como “a impenetrabilidade das
dimensões”. Não encontramos exemplo adequado para esse movimento; mas é
inerente a todo corpo.
O segundo movimento é o que
chamamos de conexão, pelo qual os corpos não suportam ser desagregados,
e aspiram a permanecer reunidos e em contato direto. É o movimento que a Escola
designa como “horror ao vazio” e graças ao qual a água é atraída por sucção ou
por bombas e a carne por ventosas. Em virtude de tal movimento, a água contida
em um vaso furado no fundo nele permanece até que faça entrar ar por uma
abertura superior, e inúmeras coisas do mesmo gênero.
O terceiro movimento é o que
chamamos de liberdade, pelo qual os corpos se esforçam por se libertar
da pressão ou tensão que não seja natural e retornar à dimensão que lhes convém
na natureza. Há, também deste movimento, inumeráveis exemplos: a água se livra
de uma pressão, escorrendo; o ar, pelo vôo; a água, formando ondas; o ar,
ondulando no soprar do vento; a mola dos relógios, esticando-se. Exemplo
interessante do ar comprimido nos oferecem os pequenos canhões que as crianças
fazem para brinquedos. Tomam um pedaço de álamo ou madeira semelhante, fazem um
furo no sentido do comprimento e, em cada extremidade, colocam à força um tampo
de raiz polposa; em seguida, com a ajuda de um êmbolo, empurram uma das tampas
em direção à outra; a uma certa altura, antes de ser tocada, a que permanece
na extremidade oposta volta-se, fazendo ruído. Em relação ao modo de se livrar
da tensão, considere-se o que acontece com o ar que permanece no ovo de vidro,
depois de forte sucção; considerem-se também as cordas, o couro, o pano e
outros tecidos, que voltam ao estado inicial se a tensão não for muito longa,
etc. A Escola indica esse movimento como produzido pela forma do elemento;
e isso de forma muito imprópria, pois esse movimento não se relaciona
unicamente ao ar, à água, à chama, mas é comum a todos os corpos, seja qual for
a sua consistência, tal como a madeira, o ferro, o chumbo, o pano, a membrana,
etc., nos quais cada corpo apresenta o seu limite particular de dimensão, além
do qual vão muito pouco. Mas, como o movimento de liberdade é muito freqüente,
e sendo de infinitos usos, é oportuno distingui-lo perfeitamente dos demais.
Pois há quem o confunda, lamentavelmente, com os movimentos antes descritos de
resistência e conexão; ou seja, o de evasão da pressão com o movimento de
resistência e o de evasão de tensão com o movimento de correção; como se os
corpos comprimidos cedessem ou se esticassem para que não se produzisse
penetração de dimensões, e os corpos distendidos se encolhessem para evitar o
vazio. Mas se o ar comprimido tivesse que se contrair até a densidade da água,
ou a madeira até a densidade da pedra, não seria necessária a penetração de
dimensões; contudo, a compressão nesses corpos chegaria a ser muito maior que
a que suportam, por qualquer meio, tais como são. Igualmente, se a água
pudesse dilatar-se até chegar ao estado de rarefação que tem o ar, ou a pedra
até o da madeira, não haveria necessidade do vazio; e, nesse caso, a extensão
que neles teria lugar seria muito maior que a que alcançam, por quaisquer
meios, tais como são. Dessa forma, não se chega à questão da penetração de
dimensões ou à do vazio, a não ser nos limites de condensação e rarefação;
contudo, tais movimentos se encontram muito mais aquém desses limites e nada
mais representam que desejos dos corpos de se conservarem em sua consistência
ou, diriam os escolásticos, em suas formas, e dessa maneira não se separarem
subitamente delas e sem que sejam alterados com modos suaves e com seu
consentimento. Contudo, muito mais necessário, pelas conseqüências em que
importa, é advertir os homens de que o movimento violento (por nós chamado mecânico,
e por Demócrito, que a respeito de movimentos, deve ser ainda colocado entre
os filósofos medíocres, de movimento de golpe) outro não é que o
movimento de liberdade, ou seja, o movimento da compressão à distensão. Na
verdade, a nem toda ação ou desvio no ar corresponde uma mudança de lugar, se
as partes do corpo não forem forçadas e comprimidas um pouco além do
suportável por sua natureza. Então, as partes, comunicando reciprocamente o
impulso, provocam o movimento, não apenas linear do corpo, mas também ao mesmo
tempo o rotatório, procurando, dessa forma, libertar as partes da pressão, ou
melhor suportá-la, pela sua melhor distribuição. É o suficiente para esse
movimento.
O quarto movimento é o que
demos o nome de movimento de matéria,[247] que, de
certo modo, é o oposto ao de liberdade, de que falamos. Pelo movimento de
liberdade, os corpos tendem com todas as suas forças a retomar a sua
consistência original, evitando, fugindo, mostrando repugnância para com
qualquer nova dimensão ou nova esfera, ou nova expansão, ou contração
(significando todas essas palavras a mesma coisa). Pelo movimento de matéria,
ao contrário, os corpos tendem a passar a uma nova esfera ou dimensão, e o
fazem de maneira voluntária e facilmente, e às vezes até com ímpeto furioso,
como acontece com a pólvora. Instrumentos desse movimento certamente não os
únicos, mas os mais potentes, ou pelo menos os mais freqüentes, são o quente, o
frio. Por exemplo, o ar, dilatado por qualquer tensão ou aspiração (como nos
ovos de vidro), tem uma notável tendência a retomar o anterior estado de
densidade. Aquecido, tende, ao contrário, a dilatar-se e aspira a passar para
uma nova esfera e a ela passa com facilidade, como para uma nova forma (como se
diz), e depois de alcançar certo grau de dilatação não se preocupa com o
retorno, a não ser quando convidado pelo frio; não se trata porém, de retorno,
mas de uma nova transformação. Da mesma maneira, a água comprimida resiste e
tende a retomar a dimensão anterior, procurando dilatar-se; mas sob a ação do
frio interno e continuo transforma-se em gelo espontaneamente e
voluntariamente se condensa; se prosseguir o frio intenso, sem qualquer
intromissão de calor (como acontece nas cavernas profundas), transforma-se em
cristal, não voltando ao estado anterior.
O quinto movimento é o da continuidade,
que corresponde, não à simples e fundamental continuidade entre um corpo e
outro (nesse caso, trata-se de movimento de conexão), mas a continuidade
interna de um corpo dado. Com efeito, é coisa certa que todos os corpos se
desgostam com toda solução de continuidade; alguns mais, outros menos, mas de
qualquer forma todos. Nos corpos duros (como o aço, o vidro, etc.) a reação à
interrupção dos seus corpos é mais forte; e, mesmo, no líquido onde essa
resistência parece cessar ou ser muito fraca, ela não deixa de existir, ainda
que em ínfimo grau; fato contado, que é demonstrado por inúmeros experimentos,
basta considerarem-se as bolas, a esfericidade das gotas e os fios delgados
que caem das goteiras, a consistência dos corpos gelatinosos e outros semelhantes.
Mas tal tendência é mais evidente sobretudo quando se procura introduzir a
descontinuidade em um corpo já reduzido a partes extremamente pequenas. E o
que acontece nos morteiros, depois de um certo grau de trituração, e nos
pilões; também a água não penetra nas frinchas muito pequenas; o próprio ar,
apesar da sutilidade de sua natureza, não penetra os poros de um vaso um pouco
mais sólido, a não ser depois de muito tempo.
O sexto movimento é o que
chamamos de movimento para lucro ou de indigência. Por seu
intermédio, os corpos, quando colocados no meio de outros de natureza diversa
ou até mesmo hostil, encontram o meio de se afastarem e de se reunirem a outros
mais afins (mesmo que essa afinidade não seja grande) e a estes se juntam
imediatamente e os antepõem como preferíveis; dai o lucro indicado no nome do
movimento, lucro esse buscado como uma necessidade dos corpos. Por exemplo, o
ouro ou qualquer outro metal não gosta de ser envolvido ou cercado pelo ar,
quando na forma de lâminas; por isso, quando encontra um corpo duro e denso (um
dedo, um pedaço de papel ou algum outro), a ele adere subitamente, não se
separando facilmente. Mesmo o papel, o pano e todo corpo análogo não se adaptam
bem ao ar que os penetra e se insinua pelos seus poros; por isso, absorvem com
facilidade a água ou outro liquido, com o fito de se distanciarem do ar. O
açúcar ou uma esponja submergida em água ou em vinho, mas com uma parte de
fora, atraem gradualmente a água ou o vinho, embebendo-se completamente.
Daí deduzimos a excelente
norma para abertura e dissolução dos corpos. Pois, deixando-se à parte os
corrosivos e as águas-fortes, que abrem a estrada pela força, se se encontra um
corpo proporcionado com algum sólido e com mais afinidade e amizade que o com
que está misturado por necessidade, aquele se abre, relaxa-se, recebe o primeiro
corpo e exclui e afasta o outro. Esse movimento de ganho não opera unicamente
por contato direto; pois a força elétrica (sobre a qual Gilbert e seus
seguidores tanto fantasiaram) não passa de uma tendência provocada por ligeira
fricção, pela qual um corpo, não suportando mais o ar circundante, prefere
outro corpo tangível que esteja ao seu alcance.
O sétimo movimento é o que
chamamos de movimento de congregação maior, graças à qual os corpos se
movem no sentido das massas de seus congêneres, sendo os mais pesados para o
centro da terra e os mais leves para o céu. Os Escolásticos, de maneira superficial,
indicaram-no como “movimento natural”, por não terem encontrado nada de
externo e visível que pudesse provocá-lo, e o consideravam inato e inerente às
próprias coisas, talvez pelo fato de ser perpétuo, o que não seria de se
espantar. Com efeito, o céu e a terra estão sempre presentes enquanto que as
causas e as origens da maior parte dos outros movimentos algumas vezes estão
presentes e outras estão ausentes. Por isso, porque não cessa nunca e os outros
cessam, os Escolásticos o consideravam como o único movimento próprio e
perpétuo e os outros como movimentos exteriores e acidentais. Mas, na verdade,
trata-se de um movimento débil e pouco ativo, e, não sendo o caso de corpos de
grande volume, cede e se submete aos outros movimentos enquanto eles se desenvolvem.
Apesar de os homens se terem ocupado desse movimento a ponto de deixarem de
lado os outros, pouco conhecem a seu respeito, incorrendo em muitos erros a seu
respeito.
O oitavo movimento é o que
chamamos de congregação menor, que faz com que, em todos os corpos, as
partes homogêneas se separem das heterogêneas, juntando-se umas às outras; por
ele, os corpos inteiros se enlaçam e conjugam-se, conforme a sua substância e
às vezes atraem-se de uma certa distância, aproximando-se uns dos outros. O leite,
colocado em repouso, faz subir o creme, depois de certo tempo a borra e o
tártaro precipitam-se no vinho. Tais efeitos não são só produzidos pela
gravidade ou pela leveza (graças às quais alguns corpos vão para baixo e outros
para o alto), mas sobretudo pelo desejo dos corpos homogêneos de se unirem e
associarem-se. Esse movimento difere do movimento de indigência de duas
maneiras: em primeiro lugar, porque naquele movimento a tendência do corpo é
fugir de qualquer natureza maligna e inimiga, enquanto que, no que nos ocupa
(quando não há obstáculos ou vínculos), as partes se unem por amizade, sem uma
natureza estranha para provocar o combate; em segundo lugar, porque a conjunção
aqui é mais estreita, cumprindo-se com maior eleição. No primeiro caso, corpos
embora não muito afins compõem-se para fugirem de um corpo hostil; enquanto que
no caso presente as substâncias se unem levadas por uma estreitíssima
semelhança e constituem praticamente um todo. Esse movimento é encontrado em
quase todos os corpos compostos, mas não se mostra facilmente, porque os corpos
estão ligados e tomados por outras tendências e por vínculos que perturbam a
união.
Particularmente três causas
podem embaraçar esse movimento: o torpor dos corpos, o freio do corpo
predominante e o movimento externo. Quanto à primeira causa, é sabido que os
corpos tangíveis têm uma preguiça, maior ou menor, e uma aversão à mudança de
lugar; assim é que só se movem se impelidos, caso contrário preferem continuar
como estão, mesmo que seja para mudar para melhor. Podem ser sacudidos desse
torpor por uma tríplice ajuda: pelo calor, pela atração de qualquer corpo
semelhante ou por um impulso enérgico e vigoroso. O calor é comumente definido
como “o que separa os heterogêneos e une os homogêneos”; mas tal definição dos
peripatéticos é, com razão, ridicularizada por Gilbert, que a declara semelhante
à de alguém que procurasse definir o homem “aquele que semeia o trigo e planta
os vinhos”, que é uma definição pelos efeitos e pelos particulares. Mas a definição
é mais errada no fato de que os efeitos, quaisquer que sejam, não derivam da
natureza do calor, mas por acidente, ou seja, dos desejos das partes homogêneas
de se unirem; enquanto que o calor nada mais faz que ajudar o corpo a sacudir
o torpor que antes oferecia resistência ao desejo. O mesmo acontece com o frio,
como mais adiante exporemos. A ajuda que pode oferecer a virtude de um corpo
afim manifesta-se de maneira admirável no magneto armado, que produz no ferro a
virtude de atrair o ferro por semelhança de substância, depois de sacudido o
torpor do ferro. A ajuda proveniente do movimento se observa nas flechas de
madeira, com ponta de madeira, que penetram melhor certas madeiras do que se
tivessem ponta de ferro, o que acontece em vista da semelhança de substância,
depois de sacudido o torpor da madeira, pelo movimento veloz das flechas. Já
foi feita menção desses experimentos no aforismo das instâncias clandestinas.
A dificultação do movimento de
congregação menor, que advém do corpo predominante, observa-se na decomposição
do sangue e da urina pelo frio. Pois enquanto esses corpos estiverem cheios de
espírito ativo que os governa e mantém coesas suas partes, essas mesmas partes
não se associam por coerção. Mas tão logo se tenha aquele espírito evaporado ou
tenha sido abafado pelo frio, então as partes liberadas do freio se associam,
seguindo o seu desejo natural. Assim, acontece que todos os corpos que contêm
um espírito acre (como os sais e coisas semelhantes) perduram sem se dissolverem,
em razão do freio permanente e durável representado pelo espírito dominante e
imperioso.
A dificultação do movimento de
congregação menor que ocorre por causa do movimento externo observa-se
sobretudo nos corpos nos quais a agitação impede que apodreçam. De fato, toda
putrefação baseia-se na agregação dos homogêneos, pela qual pouco a pouco
ocorre a corrupção da primeira forma a produção da nova (conforme a linguagem
comum). Por isso, a putrefação que abre caminho à produção de uma nova forma é
precedida da dissolução da forma anterior, ou seja, da reunião das partes
homogêneas. Não havendo qualquer obstáculo ocorre apenas a dissolução da forma
anterior; mas, havendo qualquer coisa que se oponha, advém a putrefação, que é
a origem de nova geração. Se, depois, acontecer uma forte agitação proveniente
de um movimento externo (que é o nosso assunto), então o movimento de agregação
é perturbado e cessa (pois se trata de um movimento leve e delicado que exige a
quietude externa), como se pode observar através de inúmeros exemplos. Por
exemplo, a contínua e cotidiana agitação e a correnteza da água impedem a sua
putrefação; os ventos impedem a concentração de substâncias pestilentas no ar,
do mesmo modo os grãos, quando revolvidos nos celeiros, melhor se conservam,
enfim, todas as coisas, quando agitadas do exterior, não se putrefazem
interiormente com facilidade.
Também não pode ser omitida a
união das partes dos corpos que constitui a principal causa do seu
endurecimento e dissecação. Pois, quando o espírito, ou a parte úmida
transformada em espírito, é evaporada de um corpo poroso (como a madeira, o
osso, membranas e outras semelhantes). as partes mais grossas se contraem e
encolhem-se mais fortemente; em seguida, advém o endurecimento e a dessecação,
efeitos provocados, segundo entendemos, não por um movimento de conexão que
tende a evitar o vazio, mas por este movimento de amizade e de união.
A união a distância é pouco
freqüente e rara, mas, de qualquer maneira, é mais freqüente do que comumente
se observa. Como exemplo, veja-se a bolha que rompe a outra; as medicinas que
pela semelhança de substâncias extraem os humores; quando em diversos
instrumentos uma corda move-se com outra; e outros semelhantes. Somos levados a
crer que esse movimento também é encontrado no espírito dos animais, mas
permanecendo completamente incógnito. E encontra-se, com certeza, no magneto e
no ferro magnetizado. E, já que estamos falando de movimento magnético, é
necessário distinguirem-se quatro espécies de virtudes ou operações que devem
ser distinguidas, embora os homens, levados pela admiração e pela estupidez,
confundam-nas. A primeira em virtude de atuação do magneto, pelo magneto, ou do
ferro pelo magneto, ou do ferro pelo ferro magnetizado. A segunda é a sua
propriedade de dirigir-se para o norte e para o sul, e também a sua inclinação.
A terceira é a virtude magnética de atravessar o ouro, a pedra e qualquer
corpo. A quarta é a virtude de magnetizar o ferro e o ferro outro ferro, sem
comunicação de substância. Mas aqui só nos ocupamos da primeira dessas
virtudes, ou seja, de atração. Igualmente notável é o movimento de atração
existente entre o mercúrio e o ouro, e de tal modo forte que o ouro atrai o mercúrio,
mesmo estando na forma de ungüento; e os operários que trabalham entre vapores
de mercúrio costumam ter na boca um pedaço de ouro, para recolher as suas
exalações, que de outra forma penetrariam nos ossos e no crânio. E o pedaço de
ouro em pouco tempo se torna branco. É o suficiente para o movimento de
congregação menor.
O nono movimento é o
magnético, do mesmo gênero que o de congregação menor, mas que age a grande
distância e sobre grandes massas, e merece uma investigação particular,
especialmente se não começa com o contato, como muitos outros movimentos, nem
leva ao contato, como todos os movimentos de congregação, mas eleva e infla os
corpos, não indo além. Pois se a lua eleva as águas ou faz com que os corpos
úmidos inchem, ou o céu estrelado atrai os astros para o apogeu; ou o sol submete
os astros Vênus e Mercúrio para que dele não se afastem além de uma determinada
distancia; em vista disso, não se pode classificá-los corretamente como
movimento de congregação maior ou menor, de vez que se trata de movimentos de
congregação intermediários e imperfeitos, que formam uma espécie à parte.
O décimo movimento é o de fuga,
contrário ao de congregação menor. Por ele os corpos se distanciam entre si por
antipatia e mantêm-se separados de seus inimigos, recusando misturar-se com
eles. É verdade que em certos casos pode parecer um movimento por acidente ou
em conseqüência do movimento de congregação menor, porque também aqui as
partes homogêneas só se conjugam depois de terem excluído e afastado as
heterogêneas. Mas isso deve ser considerado em si mesmo e deve formar uma
espécie distinta, pois em inúmeros casos a tendência para fuga supera a
tendência para a união.
Esse movimento se manifesta
especialmente nos excrementos dos animais e em qualquer objeto repugnante aos
sentidos, em particular ao olfato e ao gosto, O olfato recusa tão
decididamente qualquer tipo de fedor que por consenso provoca um movimento de
repulsão na boca do estômago; o paladar e a garganta recusam tanto qualquer
alimento amargo e áspero de sabor que provocam por consenso um tremor de toda
a cabeça. Mas ainda em outras coisas é possível encontrar-se esse movimento.
São observados em alguma antiperístase, como, por exemplo, na região média do
ar, onde o frio parece efeito da expulsão da natureza do frio, da zona
limítrofe com os corpos celestes, como os grandes calores, e as massas de lava
candente que se encontram nas regiões subterrâneas, que parecem ser resultado
das expulsões da natureza do quente, das entranhas da terra. O calor e o frio
em pequenas quantidades se destroem mutuamente, mas, em grandes quantidades e,
como exércitos regulares, ao final da refrega, ou se expulsam ou deslocam um ao
outro. Fala-se que a canela e outras substâncias aromáticas, colocadas nas
latrinas e nos lugares fedorentos, conservam mais os seus aromas, pois estes se
recusam a sair para não se misturarem com o fedor circundante. E certo que o
mercúrio, que de outra forma, se uniria em um corpo compacto, e impedido pela
gordura de porco, pela terebentina e outras substâncias semelhantes, isso
devido à falta de consenso que guarda em relação a esses corpos, dos quais
procura se afastar quando é por eles envolvido; de sorte que a tendência para
a fuga dos corpos interpostos é mais forte que a tendência para a união de
todas as partes em um todo homogêneo. E é a esse fenômeno que chamam de mortificação
do mercúrio. Da mesma maneira, o fato de o óleo não se unir à água não
depende do peso específico diverso das duas substâncias, mas do seu precário
consenso; o que é provado pelo fato de que o espírito do vinho, mais leve que o
óleo, une-se perfeitamente à água. Mas o movimento de fuga manifesta-se,
sobretudo, no nitrato e em outros corpos crus, inimigos das chamas, como a
pólvora, o mercúrio e o ouro. Mas a fuga do ferro, do outro pólo do magneto,
não é, como muito bem lembra Gilbert, um movimento de fuga propriamente dito,
mas conformidade e tendência a ocupar um lugar mais conveniente.
O décimo primeiro movimento é
o movimento de assimilação ou de multiplicação de si mesmo ou
ainda de geração simples. Deve-se entender por geração simples não a dos
corpos inteiros que ocorre nas plantas e nos animais, mas aquela dos corpos
similares. Por meio desse movimento, os corpos similares convertem em sua
própria substância e natureza outros corpos afins, ou pelo menos bem dispostos
e preparados. É o caso da chama, que se multiplica alimentando-se de exalações
de matérias oleosas e engendra nova chama; do ar, que se multiplica pela água e
pelos vapores aquosos e engendra novo ar; do espírito vegetal e animal, que, se
alimentando das partes mais tênues, tanto aquosas quanto oleosas, engendra novo
espírito; das partes sólidas, das plantas e dos animais, folhas, flores,
carne, osso, etc., que assimilam o suco nutritivo e engendram substância
reparadora continuamente. E ninguém tomaria o lugar de Paracelso em suas
fantasias, pois, obcecado com suas destilações, pretendia que a nutrição só se
realizava por separação e que no pão ou em qualquer outro alimento encontram-se
olhos, varizes, cérebros, fígados, e no humus da terra, raízes, folhas e
flores. Tal como o escultor tira de uma massa tosca de pedra ou de madeira, por
eliminação e reparação do supérfluo, folhas, flores, olhos, varizes, mãos, pés,
etc.; da mesma maneira, afirma Paracelso, o artífice interno (o que chama de
Arqueu) extrai, por separação e eliminação dos alimentos, cada um dos membros e
partes. Mas, deixando de lado tais futilidades, acreditamos como certo que as
diversas partes, tanto as orgânicas como as similares, tanto nos vegetais
quanto nos animais, primeiramente atraem os sucos dos alimentos, escolhem os
que são quase comuns a todos ou os que não são muito diversos, depois os
assimilam convertendo-os na própria natureza. E tal assimilação ou geração
simples não ocorre somente nos corpos animados, mas também nas coisas
inanimadas, como se depreende do exemplo da chama e do ar. Assim, o espírito
morto,[248] que se
encontra em toda coisa tangível e animada, faz com que as partes mais duras
sejam digeridas e transformadas em espírito, que logo depois se exala, daí
resultando uma diminuição e uma dissecação de peso, como já foi assinalado.
Também não pode ser desprezada a forma de assimilação que se costuma
vulgarmente distinguir da nutrição; como é o caso do barro que se endurece
entre duas pequenas pedras e transmuda-se essa matéria pétrea ou da crosta que
se forma entre os dentes e se transforma em substância quase tão dura quanto
eles, etc. Sustentamos a opinião de que em todos os corpos está latente a
tendência à assimilação tanto quanto a tendência a união dos homogêneos; mas,
mesmo esta tendência, como aquela, está vinculada, ainda que não da mesma
maneira. E necessário que se investigue, com todo cuidado, como isso ocorre e
como é possível remover o obstáculo, pois ajuda bastante ao revigoramento da
velhice.[249] Por
último, devemos observar que nos primeiros nove movimentos aqui tratados os
corpos procuram unicamente a conservação de sua natureza, no décimo buscam a
sua propagação.
O duodécimo é o movimento de excitação,
que parece uma espécie de assimilação e por isso às vezes assim também o
chamamos. Pois, à semelhança daquele, é capaz de se difundir, comunicar-se,
transferir-se a outro e se multiplicar. E, apesar de o modo de operar e de a
substância sobre a qual opera serem diversos, o efeito é o mesmo. Em relação ao
modo de operar, de fato, a assimilação procede com autoridade e quase com
império, obriga o alimento assimilado a transformar-se na substância que o
assimilou; por seu turno, o movimento de excitação composta quase com arte e
com circunspecção, furtivamente se insinuando, não obriga o alimento a
transformar-se na substância que o excitou, O movimento de assimilação
multiplica e transforma os corpos e as substâncias: por isso, a chama, o ar, o
espírito, a carne, aumentam, O movimento de excitação, de sua parte, multiplica
unicamente a virtude e transfere-a de um corpo a outro, com isso levando mais
calor, mais magnetismo, mais podridão. Esse movimento é especialmente
constatado no calor e no frio, de vez que o calor não se difunde no aquecimento
em razão de um calor precedente, mas somente pela excitação das partes do
corpo até aquele movimento que é a forma do calor, como se viu na primeira
vindima da natureza do calor. É por isso que o calor se propaga muito mais
dificilmente e mais tarde na pedra ou no metal que no ar, pela inaptidão e
lentidão desses corpos para com o movimento de excitação. Bem por isso, pode-se
supor que nas entranhas da terra encontram-se matérias sobremodo incapazes de
receber o calor, reduzidas certamente a tal grau de densidade que acabaram por
perder o espírito, no qual o movimento de excitação, pelo menos, tem início. Do
mesmo modo, o magneto dota o ferro de uma nova disposição das partes e infunde
um movimento conforme ao seu, e isso sem perder nada da sua virtude. Do mesmo
modo, o fermento do pão e o lêvedo da cerveja, o coalho do leite e alguns
venenos excitam e introduzem um movimento sucessivo e continuado na farinha,
na cerveja, no queijo e no corpo humano. E isso ocorre não tanto por sua
virtude excitante mas sobretudo pela predisposição e pelo abandono do corpo
excitado.
O movimento décimo terceiro é
o da impressão, que também é uma espécie do movimento de assimilação e é
o mais tênue dos movimentos difusivos. Constituímo-lo em uma espécie distinta
em razão de uma notável diferença que guarda em relação aos dois primeiros. O
movimento de assimilação simples transforma os corpos a tal ponto que, mesmo
que se suprima o primeiro móvel, a operação continua. Da mesma maneira que a
primeira inflamação da chama, ou a primeira conversão em ar, não tem qualquer
efeito sobre a chama e sobre o ar, que vão surgindo sucessivamente, o movimento
de excitação continua, mesmo depois da remoção do primeiro móvel, por um tempo
considerável, como um corpo aquecido, que assim permanece, mesmo depois de
cessada a causa do calor; como a virtude do ferro imantado, mesmo depois de
eliminado o magneto; e a da massa da farinha, afastado o fermento. Ao
contrário, o movimento de impressão é capaz de se difundir, de se transferir
para outros corpos, mas permanece sempre ligado ao primeiro móvel e, com o
cessar deste, também cessa. Por isso, deve produzir-se em um momento ou em um
tempo muito breve. Foi disso que retiramos a razão de designar os dois
movimentos de assimilação e de excitação por movimentos de geração de
Júpiter, porque são duráveis; e, ao último, de movimento de geração de
Saturno, porque logo que nasce é imediatamente devorado e absorvido. Esse
movimento se torna manifesto em três casos: nos raios de luz, nas percussões
dos sons, no magnetismo, pelo que se relaciona com a comunicação. De fato,
removida a luz, imediatamente cessam as cores e as suas outras imagens; cessada
a primeira percussão e a vibração do corpo que a produziu, imediatamente também
cessa o som. E embora os sons se propaguem mesmo no vento, como por ondas
através do espaço, é, contudo, necessário observar-se com mais cuidado o fato
de que o som não dura tanto quanto a sua repercussão. Quando se tange um sino,
o som parece prolongar-se pelo tempo da repercussão; mas é de todo falso que o
som se tenha prolongado durante todo aquele tempo, como pode ser notado pelo
ar, pois em seu ressoar o som não permanece idêntico em número, mas se renova.
O que pode ser facilmente verificado detendo-se o movimento do corpo percutido.
Pois se pararmos e determos as vibrações do sino, no mesmo instante pára o som
e não ressoa mais. O mesmo acontece com os instrumentos de corda, se depois do
primeiro acorde tocar-se a corda ou com o dedo, como na lira, ou com o arco,
como no violino: cessa imediatamente o som, O mesmo ocorre se se afasta o
magneto: o ferro cai. A lua, todavia, não pode ser separada do mar, nem a terra
de um corpo pesado, e, por isso, não se pode fazer com eles qualquer
experimento; mas o princípio permanece o mesmo.
O décimo quarto movimento é o
de configuração ou de posição, graças ao qual os corpos parecem
buscar não uniões ou separações mas uma determinada posição ou colocação e uma
configuração particular, comum a outros. Esse movimento é bastante abstruso, e
tem sido mal estudado. Às vezes parece sem causa, embora, no nosso entender, a
causa exista. Assim, se se perguntasse a razão pela qual o céu gira de oriente
a ocidente e não do ocidente para o oriente; ou por que gira ao redor dos
pólos, que estão perto da Ursa Maior e não em volta de Orion ou de alguma outra
constelação, tais questões parecem mal colocadas, por se referirem a fatos que
devem ser investigados sobretudo pela experiência, da mesma maneira que outros
fatos positivos. Mas não se pode negar a existência na natureza de fenômenos
últimos e sem causa, mas não parece que o que tratamos seja desse gênero.
Entendemos que tais fatos procedem de uma certa harmonia ou consenso universal,
que ainda nos escapa à observação. De fato, mesmo supondo o movimento da terra
do ocidente para o oriente como certo, permanecem intactas as mesmas questões.
Se ela se move em torno de certos pólos, por que esses pólos devem encontrar-se
onde estão e não em outro lugar? Também o movimento, a direção e a declinação
do magneto relacionam-se com o movimento de posição. Nos corpos naturais e nos
corpos artificiais, especialmente nos sólidos, não-fluidos, encontra-se uma
certa colocação harmônica de suas partes, e (por assim dizer) certos pêlos e
fibras que estão a exigir um estudo mais profundo, pois sem o seu conhecimento
não é possível de maneira eficaz manejar e controlar esses corpos. Mas a
circulação dos líquidos que, comprimidos, antes de se libertarem, elevam-se por
igual para melhor suportarem o peso da compressão, relacionamo-la ao movimento
de liberdade.
O décimo quinto movimento é o
de transição, ou movimento conforme a passagem, pelo qual as
virtudes dos corpos são mais ou menos sofreadas ou solicitadas pelo próprio
meio em que agem, segundo a natureza dos corpos e das virtudes operantes, e
também do meio. Com efeito, é bem diferente o meio que convém à luz, ao som, ao
calor e ao frio, às virtudes magnéticas e outras em relação às outras
virtudes.
O décimo sexto movimento é o
que chamamos de régio ou político, graças ao qual, em um corpo,
as partes predominantes e imperantes subjugam, domam, dirigem e refreiam as
demais, obrigam-nas a se unirem, a separarem-se, a pararem, a moverem-se e
colocarem-se não segundo o arbítrio de cada uma mas segundo a ordem e o
bem-estar da imperante. Assim é que há quase um governo e um domínio exercido
pela parte dominante sobre as que estão submetidas. Esse movimento se
manifesta sobretudo no espírito dos animais, movimento que, enquanto dura,
regula os movimentos das outras partes. E encontrado também em outros corpos,
mas em grau inferior; como no sangue e na urina, que não se dissolvem antes
que o espírito que neles se encontra e penetra não tenha sido retirado ou
sufocado. E não se trata de um movimento próprio apenas dos espíritos, embora
em muitos corpos o espírito domine pela sua celeridade e penetração. Nos corpos
mais densos, incapazes de um espírito ativo e móvel (como o do mercúrio e o do
vitríolo), dominam, por seu turno, as partes mais espessas; de modo que se não
se encontra um caminho para sacudir, por meio de alguma arte, esse jugo servil,
nada se pode esperar a respeito de qualquer nova transformação desses corpos.
Toda essa enumeração e classificação de movimentos não tem outro fito que o de
induzir a uma investigação mais exata de suas forças predominantes, por meio
da instância de luta. Mas não se pense que nos tenhamos esquecido do nosso
assunto, por não termos feito menção das forças predominantes entre os próprios
movimentos. Mas, ao falarmos deste movimento régio, não tratamos do predomínio
nos movimentos e nas virtudes, mas da força predominante nas partes dos corpos.
Esta última espécie de predomínio é a que constitui o movimento particular de
que falamos.
O décimo sétimo é o movimento espontâneo
de rotação, graças ao qual os corpos que são capazes de movimento e são
oportunamente colocados no espaço gozam de sua própria condição, tendendo para
si mesmos e não para os outros corpos, e procuram enlaçar-se. Assim, os corpos
se comportam diversamente, ou movem-se sem termo, ou estão em absoluto repouso,
ou tendem a um termo, onde, segundo a sua natureza, ou estão em repouso ou
começam a rodar. Os que estão bem situados movem-se em linha reta, que é a mais
curta, para se juntarem aos seus semelhantes. Nesse movimento de rotação há
nove diferenças, a saber: a primeira, em relação ao centro em torno do qual
esses corpos se movem; a segunda, em relação aos pólos que sustentam a rotação;
a terceira, em relação à circunferência, conforme a distância do centro; a
quarta, em relação ao grau de aceleração maior ou menor; a quinta, em relação à
direção do movimento, se de oriente para ocidente ou se de ocidente para
oriente; a sexta, em relação ao desvio do círculo perfeito, considerando a maior
ou menor distância do centro da aspiral; a sétima, em relação ao desvio do
círculo perfeito, considerando a maior ou menor distância dos pólos da
espiral; a oitava, em relação à maior ou menor distância das espirais entre
si; a nona e última, em relação ao desvio dos pólos, se são móveis; mas esta
última não entra propriamente na rotação se não ocorre ela própria
circularmente. O movimento de rotação, conforme a crendice comum e inventada, é
atribuído como próprio dos corpos celestes. Mas há a propósito uma grave
controvérsia, pois alguns autores antigos e modernos atribuíram a rotação à
terra. Mais razoável seria verificar (se o assunto não está fora de discussão)
se esse movimento, na hipótese de a terra estar em repouso, só ocorre nos céus,
ou também no ar, na água, por comunicação dos céus. Quanto ao movimento de
rotação nos projéteis, como nos dardos, nas flechas, nas balas dos mosquetes e
coisas semelhantes, faz parte inteiramente do movimento de liberdade.
O décimo oitavo movimento é o
da trepidação, no qual (da maneira como é entendido pelos astrônomos)
depositamos muita fé. Mas se se estuda com seriedade todos os aspectos dos
apetites dos corpos naturais, este movimento é encontrado por toda parte, daí
merecer uma espécie distinta. Trata-se de um movimento de eterna escravidão,
que ocorre quando os corpos, não bem situados, segundo a sua natureza, mas
ainda não completamente deslocados, trepidam sem cessar, irrequietos, não
satisfeitos, mas sem ousar saírem de seu estado. E o movimento que se observa
no coração e no pulso dos animais e deve existir em todos os corpos incertos,
entre uma posição cômoda e incômoda. Tentam libertar-se e são rechaçados, e,
assim mesmo, prosseguem perpetuamente em suas tentativas.
O décimo nono movimento é
aquele que à primeira vista não parece digno desse nome, mas trata-se de um
autêntico movimento. A esse movimento é necessário chamar de movimento de
repouso ou de aversão ao movimento. Devido a esse movimento a terra
permanece imóvel com toda a sua mole, enquanto se movem os seus extremos
tendendo para o meio, não para um centro imaginário, mas para manter-se unida.
Pela mesma razão, os corpos mais densos têm aversão ao movimento e todo o seu
apetite se concentra no sentido de se não moverem; o repouso é a sua natureza,
natureza que conservam para opô-la a todo movimento em sentido contrário. Mas,
se são compelidos ao movimento, tendem sempre à recuperação de quietude, como
seu estado próprio, para dela não mais saírem. E, em tal caso, esforçam-se
muito rapidamente, mostrando-se muito ágeis, como se estivessem irritados e
impacientes por toda e qualquer demora. Uma imagem de tal apetite só é
possível parcialmente, de vez que todos os corpos tangíveis da face da terra
encontram-se sob o influxo e o calor dos corpos celestes, não se encontram em
seu mais alto grau de condensação e todos acham-se mesclados com alguma dose de
espírito.
Procuramos, assim, enumerar as
espécies ou elementos simples dos movimentos, os apetites e as virtudes ativas,
que são mais comumente encontrados na natureza, o que reputamos de grande
importância para a ciência natural. Não pretendemos negar, por outro lado, que
podem ser acrescentadas outras espécies, ou divisões, diferentes das aqui
propostas, mais próximas das ramificações das coisas, ou em menor número.
Leve-se em conta que não falamos de divisões abstratas, como as que dissessem
que os corpos querem ou a conservação, ou a exaltação, ou a propagação, ou o
desfrute da própria natureza; ou que dissessem que o movimento das coisas
tende à conservação e ao bem do universo, como o de resistência ou de conexão,
ou das grandes massas, como os de congregação maior, de rotação e de aversão
ao movimento; ou das formas particulares, como remanescentes. Todas as
afirmações verdadeiras, mas que se não determinam na matéria e não se reduzem a
outra estrutura, conforme distinções verdadeiras perdem-se em especulações
destituídas de utilidade. Todavia, por ora é suficiente a medida da virtude
predominante e a investigação das instâncias de luta, sobre a qual estamos
discorrendo.
Com efeito, dos movimentos
enumerados, alguns são absolutamente insensíveis; outros são mais fortes e
desencadeiam, interrompem e governam aqueles outros. Outros agem a distância,
outros em menor tempo e com maior celeridade; outros, enfim, servem para
reforçar, outros servem para, reciprocamente, reforçarem-se, acrescentarem-se,
ampliarem-se e acelerarem-se.
O movimento de resistência
(antitipia) é tão invencível quanto o diamante. Mas não podemos afirmar com
certeza que o movimento de conexão seja invencível, pois não temos como certa a
existência do vácuo, tanto em estado puro quanto mesclado.[250] Mas
entendemos ser falso o argumento expresso por Leucipo e Demócrito,[251] de que os
mesmos corpos não poderiam, se o vazio não existisse, abarcar e preencher ora
maior, ora menor espaço. Pois a matéria é como se fosse plissada,[252] de
maneira a se poder alargar ou encolher no espaço, dentro de certo limite, sem
possibilitar o vácuo; e não é verdadeiro que o ar possua em si o vácuo duas
vezes mais que o ouro, como se pretende. Disso temos certeza pelo conhecimento
de potentíssimas virtudes dos corpos pneumáticos, os quais aqueles pretendem
tratar-se de minúsculas partículas de pó no vácuo, e ainda muitas outras
demonstrações. Os outros movimentos dominam e são dominados reciprocamente na
proporção da energia, da massa, da velocidade, do impulso e dos auxílios ou
obstáculos que se encontram.
Por exemplo, um magneto armado
é capaz de atrair ferro na proporção de sessenta vezes o próprio peso; a
prevalência do movimento de congregação menor sobre o de congregação maior: com
um peso maior o magneto não atua. Uma alavanca de uma certa força levantará um
certo peso; o movimento de liberdade domina a tal ponto o movimento de
congregação maior que, com um peso maior, a alavanca cede. Um pedaço de couro
se deixará esticar até certo ponto, sem se rasgar, pois depois desse ponto o
movimento de continuidade domina o movimento de tensão; mas mais esticado o
couro se rompe, e então o movimento de continuidade sucumbe. A água pode passar
por certa fissura, de tal modo que o movimento de congregação maior domine o de
continuidade, mas se a fissura é muito diminuta, prevalece o movimento de
continuidade e a água deixará de passar. De uma arma de fogo com apenas pó de
enxofre e sem fogo, a bala não será expelida, porque o movimento de congregação
maior vence o movimento de matéria, mas, se ela é carregada com pólvora, o
movimento de matéria vence no enxofre, estimulado pelo movimento de matéria e
pela fuga do nitro. E assim, outros exemplos semelhantes. Com bastante e
assídua diligência devem-se recolher sempre as instâncias de luta, que indicam
o predomínio das virtudes e em que modo e proporção elas predominam ou
sucumbem.
Mais ainda, devem-se buscar
com diligência os modos e as razões do próprio sucumbir dos movimentos; se
cedem completamente ou se continuam a resistir, mas contidos. Pois nos corpos
por sobre a terra não há um verdadeiro repouso, nem no todo, nem nas partes dos
corpos, mas apenas aparência. Essa quietude aparente e causada ou pelo
equilíbrio ou por um predomínio absoluto de movimento; por equilíbrio, tal
como ocorre nas balanças, que ficam paradas quando os pesos são iguais; por
predomínio, como nos cântaros perfurados, em que a água fica em repouso, sem
sair, em vista do predomínio do movimento de conexão. Mas deve ser observado,
como já dissemos, até que ponto resistem esses movimentos que sucumbem. Pois,
quando alguém em luta é arremessado ao solo, depois os pés e as mãos amarrados
ou imobilizados de alguma forma, mesmo assim ele luta com todas as suas forças
para se pôr de pé e mesmo que não o consiga o seu esforço não é menor do que em
luta. As condições descritas (ou seja, se o movimento que sucumbe é como que
aniquilado pelo predomínio, ou se continua em uma resistência latente) valem
para o caso de concorrência de movimento, mas no caso de conflito de movimentos
o que é latente se tornará potente. Por exemplo, suponha-se uma prova de tiro;
verifiquemos num alvo, em linha reta, o seu alcance de tiro, depois procuremos
saber se o golpe dessa bala será mais fraco, disparado de baixo para cima, quando
o arremesso será o efeito de um movimento simples, que o disparado de cima
para baixo, quando o arremesso será o efeito de um movimento composto com a
força de gravidade.
Também devem ser coligidos os
cânones a respeito de predomínio. É o caso seguinte: quanto mais comum é o bem
que se almeja tanto mais forte será o movimento; assim, o movimento de conexão,
que diz respeito à inteira comunidade do universo, é mais forte que o movimento
de gravidade, que diz respeito apenas à comunidade dos corpos densos. Ou ainda:
os apetites do bem privado não prevalecem na maioria dos casos sobre os
apetites do bem público. Que assim também fosse nos assuntos civis!
XLIX
Entre as instâncias
prerrogativas, colocamos em vigésimo quinto lugar as instâncias indicadoras,[253] que são
as que indicam ou assinalam tudo aquilo que pode ser útil aos homens. Com
efeito, o poder e o saber em si mesmos engrandecem a natureza humana, mas não a
beatificam. Em vista disso, proceda-se, na universalidade das coisas, à escolha
daquilo que melhor serve aos usos da vida. Voltaremos a esse assunto quando
tratarmos das reduções à prática. Pois na própria obra da interpretação, em
cada assunto particular, sempre reservamos um lugar para a carta da
humanidade ou carta de apetência (ou daquilo que se deseja).[254] Pois o
querer e o apetecer judiciosamente fazem parte integrante da ciência.
L
Entre as instâncias
prerrogativas, colocamos em vigésimo sexto lugar as instâncias policrestas.[255] São as
instâncias que se referem a vários casos e ocorrem com freqüência e que por
isso dispensam não pouco trabalho e muitas demonstrações. Dos instrumentos e
dos engenhos trataremos, por ocasião do estudo das reduções à prática e dos
modos de se proceder aos experimentos. Dessa forma, aqueles que são conhecidos
e muito usados serão descritos na história de cada uma das artes em particular.
Contudo, alinhamos, a seguir, algumas observações gerais a título de exemplo
das instâncias policrestas.
Opera, pois, o homem sobre os
corpos naturais (afora a simples aproximação e remoção dos corpos) de sete
modos principais, que são: pela exclusão dos que impedem e perturbam, por
compressões, extensões, agitações, etc.; pelo calor e pelo frio, por
persistência em lugar conveniente, detendo ou guiando os movimentos; por meio
de consensos especiais; pela pertinente e oportuna alteração, disposição e
sucessão de todos esses modos ou de apenas alguns deles.
Começando pelo primeiro modo:
o ar comum que é encontrado e insinua-se por toda parte e os raios dos corpos
celestes são causa de muitas perturbações. Tudo o que servir para eliminá-los
pode ser considerado instância policresta. Seria esse o caso da matéria e da
espessura dos recipientes nos quais são colocados os corpos para a feitura de
experimentos; assim também os meios de obturação desses recipientes, soldadura
ou por meio de barro de sabedoria,[256] como
dizem os químicos. De muita utilidade é ainda o uso de líquidos para encerrar
os líquidos, separando-os do exterior, como a colocação de azeite ou sucos
vegetais sobre o vinho, que se expande sobre a superfície como uma tampa,
preservando-o do ar. Mesmo o pó é inútil, embora sempre esteja misturado a uma
certa quantidade de ar, e tem a virtude de preservar coisas do ar ambiental,
por isso a uva e a fruta são bem conservadas se colocadas na farinha ou na
areia. Também a cera, o mel, o pixe e outras substâncias adesivas são úteis
para se conseguir perfeita vedação e separação da influência do ar e dos raios
celestes. Fizemos algumas experiências submergindo o recipiente, ou algum outro
corpo, em mercúrio, que é de longe o mais denso de todos os corpos que se
expandem. Também as covas e as cavernas subterrâneas são de grande utilidade
para a proteção em relação ao calor e ao nefasto ar, como são usadas na
Alemanha do Norte para cereais. O mesmo resultado busca-se pela submersão na
água, como ouvi o relato de odres de vinho colocados para refrescar em um poço
profundo, lá esquecidos e encontrados muitos anos depois, tendo como resultado
que o vinho não apenas tinha conservado o seu sabor e força como também se
tinha tornado mais fino e generoso, em razão certamente da melhor combinação de
suas partes. Assim, se se colocar um objeto em um receptáculo no fundo da água
dos rios ou do mar rodeado de ar, mas sem contato com a água, obtém-se uma boa
forma para o trabalho em navios afundados, com a possibilidade de o trabalhador
respirar sem vir à tona. E a seguinte a máquina, bem como o seu uso, tal como
se conhece: preparava-se um recipiente côncavo de metal que se deixava descer
perpendicularmente à superfície até a superfície da água, ou seja, de tal
maneira que o seu orifício, localizado na sua base, ficasse sempre paralelo à
mesma; nessa posição, fazia-se com que ele submergisse, levando para o fundo
do mar todo o ar contido em seu bojo. Em seguida, era colocado em um tripé um
pouco menor que a altura de um homem. Tal disposição permitia ao mergulhador,
quando disso tivesse necessidade, respirar, enfiando a cabeça na cavidade e
continuar trabalhando. Ouvimos também falar da invenção de uma máquina, em
forma de navio, que possibilita a condução de homens, sob a água, a uma certa
distância. Mas o nosso fito na experiência descrita é indicar a possibilidade,
com o uso de um recipiente como o que foi descrito, de serem colocados objetos
sob a água sem fechá-los.
Há outra utilidade no completo
e perfeito fechamento dos corpos, não apenas a de preservá-los do ar (o que já
foi tratado), mas também a de impedir a exalação do espírito do corpo no
interior do qual se opera. É necessário, para quem manipula corpos naturais,
ter certeza de sua quantidade total, isto é, de que nada se evaporou ou
transpirou. Pois ocorrem profundas transformações nos corpos quando a natureza
impede a sua aniquilação e a arte, a dispersão e a evaporação de suas partículas.
A este respeito, é aceita uma opinião falsa (a ser verdadeira, eliminaria a
possibilidade dessa conservação de quantidade, sem qualquer diminuição), ou
seja, a de que os espíritos dos corpos e o ar rarefeito devido ao calor muito
elevado não podem ser contidos em qualquer recipiente, já que escapam pelos
furos. Muitos homens foram induzidos a essa opinião pelos experimentos muito
conhecidos do copo colocado de boca para baixo na água de uma bacia, onde é
colocada uma vela ou um papel aceso, com o que a água é atraída para dentro do
copo, nele se elevando até certa altura; ou igualmente pelo experimento das
ventosas, que, aquecidas e depois aplicadas, atraem a carne. Vulgarmente se
acredita que tanto em um como em outro experimento o ar rarefeito escapa e, em
conseqüência, diminuindo a quantidade, a água e a carne elevam-se pelo
movimento de conexão. Trata-se, sem dúvida, de um erro. Pois o ar não diminui a
quantidade, apenas contrai o seu volume; nem tem início o movimento de ascensão
da água antes que a chama esteja extinta e o ar tenha esfriado; e os médicos,
para tornarem mais eficazes as ventosas, costumam colocar esponjas embebidas
em água fria. Em vista disso, não se justifica o temor dessa fuga do ar ou dos
espíritos. É fato que os corpos sólidos possuem poros, mas igualmente que o ar
ou os espíritos não se deixam facilmente reduzir a ponto de poderem escapar,
da mesma maneira que a água não escorre por uma fenda demasiado estreita.
Passando-se ao segundo modo,
dos sete descritos, desde logo deve-se observar que as compressões e os demais
meios violentos são os mais eficazes em relação aos movimentos locais ou em
relação a outros movimentos do mesmo gênero; é o que se verifica nas máquinas e
nos projéteis bem como nas causas da destruição dos corpos orgânicos e das
virtudes que residem inteiramente no movimento. Toda vida, e ainda mais, toda
ignição, podem ser destruidas por compressão, o mesmo acontecendo com qualquer
espécie de máquina que é destruída ou gasta. Serve ainda para a destruição das
virtudes que consistem em uma certa disposição e disparidade das partes dos
corpos, como as cores (pois a cor não é a mesma em uma flor inteira e uma
murcha, no âmbar inteiro e no âmbar em pó) e os sabores (pois o sabor não é o
mesmo numa pêra ainda verde e na pêra espremida e pisada, ainda que se torne
mais doce). Mas para se obterem transformações e operações mais relevantes nos
corpos uniformes, as violências desse tipo não são de muita serventia, por não
oferecerem aos corpos uma consistência durável, mas apenas momentânea e
tendente sempre a libertar-se e a retornar à situação anterior. Mas não estaria
fora de propósito a realização de experimentos mais cuidadosos sobre o assunto
para se verificar se a condensação e a rarefação dos corpos uniformes, como a
água, o ar, o óleo e outros que tais, quando provocados pela violência,
conseguem torná-los duráveis, como com a transformação natural. A experiência
poderia ser feita primeiramente deixando-se passar o tempo e depois através
de artifícios e do consenso natural dos corpos. Ter-lo-íamos levado a cabo se
nos tivesse ocorrido por ocasião da compressão da esfera cheia de água, para
condensá-la antes da sua exsudação. De fato, teria sido necessário deixar a
esfera achatada por alguns dias e extrair a água logo a seguir, para se
verificar se ela retomava o volume anterior, antes da condensação. Se não
voltasse a ocupar o mesmo volume, nem depois de algum tempo, estaria
demonstrado que a condensação ter-se-ia tornado constante; caso contrário,
teria sido momentânea, O mesmo poderia ter sido visto nos ovos de vidro; teria
sido necessário, depois de uma forte sucção, fechar os ovos rápida e
firmemente, deixando-os assim, por alguns dias, para se verificar se, depois de
abertos, o ar seria atraído com um silvo ou se, mergulhados na água, poderia a
atração do líquido ser da mesma quantidade de liquido, que no caso de não se
ter esperado esse tempo. É provável que se alcançasse esse efeito, o que
deveria ser verificado com cuidado, pois em corpos menos uniformes acontece o
mesmo, depois de certo tempo. Assim é que, encurvando-se uma vara, por
compressão, depois de um certo tempo ela não retoma a posição inicial. E isso
não ocorre devido à diminuição da madeira, causada pelo tempo, pois o mesmo
ocorre com uma lâmina de ferro (em tempo maior), onde não ocorre qualquer
desgaste. Mas se não se consegue o experimento apenas com o transcorrer do
tempo, não deve nem por isso ser abandonado, mas pensar-se em outros meios;
pois não é de pouca utilidade a obtenção de novas naturezas fixas. e duráveis
nos corpos usando-se meios violentos. Pois por esse caminho o ar poderia, pela
condensação, ser transformado em água, como também poderiam ser obtidos muitos
outros efeitos do mesmo gênero. Na verdade, mais que os outros, os movimentos
violentos estão no poder do homem.
O terceiro dos sete modos
refere-se àquele grande instrumento de transformação, tanto da natureza quanto
das artes, ou seja, o calor e o frio. E aqui o poder humano como que coxeia de
um pé. Possuímos, realmente, o calor do fogo, que é infinitamente superior em
intensidade (pelo que percebemos), e o calor dos animais; mas não podemos
dispor do frio fora as estações de inverno, das cavernas ou por revestimento
de neve ou gelo no que se pretende gelar. Tal frio seria no máximo comparável
ao calor reinante ao meio-dia em uma região de zona tórrida, ainda aumentado
por reflexão dos muros e montanhas. Tais intensidades de calor e de frio são
suportáveis pelos animais durante algum tempo, mas não podem ser comparadas com
o calor de um forno ardente ou com um frio em grau equivalente. Dessa forma,
todas as coisas tendem aqui na terra à rarefação, à dessecação e à consumpção:
quase nada à condensação e ao amolecimento, se não forem usados misturas ou
meios, por assim dizer, espúrios. As instâncias do frio devem ser buscadas com
a máxima diligência, expondo-as ao frio no alto das torres, durante as nevascas
ou nas cavernas subterrâneas, ou cobrindo de neve ou de gelo outras galerias,
ou cavando poços para esse fim, ou mergulhando-as no mercúrio e outros metais,
ou em águas que tenham a propriedade de petrificar a matéria, ou enterrando-as
como fazem os chineses quando querem formar a porcelana, que fica enterrada
durante cinqüenta anos, legando-se aos herdeiros como se fossem minas
artificiais;[257] ou ainda
com outros procedimentos semelhantes. É necessário que se observem também as
condensações que se formam na natureza em conseqüência do frio, para, depois de
conhecidas as suas causas, transferi-las para as artes. Trata-se dos fenômenos
seguintes: a exsudação do mármore e das pedras, no embaciamento dos vidros das
janelas depois de uma noite de geada, os vapores formados no seio da terra que
se convertem em água, dando origem a numerosas fontes, e de muitos outros
semelhantes.
Além dos corpos que são frios
ao tato, há também outros, com poder de frio, que se condensam mas parecem agir
unicamente sobre os corpos dos animais, indo muito pouco além disso. Como desse
tipo podem ser apontadas muitas medicinas e muitos emplastros; outros condensam
a carne e partes tangíveis, como os medicamentos adstringentes e os
coagulantes; outros condensam os espíritos, o que se observa especialmente nos
soporíferos, ou que provocam o sono; num caso por sedação do movimento e em
outro pela dispersão dos espíritos. A violeta, a rosa seca, a alface e outras
substâncias semelhantes, benignas ou malignas, com seus vapores delicados,
refrescam e convidam os espíritos a se unirem, aplacando o seu movimento
desordenado e inquieto. Do mesmo modo, a água de rosas, aplicada ao nariz, nos
desmaios, reaviva e congrega os espíritos dispersos. Mas o opiato e as
substâncias afins, ao contrário, põem a correr os espíritos, pela sua natureza
maléfica e hostil: basta aplicá-lo em uma parte externa e os espíritos
afastam-se, sem mais retornarem. Se tomado pela boca, os seus vapores sobem à
cabeça, afugentam, por todos os lados, os espíritos localizados nos ventrículos
do cérebro; mas não podendo nem se retraírem, nem fugirem para outro lugar,
reúnem-se e se adensam e às vezes se extinguem, sufocados. O opiato, tomado em
quantidade moderada (como uso secundário, ou seja, pela condensação que se
segue à reunião), serve para curar os espíritos, tornando-os mais vigorosos e
diminuindo a sua inútil agitação. Dessa forma, cura as moléstias e auxilia no
prolongamento da vida.
Por isso, não se deve
descuidar dos modos de preparação dos corpos, na recepção do frio: a água morna
gela mais rapidamente que a completamente fria; e coisas da mesma ordem.
Por outro lado, desde que a
natureza é tão avara de frio, torna-se necessário usar o recurso dos
boticários, que, na falta de um elemento simples, adotam um substitutivo ou quod
pro qua, como chamam: o aloés pelo bálsamo, a cássia pela canela. Do mesmo
modo devemos também investigar, com todo cuidado, quais são as coisas capazes
de substituir o frio natural, conseguindo os mesmos efeitos que são próprios do
frio, ou seja, a condensação dos corpos. As condensações, pelo que se sabe,
devem-se a quatro causas: a primeira, por simples compressão, que pode muito
pouco no caso dos corpos de densidade permanente, mas que sempre serve como
auxiliar; a segunda, por contração das partes mais grosseiras de um corpo,
depois da retirada das partes mais leves, como acontece com o endurecimento
pelo fogo, ou nos resfriamentos repetidos dos metais e outros do mesmo gênero;
a terceira, da reunião das partes homogêneas, que são as mais sólidas, em um
corpo, que antes foram dispensadas e mescladas com outras menos sólidas, como
na restauração do mercúrio sublimado em líquido, que em pó ocupa um espaço
muito maior que o mercúrio simples, e de modo semelhante na purificação de metais
e de suas escórias; a quarta, por simpatias, aplicando substâncias que
condensam por alguma força oculta. A manifestação de tais simpatias é rara, o
que não é de se estranhar, pois até que descubram as formas e os esquematismos
não se pode esperar muito das simpatias. Pois em relação aos corpos dos animais
há inúmeras medicinas, de uso interno ou externo, que têm a capacidade de
condensar como por simpatia, como já foi dito. O difícil é operar sobre corpos
inanimados. Por escrito e por tradição, fala-se de uma árvore das ilhas
Terceiras (dos Açores ou Canárias, não nos recordamos bem) que destila
continuamente uma quantidade de água suficiente para suprir as necessidades de
seus habitantes. Paracelso fala de uma planta, chamada “orvalho do sol”, que se
cobre de umidade mesmo sob o calor do meio-dia, enquanto as outras ervas
permanecem secas. Entendemos por fabulosos ambos os relatos; mas, se fossem
verdadeiros, haveria no caso instâncias de grande uso e dignas da maior
consideração. O orvalho que se observa, em maio, sobre as folhas de carvalho,
não concebo que se forme e condense por simpatia ou por alguma propriedade da
própria planta, pois também cai sobre outras folhas, mas se conserva nas
folhas do carvalho por serem bem úmidas e não esponjosas, como as demais.
Em relação ao calor, o homem
dispõe de abundantes recursos à sua disposição, mas faltam observações e
investigações, mesmo em casos muito necessários, apesar dos alquimistas se
vangloriarem de conhecê-los. São bem conhecidos os efeitos do calor intenso,
mas os do calor moderado, mais freqüente na natureza, não são conhecidos.
Facilmente se verifica como o uso de calores fortíssimos muito exalta os
espíritos dos corpos, como nas águas fortes e em muitas outras substâncias
oleosas produzidas quimicamente; as partes tangíveis se endurecem e até se
petrificam, depois de evaporado o resto; as partes homogêneas se separam; os
corpos homogêneos ligam-se e incorporam-se; e, sobretudo, é destruída a
conexão dos corpos compostos e perdem-se os esquematismos mais sutis. O que
deve ser posto à prova é o efeito do calor mais fraco, por meio do qual se
podem provocar, como faz o sol na natureza, as mais sutis misturas e os esquematismos
ordenados, como ficam indicados no aforismo das instâncias de aliança.
É seguro que a natureza age
por meio das partes mais diminutas, distribuídas e dispostas por maior riqueza
e variedade que as que se poderia obter por meio do fogo. Muito seria aumentado
o poder do homem se por meio do calor se conseguisse produzir artificialmente
as obras da natureza, por participação do tempo, na sua espécie, aperfeiçoadas
na sua virtude e modificadas na sua massa. Pois a ferrugem forma-se lentamente
no ferro, mas a origem do açafrão de Marte é súbita, como o verdete e o chumbo
branco. Os depósitos cristalinos formam-se depois de muito tempo; o vidro, ao
contrário, é feito rapidamente. As pedras fazem-se com o tempo, os tijolos
brevemente; e assim por diante. Em resumo, é necessário que se colecionem todas
as espécies de calor, cada uma com os seus respectivos efeitos, e tal trabalho
deve ser o mais cuidadoso e diligente possível; deve-se, assim, distinguir os
corpos celestes conforme os seus raios diretos, reflexos, refratados e
recolhidos em espelhos ustórios; os raios, as chamas, o fogo do carvão; o fogo
segundo as várias matérias que o produzem e segundo as suas qualidades: fogo
livre, fogo aprisionado, transbordando como uma corrente e segundo os diversos
tipos de forno que o produzem; o fogo avivado pelo sopro e o fogo parado; o
fogo colocado a diversas distâncias; o fogo filtrado por vários meios; calores
úmidos, como banho-maria, o esterco animal, o calor animal interno e externo, o
feno amontoado; o calor dos corpos secos, da cinza, da cal, da areia caldeada;
enfim, todos os tipos de calor com as suas respectivas graduações.
Mas, sobretudo, é necessário
indagar-se e descobrir-se os efeitos e as operações do calor que variam,
conforme os graus, com ordem e periodicamente, com distâncias e intervalos
adequados. Essa descontinuidade ordenada do calor é certamente fruto do céu,
pois é a matriz de toda geração; e não é de se esperar um efeito igual no calor
intenso, no calor violento e no calor irregular. Tudo isso é evidentíssimo nos
vegetais e também no útero dos animais; há essa descontinuidade do calor,
conforme os períodos de movimento, de repouso, de nutrição e segundo os
desejos das gestantes. Essa descontinuidade ocorre mesmo no próprio seio da
terra, onde se produzem os metais e se formam os fósseis. Isso deixa mais
clara ainda a estupidez dos alquimistas, da escola reformada, que imaginaram
que, valendo-se de calores de lâmpadas e coisas semelhantes em ignição
perpetuamente igual, alcançariam os seus propósitos. A respeito da produção e
dos efeitos do calor, resta dizer que estas investigações devem prosseguir até
as descobertas das formas das coisas e dos esquematismos dos corpos, pois será
o momento de se buscarem, aplicarem e adaptarem-se os instrumentos quando os
modelos estiverem claramente estabelecidos.
O quarto modo de operar é o
tempo que é o verdadeiro dispenseiro e depositário da natureza. O tempo (a
demora), neste sentido, ocorre quando um corpo é confiado a si mesmo por um
lapso considerável, mas protegido e defendido de toda força externa. Nesse
caso só se manifestam e aperfeiçoam os movimentos interiores, de vez que os
estranhos e externos estão interrompidos. pois as obras do tempo são muito mais
sutis que as obras do fogo. Não ocorre a clarificação do vinho pelo fogo, nem
as cinzas produzidas pelo fogo são tão acabadas como as destruições realizadas
pelos séculos. Mesmo as incorporações e misturas que ocorrem subitamente por
meio do fogo são muito mais fracas que nas que intervém o tempo. Isso se deve a
que o fogo e o calor muito forte destroem as partes dessemelhantes e os
esquematismos internos, enquanto que o tempo constrói (como na putrefação). Em
vista disso, seria de interesse observar-se que os movimentos dos corpos,
completamente fechados, escondem alguma violência: isso acontece porque a
segregação não impede qualquer movimento espontâneo. Por isso em um recipiente
aberto age melhor para as separações, em um recipiente completamente fechado
para as misturas; em um recipiente fechado, mas com entrada para ar, para as
putrefações. E necessário, contudo, que se colecionem, em todos os lugares, com
diligência, as instâncias das operações e dos efeitos do tempo sobre os corpos.
O quinto modo de operar é o da
direção do movimento, que ocorre quando um corpo, encontrando outro, impede,
repele, admite ou dirige o seu movimento espontâneo. Muitas vezes isso ocorre
na forma e na disposição dos recipientes. Por exemplo, o de forma cônica e em
pé facilita a condensação dos vapores nos alambiques; em posição contrária,
serve para refinar o açúcar. As vezes é exigida uma curvatura ou um
estreitamento ou dilatações sucessivas, e outras coisas semelhantes. A
operação do calor consiste em proceder-se de tal modo que um corpo,
encontrando-se com outro, deixe uma parte passar, enquanto que a outra é
segura. A passagem de um corpo por outro, na filtração, não ocorre sempre
exteriormente; algumas vezes um corpo infiltra-se no interior de outro, coisa
que ocorre quando colocamos pequenas pedras na água para recolher o sedimento
ou quando se clarificam os xaropes por meio da clara de ovo, que só absorve as
partes mais grossas, permitindo a sua eliminação. Para a direção do movimento
Telésio atribuiu figuras de animais, mas sem critério e sem conhecimento de
causa, apenas porque observou a presença de rugosidades e canais na matriz.
Mas deveria ter notado uma conformação semelhante nas cascas dos ovos, onde não
se notam rugosidades ou desigualdades. Tem-se a direção do movimento nas
formações obtidas entre modelos ou formas plásticas.
Quanto às operações que
ocorrem por consenso ou fuga (que constituem o sexto modelo), na maior parte
estão profundamente escondidas. Tais propriedades ocultas, e específicas,
simpatia e antipatia, são em sua maioria corruptelas da filosofia. E não se
pode esperar encontrarem-se os consensos das coisas antes das descobertas das
formas e dos esquematismos simples. Pois o consenso nada mais é que a mútua
simetria das formas e dos esquematismos.
Os consensos maiores e quase
universais das coisas não são completamente obscuros. A primeira diversificação
a ser notada é a de que alguns corpos se diversificam muito entre si devido à
densidade ou à rarefação da massa, mas concordam na estrutura interna, ou
seja, nos esquematismos; outros, pelo contrário, diferem nos esquematismos e
concordam na massa. Os químicos observaram com propriedade três princípios: que
o enxofre e o mercúrio acham-se esparsos por todo o universo e por todos os
corpos. O sal, contudo, foi introduzido para explicar os corpos secos, terrosos
e duros, e não deve ser considerado como terceiro. Apenas nos primeiros dois é
possível descobrir-se um dos consensos mais gerais da natureza. Consensos são
encontrados de fato entre o enxofre, o óleo ou vapor graxo, a chama e, talvez,
corpo das estrelas. Por outro lado, consentem entre si o mercúrio, a água e os
vapores aquosos, o ar e talvez também o puro éter disseminado entre as
estrelas. Nas primeiras quatro substâncias gêmeas, como nas outras quatro
substâncias que se estendem por duas ordens diferentes, abarcando quase toda a
natureza, encontram-se notáveis diferenças quanto à massa e à densidade da
matéria, mas não quanto ao esquematismo. E disso há numerosas provas. Por sua
vez, os metais convêm entre si na diversidade da matéria e na densidade
(sobretudo se comparados aos vegetais e aos animais), mas diferem bastante
quanto ao esquematismo; já os animais e os vegetais variam quase que
infinitamente no esquematismo, pouco diferindo na densidade ou quantidade de
matéria.
Vejamos outro consenso, que
contudo não é tão bem entendido quanto o primeiro, que é o que há entre os
corpos principais e aqueles que os estimulam, ou seja, os mênstruos [258] e os seus
alimentos. A seu respeito, deve-se investigar em qual clima, em qual região e a
qual profundidade produzem-se os vários metais e as pedras preciosas que nascem
nas rochas e nas minas, e em que terreno se produzem os vários tipos de
árvores, das árvores de frutos às várias espécies de ervas, quais devem ser os
melhores adubos, se o esterco, se a cal, se a areia, se a cinza, etc., segundo
as várias espécies de terreno. Também o enxerto das árvores e das plantas, bem
como os seus tipos, muito depende do consenso, ou seja, saber qual a planta que
se pode enxertar com outra com maior sucesso. Há um experimento, do qual ouvimos
falar recentemente, que se faz pelo enxerto em plantas silvestres (que até
agora se costuma fazer mais com as árvores de horta) e com que se tem
conseguido aumentar notavelmente folhas e frutos bem como a copa das árvores.
Devem ser observados, também, os respectivos alimentos dos animais em geral,
separando-se os nocivos. Por exemplo, os animais carnívoros não toleram as
ervas, e por isso os monges da ordem Cisterciense de Feuillans [259] (apesar
de a vontade humana ter mais poder sobre o corpo que os outros animais) quase
desapareceram, de vez que o feito não podia ser tolerado pela espécie humana.
Igualmente devem ser observadas as diversas matérias das putrefações, das quais
se engendram certos animálculos.
Os consensos gerais dos corpos
com os seus subordinados, assim podem ser considerados os que observamos, estão
bastante claros. A eles podem ser acrescentados os consensos dos sentidos com
os seus objetos. Esse tipo de consenso é muito conhecido, mas pode ser melhor
estudado, com o que se poderia levar luz aos outros consensos.
Mas os consensos internos dos
corpos e as fugas, ou seja, a amizade e as discórdias dos corpos (preferimos
não usar os termos simpatia e antipatia, que se ligam a vás superstições), ou
são falsos, ou fabulosos, ou muito raros, por falta de cuidado dos homens, que
não fizeram observações adequadas. Pode ser observado que entre a vinha e a
couve há discórdia pelo fato de que, plantada uma perto da outra, não se
desenvolvem; a razão é que se trata de plantas que absorvem muito humor e que
uma usurpa a outra. Por outro lado, pode ser dito que há consenso e amizade
entre o trigo, a centáurea e a papoula porque essas ervas quase que se
desenvolvem nos campos cultivados, quando deveria ser dito que entre elas
haveria discórdia, pois a centáurea e a papoula alimentam-se e desenvolvem-se
da substância da terra que foi eliminada e expulsa pelo trigo; por isso a
semeadura é a melhor preparação do seu terreno. Considerações falaciosas como
essas há em grande número. Quanto às fabulosas, essas devem ser completamente
eliminadas. Resta um pequeno número de consensos suscetíveis de serem
comprovados pelo experimento, e entre eles devem ser anotados os do magneto e o
ferro, o ouro e o mercúrio, e outros semelhantes. Entre os experimentos
químicos com metais, nenhum há que mereça destaque. Mas a maior abundância (no
meio de tanta escassez) pode ser encontrada em certas medicinas, que pelas suas
chamadas propriedades ocultas e específicas guardam relação ou com os membros
do corpo, ou com os humores, ou com as doenças, ou até com as naturezas
individuais. E não devem ser desprezados os consensos entre os movimentos e os
efeitos da lua e as paixões dos corpos aqui da terra, que podem ser extraídos
dos experimentos agrícolas, náuticos, médicos e outros, que devem ser
avaliados com muito discernimento e colecionados em conjunto. Mas, quanto mais
raras são as instâncias dos consensos mais recônditos, tanto maior cuidado se
deve ter em só acolher relatos e tradições fidedignos e seguros, evitando-se
qualquer superficialidade e credulidade, sempre concedendo uma confiança inquieta
e quase propensa à dúvida. Resta tratar do consenso dos corpos, cujo modo de
operar é muito simples, mas que, estando sujeito a um múltiplo uso, não deve
ser de maneira alguma desprezado, mas ao contrário, estudado com cuidadosas
observações. Ele consiste na propensão ou relutância que têm os corpos para se
unirem ou conjugarem-se, seja pela mistura ou por simples aposição. Alguns
corpos se misturam e incorporam-se com facilidade e de maneira voluntária,
outros com dificuldades e com repugnância. Por exemplo, os corpos em forma de
pó se incorporam melhor à água; a cal e a cinza, ao óleo; assim por diante. Não
se pode dar como terminado o trabalho de investigação depois da coleta das
instâncias de propensão e de aversão à mistura: deve-se passar a investigação
da colocação e distribuição das partes e disposição depois de misturadas; e,
depois de concluída a mistura, ao predomínio resultante.
Finalmente, como último dos
sete modos de operar, é necessário falar-se da aplicação alternada dos seis
modos precedentes. Sobre isso, não é oportuno aduzirem-se exemplos até que a
sua investigação tenha progredido significativamente. Essa recíproca e ordenada
alternância é tão difícil de ser entendida quanto é útil às operações. Todavia,
os homens são muito impacientes, tanto na investigação quanto na prática; mesmo
que aí esteja o verdadeiro fio do labirinto para a descoberta de obras mais
importantes. Tais exemplos são suficientes para as instâncias policrestas.
LI
Entre as instâncias
prerrogativas, colocamos em vigésimo sétimo e último lugar as instâncias
mágicas.[260] Com tal
nome designamos as instâncias em que a matéria ou causa eficiente é fraca e
pequena em relação à grandeza da obra e dos efeitos alcançados. Estes, embora
comuns, parecem quase milagrosos; alguns logo à primeira vista, outros mesmo
depois de um exame atento. A natureza, de si mesma, e avara nessas maravilhas,
mas no futuro surgirão em grande número, quando tiverem sido colocados à luz as
formas, os processos e os esquematismos. Pelo que até agora se conhece, os
efeitos mágicos ocorrem de três modos: ou pela multiplicação de si mesmo, como
acontece no fogo, nos chamados venenos específicos e nos movimentos que
aumentam de força ao passarem de roda em roda; ou por excitação ou convite de
um outro corpo, como ocorre com o magneto, que excita numerosas agulhas sem
perder ou diminuir nada de sua virtude; e como ocorre no lêvedo e nas
substâncias semelhantes; ou por antecipação do movimento, como se indicou ao
falar-se da pólvora, dos canhões e das minas. Dos dois primeiros movimentos é
necessário que se indaguem os consensos; do terceiro, as medidas. Da
possibilidade de se modificar, por algum modo, os mínimos elementos dos corpos
(como se costuma dizer), transformando os mais sutis esquematismos da matéria,
o que significaria operar todos os gêneros de transformações nos corpos, e a
arte, então, poderia fazer em breve tempo aquilo que a natureza perfaz durante
muito tempo, a esse respeito ainda não se pode adiantar nada de preciso. De
nossa parte, declaramos que, como aspiramos ao supremo grau dos conhecimentos
sólidos e verdadeiros, do mesmo modo votamos perpétuo ódio a toda vaidade e
toda pretensão vã, combatendo-as de todas as nossas forças.
LII
Aqui encerramos a enumeração
das dignidades ou instâncias prerrogativas. Mas deve-se ter em conta que neste Organon
foi nosso propósito tratar de lógica, não de filosofia; mas, como a nossa
lógica procura ensinar e guiar o intelecto e não agarrar e segurar as abstrações
da realidade com as frágeis escoras da mente (como a lógica vulgar), mas
realmente esquadrinhar a natureza, voltando-se para a descoberta das virtudes
e dos atos dos corpos, bem como de suas leis determinadas na matéria,
dependendo, em resumo, esta ciência, não apenas da natureza do intelecto, mas
também da natureza das coisas, não é para espantar que tenha sido ilustrada,
continuamente, com observações sobre a natureza, que devem servir de exemplos
da nossa arte. Do que foi exposto, são em número de vinte e sete as instâncias
prerrogativas, a saber: instâncias solitárias, instâncias migrantes, instâncias
ostensivas, instâncias clandestinas, instâncias constitutivas, instâncias
conformes, instâncias monádicas, instâncias desviantes, instâncias
limitativas, instâncias da potestade, instâncias de acompanhamento e hostis,
instâncias subjuntivas, instâncias de aliança, instâncias cruciais, instâncias
de divórcio, instâncias da porta, instâncias de citação, instâncias do caminho,
instâncias suplementares, instâncias secantes, instâncias da vara, instâncias
do currículo, instâncias de dose da natureza, instâncias de luta, instâncias
indicadoras, instâncias policrestas e instâncias mágicas. Os usos dessas
instâncias, no que se sobrepõem às instâncias vulgares, relacionam-se em geral
ou com a parte informativa ou com a parte operativa, ou com ambas. Quanto à
parte informativa, auxiliam ou os sentidos ou o intelecto. Auxiliam os sentidos
as cinco instâncias de lâmpada. Auxiliam o intelecto ou aceleram o processo
exclusivo da forma, como a solitária; ou limitando e indicando de mais perto o
procedimento afirmativo como as migrantes e as ostensivas, as de companhias e
as subjuntivas; ou indicando e conduzindo aos gêneros e às naturezas comuns, e
isso, ou imediatamente, como as clandestinas, as monádicas e de aliança; ou de
modo próximo, como as constitutivas; ou em grau inferior, como as conformes; ou
corrigindo o intelecto da experiência comum, como as de desvio; ou conduzindo
à descoberta da forma maior ou da estrutura do universo, como as limitativas;
ou preservando-o das formas e causas falsas, como as cruciais e de divórcio. Em
relação à parte operativa, essas instâncias servem para ordenar a prática, ou
medindo-a ou facilitando-lhe a execução, e depois indicam por onde se deve
começar para evitar a repetição do que já foi feito com as instâncias de
potestade; a que se deve tentar chegar, se possível, com as indicativas.
Servem para a medida da prática as quatro matemáticas; facilitam a execução as
multiformes e as mágicas.
Algumas dessas vinte e sete
instâncias exigem que se faça (como já foi dito antes a respeito de algumas
delas) imediata coleta, sem se aguardar a investigação particular da natureza.
Estão nesse caso as instâncias conformes, as monádicas, as de desvio, as
limitativas, as de potestade, as da porta, as indicativas, as policrestas e as
mágicas, elas, de fato, oferecem auxílios e remédios aos sentidos e ao
intelecto, e informam a prática em geral. As outras devem ser recolhidas,
quando se chegar à formação de tábuas de citação, estabelecidas pelo intérprete
através da investigação de uma natureza particular. As instâncias estabelecidas
e oferecidas com essas prerrogativas são como a alma das instâncias vulgares de
citação e, como já foi dito no início, umas poucas delas valem por muitas das
outras; e devem ser tratadas com o máximo cuidado na formação das tábuas em que
devem ser inscritas. Seria necessário mencioná-las a seguir e para isso seria
preciso expor previamente o seu uso. Agora é necessário passar, por ordem, aos
adminículos e às retificações da indução e depois ao concreto; e aos processos
e esquematismos latentes e a tudo mais que indicamos no aforismo vinte e um. Só
então poderemos dizer ter colocado nas mãos dos homens, como justo e fiel
tutor, as suas próprias fortunas, estando o intelecto emancipado e, por assim
dizer, liberto da menoridade; daí, como necessária, segue-se a reforma do
estado da humanidade, bem como a ampliação do seu poder sobre a natureza.
Pelo pecado o homem perdeu a
inocência e o domínio das criaturas. Ambas as perdas podem ser reparadas,
mesmo que em parte, ainda nesta vida; a primeira com a religião e com a fé, a
segunda com as artes e com as ciências. Pois a maldição divina não tornou a
criatura irreparavelmente rebelde; mas, em virtude daquele diploma: Comerás
do pão com o suor de tua fronte,[261] por meio
de diversos trabalhos (certamente não pelas disputas ou pelas ociosas
cerimônias mágicas), chega, enfim, ao homem, de alguma parte, o pão que é destinado
aos usos da vida humana.
Prefácio do Autor e Livro I dos “Aforismos sobre a
Interpretação da Natureza e o Reino do Homem
[1] —
Literalmente, incompreensibilidade; estado resultante do princípio
cético de dúvida à possibilidade da verdade, Nova Academia. Arcesilau (3
16-241 a.C.) e seus discípulos. Ver mais adiante Aforismo 126, livro I.
[2] — Bacon não usa, ao contrário de Descartes, o termo methodus, transcrição latina do grego, possivelmente para não se comprometer com o seu uso anterior. Prefere ratio ou via. Acompanhamos, no caso, a unanimidade dos tradutores modernos.
[3] — Usada no sentido escolástico, uma das partes do Trivium, equivalente à lógica formal e. mais tecnicamente, como sinônimo de método dedutivo. Em algumas passagens toma o sentido pejorativo, já usado por Aristóteles, de exercício inócuo.
[4] — Original: vanissimis idolis. Relacionado à doutrina dos ídolos ou falsas idéias, exposta no livro I, a partir do Aforismo 38.
[5] — O termo “axioma” é usado por Bacon no sentido de proposição geral.
[6] — Idéia, nesta, passagem, tem sentido platônico, talvez mais próximo dos neoplatônicos renascentistas.
[7] — Original: instantia, termo de origem judiciária. Preferimos instância mesmo em português. Aparece com freqüência no sentido de “caso”, “exemplo”, “ocorrência”, etc., sempre relacionado com a realidade natural
[8] — Original: consensum. O consenso, para Bacon. tem origem num traço comum a todos os homens e serve de base para o seu acordo como termo de várias questões, mas não como fundamento legitimo para a ciência.
[9] — Original: Idola Tribus. Idola Specus, Idola Fori e Idola Theatri.
[10] — A expressão tem origem no conhecido Mito da Caverna, da República de Platão. A correlação é metafórica, de vez que o sentido preciso é diferente.
[11] — Heráclito, fragmento 2 (n.° de Diels): “Por isso convém que se siga a universal (razão, logos), quer dizer a (razão) comum: uma vez que o universal é o comum. Mas, embora essa razão seja universal, a maioria vive como se tivesse uma inteligência absolutamente pessoal”.
[12] — Original: sermones.
[13] — Cf. Cícero, De Natura Deorum, III. 37, § 89.
[14] — Original: subalternis, sentido lógico.
[15] — Original: lumen siccum. Possivelmente sugerida por expressão de Heráclito (fragmento 118), através de comentadores romanos.
[16] — Esse aforismo trata, de passagem, de assunto altamente controvertido da teoria natural de Bacon e que vai ser exposta no livro II, a propósito da teoria da forma.
[17] — Original: schematismi, meta-schematismim actus purus, lex actus. Vide nota anterior.
[18] — William Gilbert (1540-1603). autor do célebre De Magnete.
[19] — Original: Themata Coeli.
[20] — Original: rationale genus philosophantium. Preferimos o termo racional a outros também usados para o caso, por entender que as confusões que se procura evitar ficam suficientemente afastadas pelo contexto.
[21] — Referência a Paracelso e às concepções mágicas.
[22] — Trata-se da distinção, existente em lógica formal, entre: voces secundae intentionis e voces primae intentionis. A alma, para Aristóteles (De Anima II. 1.412 A. 27-28), está na primeira espécie, quando Bacon entende que devia estar na segunda.
[23] — Filósofos pré-socráticos, cujo naturalismo entusiasma mais Bacon que os sistemas posteriores.
[24] — Referência mais à Nova Academia e possivelmente ao neoplatonismo de Proclo.
[25] — Lucas, 24,5. Alusão a Robert Fludd, teósofo e rosa-cruz, contemporâneo de Bacon.
[26] — Original: in quod, nisi sub persona infantis intrare non datur (Mateus, 18.3).
[27] — Original: mera palpatio.
[28] — Original: ad magis.
[29] — Original: ad praxim.
[30] — História da filha de um rei de Ciros, célebre pela sua rapidez e que disse se casar com quem a vencesse em uma corrida. Hipómenes, com auxílio de uma deusa, conseguiu sucesso jogando pomos de ouro para trás, sempre que Atalanta estava prestes a alcançá-lo.
[31] — Original: experimenta lucifera e experimenta fructifera.
[32] — Original: sapientia.
[33] — Original: professoria. — O saber professoral para Bacon tem o sentido de saber acadêmico, transmitido de mestre a discípulo, sem recurso às fontes.
[34] — Apud Diógenes Laércio, sobre Platão.
[35] — Platão, Timeu, 23 B.
[36] — Signa, termo tomado por metáfora à astrologia, indicando os auspícios para um empreendimento.
[37] — Celso, em De Re Medica.
[38] — Alusão à teoria de Galeno.
[39] — Vide nota 8.
[40] — Cf. aforismos 28 e 47.
[41] — Plutarco, na Vida de Fócion.
[42] — Esse tipo de consciência histórica já aparece no opúsculo de 1608, cujo título Temporis Partus Masculus usa as mesmas expressões.
[43] — Bacon parece aceitar a concepção difundida entre os renascentistas de que a um período de esplendor deveria seguir-se um período de decadência da cultura.
[44] — A filosofia primeira, tal como a entendia, repositório dos axiomas gerais da natureza, estabelecidos por via indutiva, era a responsável pela unidade do saber.
[45] — Célebre expressão cunhada e divulgada por Cícero, cf. Tusculanae Disputationes, V, 4. § 10.
[46] — Original: in parte operativa.
[47] — Original: scientiae logicae.
[48] — Original: novis inventis et copiis.
[49] — No aforismo 77 fala Bacon também do consensus que encobria o verdadeiro valor da filosofia de Aristóteles.
[50] — Passagem célebre onde é evidente a analogia com a idade dos homens.
[51] — Original: Orbis Intellectualis, também nome de obra inacabada de Bacon.
[52] — Expressão que teve origem em Aulo Gélio, Noctes Atticae, XII, 11, mas modernamente vulgarizada por Bacon com sentido mais rico.
[53] — Original: contemplationes incurrentes.
[54] — Original: artes intellectualis — que se diferenciam das scientias rationalis, que vêm a seguir.
[55] — Bacon distingue a “magia natural” da “magia supersticiosa”.
[56] — Em várias passagens (cf. também De Augmentis Scientiarum, 1. VI, cap. 2). Bacon mostra as vantagens dos aforismos. A propósito, lembrem-se a sua admiração pelos pré-socráticos, as referências a Hipócrates, e as suas leituras bíblicas.
[57] — Referência ao Rei Artur e ao herói do romance cavalheiresco português, atribuído a Vasco de Loubeira (século XlV) e vulgarizado em várias outras versões.
[58] — Cf. aforismo 75.
[59] — Natureza, para Bacon, tem o sentido amplo de aparência exterior e perceptível dos objetos, qualidades secundárias das coisas.
[60] — Tais expressões não significam da parte de Bacon ateísmo ou coisa semelhante, mas sua aversão por certo tipo de interferência da religião em assuntos de conhecimento natural. No De Augmentis deixa clara a separação entre assuntos divinos, objeto da teologia, e os naturais, objeto da filosofia e das ciências.
[61] — Aristófanes — Nuvens, versos 372. 55.
[62] — A propósito do assunto, houve acesa polêmica entre teólogos, filósofos e sábios, até prevalecerem as novas concepções sobre o globo terrestre.
[63] — Original: media ignorantur.
[64] — Jó, 13,7 “Porventura por Deus falareis perversidade? E por ele falareis engano?”
[65] — Mateus, 22,29.
[66] — Original: res civiles et artes. Cf. Aristóteles — Política, II,8. 1268 B. e ss.
[67] — Original: prudentia civilis.
[68] — A esperança (spes) de que Bacon vai falar corresponde a uma espécie de interesse pelo novo e ao mesmo tempo um inconformismo em relação ao admitido e estabelecido.
[69] — Original: tabulis inveniendi.
[70] — Lucas, 17,20.
[71] — Daniel, 12,4 — Essa expressão se encontra no frontispício da primeira edição do Novum Organum.
[72] — Esta passagem tem provocado interpretações diferentes. De qualquer forma, a letra do texto parece indicar que Bacon entendia o fim do mundo num sentido geográfico, o que é improvável, dada a sua competência em assuntos teológicos.
[73] — Demóstenes, Filípicas, III, 5 e 1, 2. A citação de Bacon, como muitas outras, é livre, tudo indicando ter sido de memória.
[74] — Original: spei argumenta.
[75] — Passagem famosíssima, que tem servido como o exemplo mais sensível da posição de Bacon.
[76] — Essa passagem é indicada como um exemplo da incompreensão de Bacon para com o verdadeiro papel das matemáticas nas ciências experimentais nascentes.
[77] — Original: ratio humanae.
[78] — Ésquines, De Corona. apud J. Spedding, op. cit. vol. I, pág. 202.
[79] — Tito Lívio, in Ab Urbe Condita, IX, 17, in fine.
[80] — Original: Sylva — No fim da vida Bacon se dedicou ao recolhimento de tais coleções. Os resultados estão em obra póstuma, Sylva Sylvarum.
[81] — Original: rumores quosdam experientiae et quasi famas et auras eius.
[82] — Consta em comentadores da época que Alexandre teria dado a Aristóteles oitocentos talentos para essa empresa — Ap. Lasaíle — op. cit. pág. 334, vol. 1.
[83] — Espécie de “naturalismo” frívolo que vigorou inclusive até o século XIX.
[84] — Original: vexationes.
[85] — Original: experimenta lucifera e fructiferorum.
[86] — Cf. aforismo 82.
[87] — Há dois sentidos para experiência literata. Um. de registro sistemático de resultados, e outro, de um metodo intermediário entre a mera palpatio e o Novum Organum. O segundo sentido aparece logo a seguir no af. 103.
[88] — Original: notionalia.
[89] — Cf. aforismo 80.
[90] — Original: idque via et ordine.
[91] — Original: fili bombyeini.
[92] — Original: acus nauticae.
[93] — A tinta usada antes da imprensa era muito fina. Assim, essa modificação também foi condição para o novo invento.
[94] — Na Nova Atlântida Bacon fornece o exemplo vivo da sua concepção de trabalho científico como trabalho coletivo, no sentido de exigir a dedicação de muitos e no sentido de promoção oficial.
[95] — Veja-se o fascículo que acompanha esta obra.
[96] — Original: Mortalium communicantum. A quem considera a ciência como trabalho coletivo, não mais natural que o problema da comunicação dos seus resultados e sua discussão. Mas o grande drama de Bacon foi exatamente esse: o seu isolamento estritamente científico. Enquanto homem do mundo, não teve condições de se informar da verdadeira ciência do seu tempo, apesar de suas idéias gerais serem proféticas.
[97] — Racional (original: in via illa rationali) aqui é tomado no sentido já antes indicado, como oposto a experimental, tendo, assim, uma conotação pejorativa.
[98] — Antecipação de problemas ligados ao trabalho científico. Vide especialmente a Nova Atlântida.
[99] — Alusão aos ventos que de oeste sopravam sobre Portugal e que teriam levado Colombo a firmar suas idéias de que nessa direção havia terras que os geravam.
[100] — Original: desperatione. Desesperação embora pouco usado, nos pareceu o correspondente mais adequado para um termo com conotação ao mesmo tempo de desânimo e desinteresse. Desespero tem cargas mais recentes muito consolidadas.
[101] — Original: pars destruens.
[102] — Três filósofos antiaristotélicos do Renascimento. Os dois primeiros italianos, mais conhecidos, e o terceiro dinamarquês.
[103] — Essa parte deveria constituir-se, conforme o seu plano na distribuição das obras, Instauratio Magna, no Pródromos Antecipações da Filosofia Segunda.
[104] — Ainda segundo o plano referido, a sexta parte deveria constituir-se da Filosofia Segunda ou Da Ciência Ativax.
[105] — No sentido de fazer alguma invenção na forma antes definida: de combinação de coisas conhecidas.
[106] — Original: tabulis inveniendi. Refere-se ao procedimento a ser descrito no livro II da obra. Quanto à tradução de inveniendi e das formas correlatas, pode tanto ser no sentido de invenção quanto de descoberta ou investigação. Usamos uma ou outra conforme as conveniências do contexto.
[107] — Refere-se a Scala Intellectus.
[108] — Refere-se a Phenomena Universi sive Historia Naturalis et Experimentalis ad Contendam Philosophiam.
[109] — Vide nota anterior sobre Atalanta.
[110] — Plínio, Naturalis Historia, I.
[111] — Original: simplicium naturarum. As naturezas simples constituem para Bacon os elementos últimos dos fenômenos e estão ligados à sua forma.
[112] — Fedro, Fábulas, I.V, 8.
[113] — Essa história aparece em Plutarco, referindo-se a Filipe da Macedônia.
[114] — Filócrates, falando de si e de Demóstenes, apud De Mas, op. cit. pág. 334, vol. I.
[115] — Esta passagem deve ser comparada a outra que aparece no cap. 1, 1. VI, do De Dignitate et Augmentis Scientiarum, para indicar as dificuldades de interpretação da exata posição de Bacon, a respeito de problema tão importante: “Este princípio resolve a famosa questão da maior importância a ser dada à vida ativa ou a vida contemplativa, e a decide contra a opinião de Aristóteles. Pois todas as razões que ele oferece em favor da vida contemplativa relacionam-se somente ao bem individual e ao prazer e à dignidade do indivíduo. Sob esse aspecto certamente a vida contemplativa carrega a palma da vitória.. Mas os homens devem saber que só a Deus e aos anjos cabe serem espectadores no teatro da vida humana”. Lembre-se também que esse texto é posterior ao Novum Organum.
[116] — Original: verum exemplar mundi.
[117] — Cf. aforismo 23.
[118] — Original: Itaque ipsissimae res sunt (in hoc genere) veritas et utilitas. Há divergéncias quanto à tradução de ipsissimae res. Acompanhamos os que entendem como tendo o sentido de “as coisas em si mesmas”. Vide De Mas, op. cit., pág. 335, vol.I.
[119] — Esta passagem cria os problemas de coerência já indicados na nota 114.
[120] — Onginal: formam inquirendi.
[121] — Bacon aqui opõe à acatalepsia a eucatalepsia, com sentido de “boa compreensão dos fatos”.
[122] — Filosofia natural tem aqui sentido restrito, próximo de física, enquanto tem sentido amplo nos aforismos 79 e 80.
[123] — Ou: síntese e análise.
[124] — Apesar de certa timidez, em passagens anteriores (cf. aforismos 29, 77 e 128). aqui Bacon claramente estende o seu método de investigação natural aos assuntos humanos.
[125] — Os dois livros do Advancement of Learning Divine and Human foram publicados em 1605. Essa obra foi refundida por Bacon, consideravelmente aumentada e publicada em latim sob o titulo de De Dignitate et Augmentis Scientiarum, em 1623, três anos depois do Novum Organum.
[126] — Original: rerum inventionibus
[127] — Sic. no original, inclusive o destaque do terceiro verso em maiúsculas. Os versos, certamente citados de memória, em algumas passagens não conferem com o original de Lucrécio, De Rerum Natura, VI, 1-3 primum por primae e praestanti por praeclaro. Traduzidos livremente: “Atenas de nome famosa, que pela primeira vez ofereceu aos pobres mortais as sementes frutíferas e, dessa forma, recriou a vida e promulgou as leis”.
[128] — Cf. Provérbios, 25,2.
[129] — Referia-se, sem dúvida, à América, cujo nome ainda não se tinha firmado.
[130] — De Cecílio Estácio, transcrito por Símaco, in Epístolas, X, 104, apud De Mas, op. cit., vol II, pág. 340.
[131] — Repete, com pequena variação, expressão do aforismo 3.
[2] — Bacon não usa, ao contrário de Descartes, o termo methodus, transcrição latina do grego, possivelmente para não se comprometer com o seu uso anterior. Prefere ratio ou via. Acompanhamos, no caso, a unanimidade dos tradutores modernos.
[3] — Usada no sentido escolástico, uma das partes do Trivium, equivalente à lógica formal e. mais tecnicamente, como sinônimo de método dedutivo. Em algumas passagens toma o sentido pejorativo, já usado por Aristóteles, de exercício inócuo.
[4] — Original: vanissimis idolis. Relacionado à doutrina dos ídolos ou falsas idéias, exposta no livro I, a partir do Aforismo 38.
[5] — O termo “axioma” é usado por Bacon no sentido de proposição geral.
[6] — Idéia, nesta, passagem, tem sentido platônico, talvez mais próximo dos neoplatônicos renascentistas.
[7] — Original: instantia, termo de origem judiciária. Preferimos instância mesmo em português. Aparece com freqüência no sentido de “caso”, “exemplo”, “ocorrência”, etc., sempre relacionado com a realidade natural
[8] — Original: consensum. O consenso, para Bacon. tem origem num traço comum a todos os homens e serve de base para o seu acordo como termo de várias questões, mas não como fundamento legitimo para a ciência.
[9] — Original: Idola Tribus. Idola Specus, Idola Fori e Idola Theatri.
[10] — A expressão tem origem no conhecido Mito da Caverna, da República de Platão. A correlação é metafórica, de vez que o sentido preciso é diferente.
[11] — Heráclito, fragmento 2 (n.° de Diels): “Por isso convém que se siga a universal (razão, logos), quer dizer a (razão) comum: uma vez que o universal é o comum. Mas, embora essa razão seja universal, a maioria vive como se tivesse uma inteligência absolutamente pessoal”.
[12] — Original: sermones.
[13] — Cf. Cícero, De Natura Deorum, III. 37, § 89.
[14] — Original: subalternis, sentido lógico.
[15] — Original: lumen siccum. Possivelmente sugerida por expressão de Heráclito (fragmento 118), através de comentadores romanos.
[16] — Esse aforismo trata, de passagem, de assunto altamente controvertido da teoria natural de Bacon e que vai ser exposta no livro II, a propósito da teoria da forma.
[17] — Original: schematismi, meta-schematismim actus purus, lex actus. Vide nota anterior.
[18] — William Gilbert (1540-1603). autor do célebre De Magnete.
[19] — Original: Themata Coeli.
[20] — Original: rationale genus philosophantium. Preferimos o termo racional a outros também usados para o caso, por entender que as confusões que se procura evitar ficam suficientemente afastadas pelo contexto.
[21] — Referência a Paracelso e às concepções mágicas.
[22] — Trata-se da distinção, existente em lógica formal, entre: voces secundae intentionis e voces primae intentionis. A alma, para Aristóteles (De Anima II. 1.412 A. 27-28), está na primeira espécie, quando Bacon entende que devia estar na segunda.
[23] — Filósofos pré-socráticos, cujo naturalismo entusiasma mais Bacon que os sistemas posteriores.
[24] — Referência mais à Nova Academia e possivelmente ao neoplatonismo de Proclo.
[25] — Lucas, 24,5. Alusão a Robert Fludd, teósofo e rosa-cruz, contemporâneo de Bacon.
[26] — Original: in quod, nisi sub persona infantis intrare non datur (Mateus, 18.3).
[27] — Original: mera palpatio.
[28] — Original: ad magis.
[29] — Original: ad praxim.
[30] — História da filha de um rei de Ciros, célebre pela sua rapidez e que disse se casar com quem a vencesse em uma corrida. Hipómenes, com auxílio de uma deusa, conseguiu sucesso jogando pomos de ouro para trás, sempre que Atalanta estava prestes a alcançá-lo.
[31] — Original: experimenta lucifera e experimenta fructifera.
[32] — Original: sapientia.
[33] — Original: professoria. — O saber professoral para Bacon tem o sentido de saber acadêmico, transmitido de mestre a discípulo, sem recurso às fontes.
[34] — Apud Diógenes Laércio, sobre Platão.
[35] — Platão, Timeu, 23 B.
[36] — Signa, termo tomado por metáfora à astrologia, indicando os auspícios para um empreendimento.
[37] — Celso, em De Re Medica.
[38] — Alusão à teoria de Galeno.
[39] — Vide nota 8.
[40] — Cf. aforismos 28 e 47.
[41] — Plutarco, na Vida de Fócion.
[42] — Esse tipo de consciência histórica já aparece no opúsculo de 1608, cujo título Temporis Partus Masculus usa as mesmas expressões.
[43] — Bacon parece aceitar a concepção difundida entre os renascentistas de que a um período de esplendor deveria seguir-se um período de decadência da cultura.
[44] — A filosofia primeira, tal como a entendia, repositório dos axiomas gerais da natureza, estabelecidos por via indutiva, era a responsável pela unidade do saber.
[45] — Célebre expressão cunhada e divulgada por Cícero, cf. Tusculanae Disputationes, V, 4. § 10.
[46] — Original: in parte operativa.
[47] — Original: scientiae logicae.
[48] — Original: novis inventis et copiis.
[49] — No aforismo 77 fala Bacon também do consensus que encobria o verdadeiro valor da filosofia de Aristóteles.
[50] — Passagem célebre onde é evidente a analogia com a idade dos homens.
[51] — Original: Orbis Intellectualis, também nome de obra inacabada de Bacon.
[52] — Expressão que teve origem em Aulo Gélio, Noctes Atticae, XII, 11, mas modernamente vulgarizada por Bacon com sentido mais rico.
[53] — Original: contemplationes incurrentes.
[54] — Original: artes intellectualis — que se diferenciam das scientias rationalis, que vêm a seguir.
[55] — Bacon distingue a “magia natural” da “magia supersticiosa”.
[56] — Em várias passagens (cf. também De Augmentis Scientiarum, 1. VI, cap. 2). Bacon mostra as vantagens dos aforismos. A propósito, lembrem-se a sua admiração pelos pré-socráticos, as referências a Hipócrates, e as suas leituras bíblicas.
[57] — Referência ao Rei Artur e ao herói do romance cavalheiresco português, atribuído a Vasco de Loubeira (século XlV) e vulgarizado em várias outras versões.
[58] — Cf. aforismo 75.
[59] — Natureza, para Bacon, tem o sentido amplo de aparência exterior e perceptível dos objetos, qualidades secundárias das coisas.
[60] — Tais expressões não significam da parte de Bacon ateísmo ou coisa semelhante, mas sua aversão por certo tipo de interferência da religião em assuntos de conhecimento natural. No De Augmentis deixa clara a separação entre assuntos divinos, objeto da teologia, e os naturais, objeto da filosofia e das ciências.
[61] — Aristófanes — Nuvens, versos 372. 55.
[62] — A propósito do assunto, houve acesa polêmica entre teólogos, filósofos e sábios, até prevalecerem as novas concepções sobre o globo terrestre.
[63] — Original: media ignorantur.
[64] — Jó, 13,7 “Porventura por Deus falareis perversidade? E por ele falareis engano?”
[65] — Mateus, 22,29.
[66] — Original: res civiles et artes. Cf. Aristóteles — Política, II,8. 1268 B. e ss.
[67] — Original: prudentia civilis.
[68] — A esperança (spes) de que Bacon vai falar corresponde a uma espécie de interesse pelo novo e ao mesmo tempo um inconformismo em relação ao admitido e estabelecido.
[69] — Original: tabulis inveniendi.
[70] — Lucas, 17,20.
[71] — Daniel, 12,4 — Essa expressão se encontra no frontispício da primeira edição do Novum Organum.
[72] — Esta passagem tem provocado interpretações diferentes. De qualquer forma, a letra do texto parece indicar que Bacon entendia o fim do mundo num sentido geográfico, o que é improvável, dada a sua competência em assuntos teológicos.
[73] — Demóstenes, Filípicas, III, 5 e 1, 2. A citação de Bacon, como muitas outras, é livre, tudo indicando ter sido de memória.
[74] — Original: spei argumenta.
[75] — Passagem famosíssima, que tem servido como o exemplo mais sensível da posição de Bacon.
[76] — Essa passagem é indicada como um exemplo da incompreensão de Bacon para com o verdadeiro papel das matemáticas nas ciências experimentais nascentes.
[77] — Original: ratio humanae.
[78] — Ésquines, De Corona. apud J. Spedding, op. cit. vol. I, pág. 202.
[79] — Tito Lívio, in Ab Urbe Condita, IX, 17, in fine.
[80] — Original: Sylva — No fim da vida Bacon se dedicou ao recolhimento de tais coleções. Os resultados estão em obra póstuma, Sylva Sylvarum.
[81] — Original: rumores quosdam experientiae et quasi famas et auras eius.
[82] — Consta em comentadores da época que Alexandre teria dado a Aristóteles oitocentos talentos para essa empresa — Ap. Lasaíle — op. cit. pág. 334, vol. 1.
[83] — Espécie de “naturalismo” frívolo que vigorou inclusive até o século XIX.
[84] — Original: vexationes.
[85] — Original: experimenta lucifera e fructiferorum.
[86] — Cf. aforismo 82.
[87] — Há dois sentidos para experiência literata. Um. de registro sistemático de resultados, e outro, de um metodo intermediário entre a mera palpatio e o Novum Organum. O segundo sentido aparece logo a seguir no af. 103.
[88] — Original: notionalia.
[89] — Cf. aforismo 80.
[90] — Original: idque via et ordine.
[91] — Original: fili bombyeini.
[92] — Original: acus nauticae.
[93] — A tinta usada antes da imprensa era muito fina. Assim, essa modificação também foi condição para o novo invento.
[94] — Na Nova Atlântida Bacon fornece o exemplo vivo da sua concepção de trabalho científico como trabalho coletivo, no sentido de exigir a dedicação de muitos e no sentido de promoção oficial.
[95] — Veja-se o fascículo que acompanha esta obra.
[96] — Original: Mortalium communicantum. A quem considera a ciência como trabalho coletivo, não mais natural que o problema da comunicação dos seus resultados e sua discussão. Mas o grande drama de Bacon foi exatamente esse: o seu isolamento estritamente científico. Enquanto homem do mundo, não teve condições de se informar da verdadeira ciência do seu tempo, apesar de suas idéias gerais serem proféticas.
[97] — Racional (original: in via illa rationali) aqui é tomado no sentido já antes indicado, como oposto a experimental, tendo, assim, uma conotação pejorativa.
[98] — Antecipação de problemas ligados ao trabalho científico. Vide especialmente a Nova Atlântida.
[99] — Alusão aos ventos que de oeste sopravam sobre Portugal e que teriam levado Colombo a firmar suas idéias de que nessa direção havia terras que os geravam.
[100] — Original: desperatione. Desesperação embora pouco usado, nos pareceu o correspondente mais adequado para um termo com conotação ao mesmo tempo de desânimo e desinteresse. Desespero tem cargas mais recentes muito consolidadas.
[101] — Original: pars destruens.
[102] — Três filósofos antiaristotélicos do Renascimento. Os dois primeiros italianos, mais conhecidos, e o terceiro dinamarquês.
[103] — Essa parte deveria constituir-se, conforme o seu plano na distribuição das obras, Instauratio Magna, no Pródromos Antecipações da Filosofia Segunda.
[104] — Ainda segundo o plano referido, a sexta parte deveria constituir-se da Filosofia Segunda ou Da Ciência Ativax.
[105] — No sentido de fazer alguma invenção na forma antes definida: de combinação de coisas conhecidas.
[106] — Original: tabulis inveniendi. Refere-se ao procedimento a ser descrito no livro II da obra. Quanto à tradução de inveniendi e das formas correlatas, pode tanto ser no sentido de invenção quanto de descoberta ou investigação. Usamos uma ou outra conforme as conveniências do contexto.
[107] — Refere-se a Scala Intellectus.
[108] — Refere-se a Phenomena Universi sive Historia Naturalis et Experimentalis ad Contendam Philosophiam.
[109] — Vide nota anterior sobre Atalanta.
[110] — Plínio, Naturalis Historia, I.
[111] — Original: simplicium naturarum. As naturezas simples constituem para Bacon os elementos últimos dos fenômenos e estão ligados à sua forma.
[112] — Fedro, Fábulas, I.V, 8.
[113] — Essa história aparece em Plutarco, referindo-se a Filipe da Macedônia.
[114] — Filócrates, falando de si e de Demóstenes, apud De Mas, op. cit. pág. 334, vol. I.
[115] — Esta passagem deve ser comparada a outra que aparece no cap. 1, 1. VI, do De Dignitate et Augmentis Scientiarum, para indicar as dificuldades de interpretação da exata posição de Bacon, a respeito de problema tão importante: “Este princípio resolve a famosa questão da maior importância a ser dada à vida ativa ou a vida contemplativa, e a decide contra a opinião de Aristóteles. Pois todas as razões que ele oferece em favor da vida contemplativa relacionam-se somente ao bem individual e ao prazer e à dignidade do indivíduo. Sob esse aspecto certamente a vida contemplativa carrega a palma da vitória.. Mas os homens devem saber que só a Deus e aos anjos cabe serem espectadores no teatro da vida humana”. Lembre-se também que esse texto é posterior ao Novum Organum.
[116] — Original: verum exemplar mundi.
[117] — Cf. aforismo 23.
[118] — Original: Itaque ipsissimae res sunt (in hoc genere) veritas et utilitas. Há divergéncias quanto à tradução de ipsissimae res. Acompanhamos os que entendem como tendo o sentido de “as coisas em si mesmas”. Vide De Mas, op. cit., pág. 335, vol.I.
[119] — Esta passagem cria os problemas de coerência já indicados na nota 114.
[120] — Onginal: formam inquirendi.
[121] — Bacon aqui opõe à acatalepsia a eucatalepsia, com sentido de “boa compreensão dos fatos”.
[122] — Filosofia natural tem aqui sentido restrito, próximo de física, enquanto tem sentido amplo nos aforismos 79 e 80.
[123] — Ou: síntese e análise.
[124] — Apesar de certa timidez, em passagens anteriores (cf. aforismos 29, 77 e 128). aqui Bacon claramente estende o seu método de investigação natural aos assuntos humanos.
[125] — Os dois livros do Advancement of Learning Divine and Human foram publicados em 1605. Essa obra foi refundida por Bacon, consideravelmente aumentada e publicada em latim sob o titulo de De Dignitate et Augmentis Scientiarum, em 1623, três anos depois do Novum Organum.
[126] — Original: rerum inventionibus
[127] — Sic. no original, inclusive o destaque do terceiro verso em maiúsculas. Os versos, certamente citados de memória, em algumas passagens não conferem com o original de Lucrécio, De Rerum Natura, VI, 1-3 primum por primae e praestanti por praeclaro. Traduzidos livremente: “Atenas de nome famosa, que pela primeira vez ofereceu aos pobres mortais as sementes frutíferas e, dessa forma, recriou a vida e promulgou as leis”.
[128] — Cf. Provérbios, 25,2.
[129] — Referia-se, sem dúvida, à América, cujo nome ainda não se tinha firmado.
[130] — De Cecílio Estácio, transcrito por Símaco, in Epístolas, X, 104, apud De Mas, op. cit., vol II, pág. 340.
[131] — Repete, com pequena variação, expressão do aforismo 3.
Livro II dos “Aforismos sobre a Interpretação da Natureza e
o Reino do Homem
[1] —
Original: naturas. Natureza significa ou equivale à propriedade ou
qualidade predicável de um corpo.
[2] — Original: corpus. Corpo concreto.
[3] — Original: formam (a). A forma é a condição essencial da existência de qualquer propriedade. (Vide Livro I.)
[4] — Original: naturam naturantem. Natureza naturante em oposição a (natura naturata) natureza naturada. Distinção de Averróis que passou à tradição escolástica. Simplificadamente, a natureza naturante é o agente produtor e naturante é o produto. Natureza naturante é expressão difundida durante a Renascença, indicando o processo ativo e dinámico da natureza. Bacon, identificando-a com a forma, torna difícil pensá-la á maneira de Aristóteles. Lembre-se ainda que Bacon não usa a expressão oposta, natureza naturada.
[5] — Original: transformatío corporum concretorum. Expressão e idéia que devem sua origem à alquimia, para depois se “laicizar”.
[6] — Original: Latentis processus. Conjunto de operações internas, que em boa parte escapa aos sentidos, e que faz com que uma substáncia passe de um estado a outro.
[7] — Original: formam inditam.
[8] — Original: latentis schematismi. O esquematismo corresponde á maneira de ordenação das partículas que constituíram os objetos materiais. A idéia de pequenas partículas se aproxima de Demócrito, salvo no fato de que Bacon não admitia a sua indestrutibilidade e nem o “vazio”. O esquematismo é latente por escapar aos sentidos; à transformação de suas configurações Bacon dá o nome de processo latente (latens processus).
[9] — Aristóteles, Analíticos Segundos, I, 2, 71 B.
[10] — Bacon não admite qualquer finalismo no processo natural. A sua concordância com Aristóteles em relaçâo às demais causas deve ser entendida ao nível puramente terminológico. Sem a causa final, o mundo natural perde qualquer aristotelismo.
[11] — O assunto no De Augmentis Scientiarum (Do Progresso das Ciências) é remetido à teologia.
[12] — Confrontem-se as principais passagens desta obra sobre o conceito baconiano de forma, seguramente o de mais difícil interpretação em seu pensamento. Aforismos 51 e 75, Livro 1, e Aforismo 4. 5, 13, 17 e 20. Livro II.
[13] — Original: essentiae.
[14] — Original: paragraphos. Linguagem jurídica, transposta para a natureza.
[15] — Original: ul sit certum, liberum et disponens sive in ordine ad actionem.
[16] — Original: ex fonte essentiae. Seria a substância originária capaz de diferenciação.
[17] — É indispensável, para a compreensão do pensamento dc Bacon. o esclarecimento da conexão entre forma e natureza tanto para a filosofia natural em geral quanto para alguns aspectos técnicos da indução, como o funcionamento das tábuas. A questão reaparece muitas vezes no texto. De qualquer modo, guarde-se que forma, no caso, não pode ser entendida como causa, pelo menos no sentido mais amplo, pois forma e natureza coexistem ao mesmo tempo.
[18] — Original: ut inveniatur natura alia, quae sit cum natura data convertibilis et tamen sit limitatio naturae notioris. instar generis veri.
[19] — Original: quod in Operando utilissimum, id in Sciendo verissirnum. Cf. Aforismos 1 e 3, Livro I.
[20] — Spedding (op. cit., vol. 1, página 231) lembra que ainda Leibniz pensava na obtenção artificial do ouro.
[21] — Original: transformatio in aurum.
[22] — Original: modus operandi.
[23] — Grifo no original.
[24] — Original: primis menstruis, expressão usada em alquimia.
[25] — Original: spiritus.
[26] — Original: prima illa et catholica axiomata.
[27] — Original: pinguissima Minerva et prorsus inhabili contexuntur.
[28] — Original: per minima.
[29] — Original: latentis schematismi. vide nota 8, supra.
[30] — Original: de novo inducunt et superinducunt.
[31] — o processo latente parece ser a “conseqüência dinâmica” do esquematismo latente, que está em estreita conexão com a forma.
[32] — Original: spiritus. O espírito, por ser intangível e invisível, distingue-se de toda essência tangibilis e está no interior de todo corpo tangível. Cf. Aforismo 50, Livro 1.
[33] — Original: vacuum. Aqui se tem uma idéia da posição de Bacon em relação ao atomismo, assunto que retoma no Aforismo 48. Aceita a constituição atômica dos corpos, mas não aceita o vazio e a imutabilidade das partículas.
[34] — Original: materiam nonfluxam.
[35] — Original: particulas veras.
[36] — Original: quando physicum terminatur in mathematico. Bacon pensa na aplicação da matemática para a determinação das últimas “partículas da matéria”.
[37] — Original: duobus generibus axiomatum.
[38] — Cf. Aforismo 5, Livro II.
[39] — Spedding discute a adequação dos termos do original, entendendo que no lugar de ratione et sua lege Bacon teria pensado em ratione sua et lege.
[40] — o sentido de metafísica não é o tradicional. Bacon nele inclui a teologia, bem como o estudo das causas finais. Cf. De Augmentis Scientiarum, III, 4.
[41] — Indução e dedução, esta não chega a ser tratada no Novum Organum.
[42] — Original: ministrationis.
[43] — Indicação para o problema da divisão das ciências e sua correlação com a organização da mente, tema tratado no De Augmentis Scientiarum.
[44] — Tabulae et coordinationes instantiarum.
[45] — Bacon entende dever começar pelo método de interpretação baseado na indução, por exclusões, e depois retornar para o tratamento das demais administrações.
[46] — Original: comparentia ad intellectum. O primeiro sendo termo de uso jurídico, preferiu-se citação em português, termo da mesma origem e significando “colocar em presença”.
[47] — Nessa tábua devem ser anotados todos os casos em que aparece o fenômeno que é objeto de estudo. Se os exemplares forem dessemelhantes, será mais segura a identificação da natureza respectiva.
[48] — “Historicamente” tem o sentido de: à medida que os fatos vão aparecendo, em oposição a qualquer antecipação especulativa.
[49] — Original: forma calid. “Forma”, nesta passagem, é também traduzida por natureza, por causa. Cf. E. de Mas, op. cit. vol. I, página 354.
[50] — A partir desta altura, tornam-se numerosas e minuciosas as descrições de exemplos e experimentos.
[51] — O original acrescenta o verso de Virgilio: Nec Boreae penetrabile frigus adurit, As Geórgias, I, 93.
[52] — Vide nota 17 supra.
[53] — Na Tábua de Ausência, ao Contrário que na de presença, devem ser anotados os casos semelhantes, em que a natureza ou o fenômeno objeto de estudo não aparece.
[54] — Tabulam Declinationis, sive Absentiae in proximo.
[55] — Em grifo e corpo maior no original.
[56] — Suposição da época, de origem astronómica.
[57] — História relatada por Agostinho, De Generi Contra Manichaeos, Livro I, capítulo 15.
[58] — Homero. Odisséia, VI, 41-46.
[59] — O fato teria ocorrido em junho de 1597, na expedição de Barentz, que buscava uma passagem a nordeste, apud E. de Mas, op. cit., página 358.
[60] — Os experimentos descritas nesta segunda parte foram criticados por Mersenne por já terem sido realizados antes de Bacon. Lembre-se que Bacon não nutria qualquer pretensão de originalidade a respeito. Cf. Ellis, op. cit. página 241, vol. I, nota 3.
[61] — Original: speculum.
[62] — Original: simulacra.
[63] — A invenção do termômetro é atribuida a Galileu em 1597, ao médico holandês Drebbel em 1609, ao Frei Paulo Sarsi em 1609, e ainda ao médico italiano Santório em 1610.
[64] — Idem nota 60 supra.
[65] — Há divergência quanto a esse parágrafo, se se opôe à segunda ou á terceira instância.
[66] — Os antigos astrônomos discutiam se os cometas deveriam ser considerados meteoros (produzidos na atmosfera) ou da mesma substância dos planetas. O assunto foi retomado por Galileu.
[67] — Original: trabes et columnae lucidae.
[68] — Também seriam fenômenos de eletricidade.
[69] — Virgílio, Eneida, II.
[70] — Camões em: Lume vivo, que a marítima gente
Tem por santo em tempo de tormenta,
Os Lusíadas, Canto V.
[71] — Ventos do leste e do norte.
[72] — Ventos do sul e do oeste.
[73] — Termômetro tosco do tempo.
[74] — Aristóteles, Meteorologia, I, 2, 341A; e De Caelo (Sobre o céu), II, 7, 288A.
[75] — Tem significado de contraposição. Aparece em Aristóteles, Física VIII, 10, 267A, com o sentido tomado usual de “mudança em sentido contrário”.
[76] — Original: acqua regia.
[77] — Original: acquafortis.
[78] — Vide Aforismo 11, supra.
[79] — Original: secundum analogiam.
[80] — Original: vitrum graduum sive calendare.
[81] — O experimento reaparece no Aforismo 38, Livro II.
[82] — Original: inflamationibus spiritus. De Mas traduz por “inflamações respiratórias”
[83] — Foi de uma molêstia, adquirida em uma experiência sobre a conservação da carne pelo frio, que Bacon veio a falecer.
[84] — Bacon não deixou qualquer trabalho sistemático sobre o frio, salvo o fragmento Calor et Frigus, in Works, III, pp. 641-652.
[85] — Original: comparentia ad intellectum.
[86] — Original: ipsissima res, com sentido de a coisa em si mesma, considerada em sua essência singular.
[87] — Original: in ordine ad hominem et in ordine ad universum.
[88] — Original: petrolaeum.
[89] — Cf. Aforismos 11, 18, Livro II.
[90] — Cf. Aforismos 12, 30.
[91] — Original: animalcula. A putrefação era entendida como um processo de geração e copulação.
[92] — Constâncio II, filho de Constantino.
[93] — Canícula ou Cão Menor.
[94] — Termos usuais na astronomia anterior a Copérnico.
[95] — O chamado fogo grego era conhecido no Oriente muito antes da pólvora.
[96] — Em contraposição ao indicado nos Aforismos 12, 9.
[97] — Ou com foles (flatu).
[98] — Ver nota 84.
[99] — A idéia de “irritação” é considerada fantástica pelos comentadores.
[100] — Original: in vitris calendaribus.
[101] — O espírito é a parte mais sutil do corpo, dele são dotadas mesmo as coisas inanimadas.
[102] — Original: calidum, quatenus ad sensum et tactum humanum, res varia est et respectiva.
[103] — Original: Comparentiam instantiarum ad intellectum.
[104] — Distinção escolástica.
[105] — Referência ao sistema escolástico de defesa dos dois lados de uma questão.
[106] — Original: inditor et opifex formarum.
[107] — Segundo De Mas, falta ao homem o intelecto intuitivo, op. cit. página 381.
[108] — Original: ignem divinum.
[109] — Referência às formas platônicas.
[110] — Original: de formis copulatis.
[111] — Ainda referência às idéias platônicas.
[112] — Original: Lex Calidi sive Lex Luminis.
[113] — Original: integralitate.
[114] — Original: Lucem aut lumen.
[115] — Original: in vitris calendariis.
[116] — Original: Naturam principalem.
[117] — Original: naturarum simplicium.
[118] — Original: notio tenuitatis.
[119] — Original: fiat permissio intellectui.
[120] — Original: in affirmativa.
[121] — Original: Permissionem Inteilectus sive Interpretationem Inchoatam, sive Vindemiationem Primam.
[122] — Original: elucescentias vel instantias ostensivas.
[123] — Original: ipsissimus calor.
[124] — Original: quid ipsum caloris.
[125] — Aforismo 48, 11.
[126] — Linguagem escolástica, a diferença limita o gênero e constitui a espécie.
[127] — Original: ex repercussione irritatum.
[128] — Original: qualis competit sensui.
[129] — Original: Prerogativis Instantiarum.
[130] — Original: Adminiculis Inductionis.
[131] — Original: Rectificatione Inductionis.
[132] — Original: Variatione Inquisitionis pro Natura Subjecti.
[133] — Original: Prerogativis Naturarum.
[134] — Original: Terminis Inquisitionis.
[135] — Original: Deductione ad Praxim.
[136] — Original: Parascevis ad Inquisitionem.
[137] — Original: Scala Ascensoria et Descensoria Axiomatum.
[138] — Original: Ferinas.
[139] — Original: Instantias Migrantes.
[140] — Original: adgenerationem.
[141] — Original: cum efficiente aut privante.
[142] — Como já foi indicado, Bacon distingue a forma da causa eficiente.
[143] — Original: Instantias Liberatas et Predominantes.
[144] — Original: substantivam.
[145] — Original: maxime ostensivae formae.
[146] — Original: Instantias Clandestinas.
[147] — Original: Instantias Crepusculi.
[148] — Original: Liquidum et Consistens.
[149] — Original: plebeas et ad sensum.
[150] — Original: Attractio, sive Coitio Corporum.
[151] — Original: Instantias Constitutivas.
[152] — Original: Manipulares.
[153] — Original: inventionem legitimam Formae Magnae.
[154] — Original: Laci.
[155] — Original: Mnemotécnica. — Era uma arte muito difundida no Renascimento.
[156] — Original: abscyssio infiniti.
[157] — Original: deducat intellectuale ad ferendum sensum.
[158] — Original: in affectu forti.
[159] — Platão, Fedro, 266B.
[160] — Original: Instantias Conformes, sive Proportionatas.
[161] — Original: Similitudines Physicas.
[162] — Concepçâo difundida por Telésio e recolhida em Galeno.
[163] — Aristóteles, História dos Animais, I, 5, 490A.
[164] — “Iludir a espera.”
[165] — “Escorregar na cadência.”
[166] — Original: Instantias Monadicas.
[167] — Original: Irregulares sive Heteroclitas.
[168] — Original: pro secretis et magnalibus naturae.
[169] — Original: Instantias Deviantes.
[170] — Aristóteles, Ética a Nicômaco, VI, 4, 1140A.
[171] — Original: Instantias Limitaneas, Participia.
[172] — Ênio, apud De Mas. op. cit. página 411.
[173] — Instantias Potestatis, sive Fascium.
[174] — Cf. Aforismo 109, Livro 1.
[175] — Cf. Aforismo 3, Livro II.
[176] — Deve ser lembrado tratar-se de uma época de prestígio para a magia e coisas semelhantes.
[177] — Original: Deductionibus ad Praxim.
[178] — Original: Instantias Comitatus atque Hostiles.
[179] — Cf. Aforismo 23, supra.
[180] — Original: circumscriptiones formarum.
[181] — Original: Instantias Subjunctivas.
[182] — Original: Instantias Ultimitatis.
[183] — Original: Instantias Foederis sive Unionis.
[184] — Aristóteles, Meteorologia I, 14, 35 lA.
[185] — Gerolamo Fracastoro (1483-1553), físico, médico e poeta italiano conhecido.
[186] — Teoria de Aristóteles, De coelo, 1, 2. 268B, 269B, Física VIII, 9, 265A-B.
[187] — Meteoros I, 7, 344.
[188] — Cícero, De Fato (O Destino) 20,46.
[189] — Gilbert explica a gravitação como resultado do magnetismo.
[190] — Original: discursus Ingenii.
[191] — Aviano, Fabulae, XXVII, apud De Mas, op. cit. página 422.
[192] — Original: Instantias Crucis.
[193] — Original: Instantias Decisorias et Judiciales.
[194] — Original: Instantias Oraculi et Mandati.
[195] — Refere-se Bacon ao Padre José de Acosta, S.J. (1539-1600) que escreveu uma difundidíssima Historia Natura ly Moral de las Índias (1590).
[196] — Era opinião corrente na época.
[197] — É assunto controverso a posição de Bacon em relação à teoria de Copérnico. De que lhe era contrário parece não haver dúvidas. A discussão se desenvolve em torno dos motivos reais.
[198] — Por esse exemplo pretendeu-se ter Bacon antecipado a explicação sobre a atração, como Voltaire; mas certamente utilizou a obra de Gilbert, que bem conhecia.
[199] — Bacon conheceu diretamente pelo menos suas obras sobre fisica e medicina.
[200] — Original: spiritus crudi. Substãncias aeroformes, como a água, em oposição às inflamáveis.
[201] — Original: et non per rationes probabiles
[202] — Original: Instantias Divortii.
[203] — Cf. Aforismo 33, supra.
[204] — Cf. Aforismo 104, Livro I.
[205] — Original: contubernales.
[206] — Original: actio naturalis.
[207] — Original: secundum sensum philosophanti.
[208] — Original: Instantias Lampadis.
[209] — Original: Instantias Januae sive Portae.
[210] — Seriam os primeiros microscópios.
[211] — Aristóteles, Da Geração e Corrupção, I, 8, 325A.
[212] — O telescópio foi construído em 1608 por Galileu, a partir de um modelo do holandês H. Lippershey.
[213] — Essa passagem parece mostrar que Bacon conhecia o Sidereus Nuncius de Galileu.
[214] — Original: Instantias Citantes.
[215] — Original: Insiantias Evocantes.
[216] — Original: spiritus abscissi.
[217] — Conhecidas expressões originadas em Parmênides e muito difundidas no Renascimento.
[218] — Antiga medida, também usada em Portugal, e correspondente a mais ou menos dois litros.
[219] — Original: latitantiae.
[220] — Assunto tratado no De Augmentis Scientiarum, IV, 3.
[221] — Original: per rationem et philosophiam universalem.
[222] — Original: Instantias Viae.
[223] — Original: Instantias Articulatas.
[224] — Bacon não chegou a desenvolver esse assunto.
[225] — Original: Instantias Supplementi.
[226] — Original: Instantias Perfugii.
[227] — Original: Instantias Persecantes, Instantias Vellicantes
[228] — Cf. Aforismo 51, Livro 1.
[229] — Original: Instantiae Persecationis.
[230] — Original: Instantias Mathematicas e Instantias Mensurae.
[231] — Original: Instantias Propitias sive Benevolas.
[232] — Original: Instantias Virgae.
[233] — Original: Radii.
[234] — Original: Instantias Perlationis.
[235] — Original: Non Ultra.
[236] — Heródoto, História, I, 179.
[237] — Original: Instantias Curriculi.
[238] — Original: Instantias ad Acquam.
[239] — Para Galileu a maré é produzida pela diferença de velocidade dos vários pontos da terra, devido à composição dos dois movimentos, de rotação e de revolução.
[240] — Original: sed hoc commentus est concesso non concessibili.
[241] — Original: Instantias Quanti.
[242] — Original: Doses Naturae.
[243] — Essa passagem indicaria o conhecimento de Bacon das experiências de Galileu feitas na torre de Pisa.
[244] — Original: Instantias Luctae.
[245] — Original: Instantias Praedominantiae.
[246] — Original: motus antitypiae.
[247] — Original: motus hyles.
[248] — Original: spiritus emortuus ou mortualis, em contraposição ao spiritus vitalis, próprio dos corpos animados.
[249] — O rejuvenescimento é uma preocupação constante na obra de Bacon (senectutis refociliatio).
[250] — Original: vacuum, sive coacervatum sive permistum.
[251] — Aristóteles, Física, IV, 6, 213B.
[252] — Original: iste enim plane plica materiae.
[253] — Original: Instantias Innuentes.
[254] — Original: Chartae humanae ou Chartae optativae.
[255] — Original: Instantias Polychrestas.
[256] — Original: lutum sapientiae, mistura empregada para fechar recipientes.
[257] — Fato relatado por Marco Polo.
[258] — Original: menstrua seria uma substância geradora dos metais.
[259] — Ordem fundada por Jean de La Barrière, em 1573, derivada da Ordem de Cister.
[260] — Original: Instantias Magicas.
[261] — Gênesis, 3, 19.
[2] — Original: corpus. Corpo concreto.
[3] — Original: formam (a). A forma é a condição essencial da existência de qualquer propriedade. (Vide Livro I.)
[4] — Original: naturam naturantem. Natureza naturante em oposição a (natura naturata) natureza naturada. Distinção de Averróis que passou à tradição escolástica. Simplificadamente, a natureza naturante é o agente produtor e naturante é o produto. Natureza naturante é expressão difundida durante a Renascença, indicando o processo ativo e dinámico da natureza. Bacon, identificando-a com a forma, torna difícil pensá-la á maneira de Aristóteles. Lembre-se ainda que Bacon não usa a expressão oposta, natureza naturada.
[5] — Original: transformatío corporum concretorum. Expressão e idéia que devem sua origem à alquimia, para depois se “laicizar”.
[6] — Original: Latentis processus. Conjunto de operações internas, que em boa parte escapa aos sentidos, e que faz com que uma substáncia passe de um estado a outro.
[7] — Original: formam inditam.
[8] — Original: latentis schematismi. O esquematismo corresponde á maneira de ordenação das partículas que constituíram os objetos materiais. A idéia de pequenas partículas se aproxima de Demócrito, salvo no fato de que Bacon não admitia a sua indestrutibilidade e nem o “vazio”. O esquematismo é latente por escapar aos sentidos; à transformação de suas configurações Bacon dá o nome de processo latente (latens processus).
[9] — Aristóteles, Analíticos Segundos, I, 2, 71 B.
[10] — Bacon não admite qualquer finalismo no processo natural. A sua concordância com Aristóteles em relaçâo às demais causas deve ser entendida ao nível puramente terminológico. Sem a causa final, o mundo natural perde qualquer aristotelismo.
[11] — O assunto no De Augmentis Scientiarum (Do Progresso das Ciências) é remetido à teologia.
[12] — Confrontem-se as principais passagens desta obra sobre o conceito baconiano de forma, seguramente o de mais difícil interpretação em seu pensamento. Aforismos 51 e 75, Livro 1, e Aforismo 4. 5, 13, 17 e 20. Livro II.
[13] — Original: essentiae.
[14] — Original: paragraphos. Linguagem jurídica, transposta para a natureza.
[15] — Original: ul sit certum, liberum et disponens sive in ordine ad actionem.
[16] — Original: ex fonte essentiae. Seria a substância originária capaz de diferenciação.
[17] — É indispensável, para a compreensão do pensamento dc Bacon. o esclarecimento da conexão entre forma e natureza tanto para a filosofia natural em geral quanto para alguns aspectos técnicos da indução, como o funcionamento das tábuas. A questão reaparece muitas vezes no texto. De qualquer modo, guarde-se que forma, no caso, não pode ser entendida como causa, pelo menos no sentido mais amplo, pois forma e natureza coexistem ao mesmo tempo.
[18] — Original: ut inveniatur natura alia, quae sit cum natura data convertibilis et tamen sit limitatio naturae notioris. instar generis veri.
[19] — Original: quod in Operando utilissimum, id in Sciendo verissirnum. Cf. Aforismos 1 e 3, Livro I.
[20] — Spedding (op. cit., vol. 1, página 231) lembra que ainda Leibniz pensava na obtenção artificial do ouro.
[21] — Original: transformatio in aurum.
[22] — Original: modus operandi.
[23] — Grifo no original.
[24] — Original: primis menstruis, expressão usada em alquimia.
[25] — Original: spiritus.
[26] — Original: prima illa et catholica axiomata.
[27] — Original: pinguissima Minerva et prorsus inhabili contexuntur.
[28] — Original: per minima.
[29] — Original: latentis schematismi. vide nota 8, supra.
[30] — Original: de novo inducunt et superinducunt.
[31] — o processo latente parece ser a “conseqüência dinâmica” do esquematismo latente, que está em estreita conexão com a forma.
[32] — Original: spiritus. O espírito, por ser intangível e invisível, distingue-se de toda essência tangibilis e está no interior de todo corpo tangível. Cf. Aforismo 50, Livro 1.
[33] — Original: vacuum. Aqui se tem uma idéia da posição de Bacon em relação ao atomismo, assunto que retoma no Aforismo 48. Aceita a constituição atômica dos corpos, mas não aceita o vazio e a imutabilidade das partículas.
[34] — Original: materiam nonfluxam.
[35] — Original: particulas veras.
[36] — Original: quando physicum terminatur in mathematico. Bacon pensa na aplicação da matemática para a determinação das últimas “partículas da matéria”.
[37] — Original: duobus generibus axiomatum.
[38] — Cf. Aforismo 5, Livro II.
[39] — Spedding discute a adequação dos termos do original, entendendo que no lugar de ratione et sua lege Bacon teria pensado em ratione sua et lege.
[40] — o sentido de metafísica não é o tradicional. Bacon nele inclui a teologia, bem como o estudo das causas finais. Cf. De Augmentis Scientiarum, III, 4.
[41] — Indução e dedução, esta não chega a ser tratada no Novum Organum.
[42] — Original: ministrationis.
[43] — Indicação para o problema da divisão das ciências e sua correlação com a organização da mente, tema tratado no De Augmentis Scientiarum.
[44] — Tabulae et coordinationes instantiarum.
[45] — Bacon entende dever começar pelo método de interpretação baseado na indução, por exclusões, e depois retornar para o tratamento das demais administrações.
[46] — Original: comparentia ad intellectum. O primeiro sendo termo de uso jurídico, preferiu-se citação em português, termo da mesma origem e significando “colocar em presença”.
[47] — Nessa tábua devem ser anotados todos os casos em que aparece o fenômeno que é objeto de estudo. Se os exemplares forem dessemelhantes, será mais segura a identificação da natureza respectiva.
[48] — “Historicamente” tem o sentido de: à medida que os fatos vão aparecendo, em oposição a qualquer antecipação especulativa.
[49] — Original: forma calid. “Forma”, nesta passagem, é também traduzida por natureza, por causa. Cf. E. de Mas, op. cit. vol. I, página 354.
[50] — A partir desta altura, tornam-se numerosas e minuciosas as descrições de exemplos e experimentos.
[51] — O original acrescenta o verso de Virgilio: Nec Boreae penetrabile frigus adurit, As Geórgias, I, 93.
[52] — Vide nota 17 supra.
[53] — Na Tábua de Ausência, ao Contrário que na de presença, devem ser anotados os casos semelhantes, em que a natureza ou o fenômeno objeto de estudo não aparece.
[54] — Tabulam Declinationis, sive Absentiae in proximo.
[55] — Em grifo e corpo maior no original.
[56] — Suposição da época, de origem astronómica.
[57] — História relatada por Agostinho, De Generi Contra Manichaeos, Livro I, capítulo 15.
[58] — Homero. Odisséia, VI, 41-46.
[59] — O fato teria ocorrido em junho de 1597, na expedição de Barentz, que buscava uma passagem a nordeste, apud E. de Mas, op. cit., página 358.
[60] — Os experimentos descritas nesta segunda parte foram criticados por Mersenne por já terem sido realizados antes de Bacon. Lembre-se que Bacon não nutria qualquer pretensão de originalidade a respeito. Cf. Ellis, op. cit. página 241, vol. I, nota 3.
[61] — Original: speculum.
[62] — Original: simulacra.
[63] — A invenção do termômetro é atribuida a Galileu em 1597, ao médico holandês Drebbel em 1609, ao Frei Paulo Sarsi em 1609, e ainda ao médico italiano Santório em 1610.
[64] — Idem nota 60 supra.
[65] — Há divergência quanto a esse parágrafo, se se opôe à segunda ou á terceira instância.
[66] — Os antigos astrônomos discutiam se os cometas deveriam ser considerados meteoros (produzidos na atmosfera) ou da mesma substância dos planetas. O assunto foi retomado por Galileu.
[67] — Original: trabes et columnae lucidae.
[68] — Também seriam fenômenos de eletricidade.
[69] — Virgílio, Eneida, II.
[70] — Camões em: Lume vivo, que a marítima gente
Tem por santo em tempo de tormenta,
Os Lusíadas, Canto V.
[71] — Ventos do leste e do norte.
[72] — Ventos do sul e do oeste.
[73] — Termômetro tosco do tempo.
[74] — Aristóteles, Meteorologia, I, 2, 341A; e De Caelo (Sobre o céu), II, 7, 288A.
[75] — Tem significado de contraposição. Aparece em Aristóteles, Física VIII, 10, 267A, com o sentido tomado usual de “mudança em sentido contrário”.
[76] — Original: acqua regia.
[77] — Original: acquafortis.
[78] — Vide Aforismo 11, supra.
[79] — Original: secundum analogiam.
[80] — Original: vitrum graduum sive calendare.
[81] — O experimento reaparece no Aforismo 38, Livro II.
[82] — Original: inflamationibus spiritus. De Mas traduz por “inflamações respiratórias”
[83] — Foi de uma molêstia, adquirida em uma experiência sobre a conservação da carne pelo frio, que Bacon veio a falecer.
[84] — Bacon não deixou qualquer trabalho sistemático sobre o frio, salvo o fragmento Calor et Frigus, in Works, III, pp. 641-652.
[85] — Original: comparentia ad intellectum.
[86] — Original: ipsissima res, com sentido de a coisa em si mesma, considerada em sua essência singular.
[87] — Original: in ordine ad hominem et in ordine ad universum.
[88] — Original: petrolaeum.
[89] — Cf. Aforismos 11, 18, Livro II.
[90] — Cf. Aforismos 12, 30.
[91] — Original: animalcula. A putrefação era entendida como um processo de geração e copulação.
[92] — Constâncio II, filho de Constantino.
[93] — Canícula ou Cão Menor.
[94] — Termos usuais na astronomia anterior a Copérnico.
[95] — O chamado fogo grego era conhecido no Oriente muito antes da pólvora.
[96] — Em contraposição ao indicado nos Aforismos 12, 9.
[97] — Ou com foles (flatu).
[98] — Ver nota 84.
[99] — A idéia de “irritação” é considerada fantástica pelos comentadores.
[100] — Original: in vitris calendaribus.
[101] — O espírito é a parte mais sutil do corpo, dele são dotadas mesmo as coisas inanimadas.
[102] — Original: calidum, quatenus ad sensum et tactum humanum, res varia est et respectiva.
[103] — Original: Comparentiam instantiarum ad intellectum.
[104] — Distinção escolástica.
[105] — Referência ao sistema escolástico de defesa dos dois lados de uma questão.
[106] — Original: inditor et opifex formarum.
[107] — Segundo De Mas, falta ao homem o intelecto intuitivo, op. cit. página 381.
[108] — Original: ignem divinum.
[109] — Referência às formas platônicas.
[110] — Original: de formis copulatis.
[111] — Ainda referência às idéias platônicas.
[112] — Original: Lex Calidi sive Lex Luminis.
[113] — Original: integralitate.
[114] — Original: Lucem aut lumen.
[115] — Original: in vitris calendariis.
[116] — Original: Naturam principalem.
[117] — Original: naturarum simplicium.
[118] — Original: notio tenuitatis.
[119] — Original: fiat permissio intellectui.
[120] — Original: in affirmativa.
[121] — Original: Permissionem Inteilectus sive Interpretationem Inchoatam, sive Vindemiationem Primam.
[122] — Original: elucescentias vel instantias ostensivas.
[123] — Original: ipsissimus calor.
[124] — Original: quid ipsum caloris.
[125] — Aforismo 48, 11.
[126] — Linguagem escolástica, a diferença limita o gênero e constitui a espécie.
[127] — Original: ex repercussione irritatum.
[128] — Original: qualis competit sensui.
[129] — Original: Prerogativis Instantiarum.
[130] — Original: Adminiculis Inductionis.
[131] — Original: Rectificatione Inductionis.
[132] — Original: Variatione Inquisitionis pro Natura Subjecti.
[133] — Original: Prerogativis Naturarum.
[134] — Original: Terminis Inquisitionis.
[135] — Original: Deductione ad Praxim.
[136] — Original: Parascevis ad Inquisitionem.
[137] — Original: Scala Ascensoria et Descensoria Axiomatum.
[138] — Original: Ferinas.
[139] — Original: Instantias Migrantes.
[140] — Original: adgenerationem.
[141] — Original: cum efficiente aut privante.
[142] — Como já foi indicado, Bacon distingue a forma da causa eficiente.
[143] — Original: Instantias Liberatas et Predominantes.
[144] — Original: substantivam.
[145] — Original: maxime ostensivae formae.
[146] — Original: Instantias Clandestinas.
[147] — Original: Instantias Crepusculi.
[148] — Original: Liquidum et Consistens.
[149] — Original: plebeas et ad sensum.
[150] — Original: Attractio, sive Coitio Corporum.
[151] — Original: Instantias Constitutivas.
[152] — Original: Manipulares.
[153] — Original: inventionem legitimam Formae Magnae.
[154] — Original: Laci.
[155] — Original: Mnemotécnica. — Era uma arte muito difundida no Renascimento.
[156] — Original: abscyssio infiniti.
[157] — Original: deducat intellectuale ad ferendum sensum.
[158] — Original: in affectu forti.
[159] — Platão, Fedro, 266B.
[160] — Original: Instantias Conformes, sive Proportionatas.
[161] — Original: Similitudines Physicas.
[162] — Concepçâo difundida por Telésio e recolhida em Galeno.
[163] — Aristóteles, História dos Animais, I, 5, 490A.
[164] — “Iludir a espera.”
[165] — “Escorregar na cadência.”
[166] — Original: Instantias Monadicas.
[167] — Original: Irregulares sive Heteroclitas.
[168] — Original: pro secretis et magnalibus naturae.
[169] — Original: Instantias Deviantes.
[170] — Aristóteles, Ética a Nicômaco, VI, 4, 1140A.
[171] — Original: Instantias Limitaneas, Participia.
[172] — Ênio, apud De Mas. op. cit. página 411.
[173] — Instantias Potestatis, sive Fascium.
[174] — Cf. Aforismo 109, Livro 1.
[175] — Cf. Aforismo 3, Livro II.
[176] — Deve ser lembrado tratar-se de uma época de prestígio para a magia e coisas semelhantes.
[177] — Original: Deductionibus ad Praxim.
[178] — Original: Instantias Comitatus atque Hostiles.
[179] — Cf. Aforismo 23, supra.
[180] — Original: circumscriptiones formarum.
[181] — Original: Instantias Subjunctivas.
[182] — Original: Instantias Ultimitatis.
[183] — Original: Instantias Foederis sive Unionis.
[184] — Aristóteles, Meteorologia I, 14, 35 lA.
[185] — Gerolamo Fracastoro (1483-1553), físico, médico e poeta italiano conhecido.
[186] — Teoria de Aristóteles, De coelo, 1, 2. 268B, 269B, Física VIII, 9, 265A-B.
[187] — Meteoros I, 7, 344.
[188] — Cícero, De Fato (O Destino) 20,46.
[189] — Gilbert explica a gravitação como resultado do magnetismo.
[190] — Original: discursus Ingenii.
[191] — Aviano, Fabulae, XXVII, apud De Mas, op. cit. página 422.
[192] — Original: Instantias Crucis.
[193] — Original: Instantias Decisorias et Judiciales.
[194] — Original: Instantias Oraculi et Mandati.
[195] — Refere-se Bacon ao Padre José de Acosta, S.J. (1539-1600) que escreveu uma difundidíssima Historia Natura ly Moral de las Índias (1590).
[196] — Era opinião corrente na época.
[197] — É assunto controverso a posição de Bacon em relação à teoria de Copérnico. De que lhe era contrário parece não haver dúvidas. A discussão se desenvolve em torno dos motivos reais.
[198] — Por esse exemplo pretendeu-se ter Bacon antecipado a explicação sobre a atração, como Voltaire; mas certamente utilizou a obra de Gilbert, que bem conhecia.
[199] — Bacon conheceu diretamente pelo menos suas obras sobre fisica e medicina.
[200] — Original: spiritus crudi. Substãncias aeroformes, como a água, em oposição às inflamáveis.
[201] — Original: et non per rationes probabiles
[202] — Original: Instantias Divortii.
[203] — Cf. Aforismo 33, supra.
[204] — Cf. Aforismo 104, Livro I.
[205] — Original: contubernales.
[206] — Original: actio naturalis.
[207] — Original: secundum sensum philosophanti.
[208] — Original: Instantias Lampadis.
[209] — Original: Instantias Januae sive Portae.
[210] — Seriam os primeiros microscópios.
[211] — Aristóteles, Da Geração e Corrupção, I, 8, 325A.
[212] — O telescópio foi construído em 1608 por Galileu, a partir de um modelo do holandês H. Lippershey.
[213] — Essa passagem parece mostrar que Bacon conhecia o Sidereus Nuncius de Galileu.
[214] — Original: Instantias Citantes.
[215] — Original: Insiantias Evocantes.
[216] — Original: spiritus abscissi.
[217] — Conhecidas expressões originadas em Parmênides e muito difundidas no Renascimento.
[218] — Antiga medida, também usada em Portugal, e correspondente a mais ou menos dois litros.
[219] — Original: latitantiae.
[220] — Assunto tratado no De Augmentis Scientiarum, IV, 3.
[221] — Original: per rationem et philosophiam universalem.
[222] — Original: Instantias Viae.
[223] — Original: Instantias Articulatas.
[224] — Bacon não chegou a desenvolver esse assunto.
[225] — Original: Instantias Supplementi.
[226] — Original: Instantias Perfugii.
[227] — Original: Instantias Persecantes, Instantias Vellicantes
[228] — Cf. Aforismo 51, Livro 1.
[229] — Original: Instantiae Persecationis.
[230] — Original: Instantias Mathematicas e Instantias Mensurae.
[231] — Original: Instantias Propitias sive Benevolas.
[232] — Original: Instantias Virgae.
[233] — Original: Radii.
[234] — Original: Instantias Perlationis.
[235] — Original: Non Ultra.
[236] — Heródoto, História, I, 179.
[237] — Original: Instantias Curriculi.
[238] — Original: Instantias ad Acquam.
[239] — Para Galileu a maré é produzida pela diferença de velocidade dos vários pontos da terra, devido à composição dos dois movimentos, de rotação e de revolução.
[240] — Original: sed hoc commentus est concesso non concessibili.
[241] — Original: Instantias Quanti.
[242] — Original: Doses Naturae.
[243] — Essa passagem indicaria o conhecimento de Bacon das experiências de Galileu feitas na torre de Pisa.
[244] — Original: Instantias Luctae.
[245] — Original: Instantias Praedominantiae.
[246] — Original: motus antitypiae.
[247] — Original: motus hyles.
[248] — Original: spiritus emortuus ou mortualis, em contraposição ao spiritus vitalis, próprio dos corpos animados.
[249] — O rejuvenescimento é uma preocupação constante na obra de Bacon (senectutis refociliatio).
[250] — Original: vacuum, sive coacervatum sive permistum.
[251] — Aristóteles, Física, IV, 6, 213B.
[252] — Original: iste enim plane plica materiae.
[253] — Original: Instantias Innuentes.
[254] — Original: Chartae humanae ou Chartae optativae.
[255] — Original: Instantias Polychrestas.
[256] — Original: lutum sapientiae, mistura empregada para fechar recipientes.
[257] — Fato relatado por Marco Polo.
[258] — Original: menstrua seria uma substância geradora dos metais.
[259] — Ordem fundada por Jean de La Barrière, em 1573, derivada da Ordem de Cister.
[260] — Original: Instantias Magicas.
[261] — Gênesis, 3, 19.
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Versão eletrônica do livro “Novum Organum ou Verdadeiras
Indicações Acerca da Interpretação da Natureza”
Autor: Francis Bacon
Tradução e notas: José Aluysio Reis de Andrade
Créditos da digitalização:
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Homepage do grupo:
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