segunda-feira, 2 de abril de 2012

Novum Organum (part. II)


XXX
     Entre as instâncias prerrogativas, colocamos em nono lugar as instâncias limítrofes e as que também costumamos chamar de partícipes.[171] São as que revelam aquelas espécies de corpos que parecem compostos de duas espécies ou de rudimentos entre uma espécie e outra. Estas instâncias podem também ser incluídas entre as monádi­cas ou heteróclitas, pois são raras e extraordinárias no universo. Mas quanto ao seu valor devem ser consideradas à parte e por si mesmas. Elas servem para indicar a estrutura e a composição das coisas, e sugerem as causas do número e da qualidade das espécies ordinárias no universo, e orientam o universo, daquilo que é para o que pode ser.
     Como exemplos, têm-se: o musgo, que fica entre a matéria podre e a planta; certos cometas, que ficam entre as estrelas e os meteoros incandescentes; os peixes voadores, entre os pássaros e os peixes; os morcegos, entre as aves e quadrúpedes; e também
“O símio, tão repugnante entre os animais
quanto próximo de nós”;
[172]    e os partos de animais biformes ou mistos de diversas espécies; e coi­sas semelhantes.
XXXI
     Entre as instâncias prerrogativas, colocamos em décimo lugar as instâncias de potestade ou do cetro [173] (tomando o vocábulo das insígnias de império), as quais também costumamos chamar de enge­nho ou das mãos do homem. São as obras mais nobres e perfeitas e quase sempre as últimas de qualquer arte. Pois, se se busca acima de tudo fazer com que a natureza atenda às necessidades e às comodi­dades humanas, é natural que se considerem e enumerem as coisas que já se encontram em poder do homem como muitas outras provín­cias já ocupadas e antes subjugadas; especialmente as que são mais completas e perfeitas, pois destas é mais fácil e próxima a passagem às obras novas e ainda não inventadas. De fato, se alguém quiser, pela consideração atenta de tais obras, progredir nas suas próprias com acuidade e inventividade, certamente acabará por conseguir desviar aquelas até um ponto próximo das suas ou conseguirá aplicá-las ou transferi-las para um uso mais nobre.
     E não é tudo. Assim como das obras raras e fora da rotina da natureza o intelecto se levanta e eleva-se até a investigação e o descobrimento de formas capazes de incluir também aquelas, da mesma forma vê-se ser isso aplicável em obras de arte excelentes e dignas de admiração; e isso é tanto mais verdadeiro quando se sabe que o modo de realizar e executar tais milagres da arte é, na maior parte dos casos, simples, enquanto que na maior parte das vezes é obscuro nos prodígios da natureza. Contudo, em tais casos devem-se tomar todos os cuidados para que não deprimam o intelecto e, por assim dizer, ponham-no por terra.
     Há perigo de que por meio de tais obras de arte, que são conside­radas como os cumes e os píncaros da indústria humana, o intelecto humano chegue a ficar atônito e atado e como que embaraçado em relação a elas, e isso a tal ponto que não se habitue a outras, mas pense que nada mais pode ser feito naquele setor a não ser com o uso do mesmo procedimento com que aquelas foram executadas, desde­nhando, assim, o emprego de uma maior atenção e de uma mais cui­dada preparação.
     Mas, na verdade, é certo que os caminhos e procedimentos rela­cionados com as obras e as coisas, inventadas e até agora observadas, em sua maior parte são muito pobres. Pois todo poder realmente grande depende e emana, de forma ordenada, das formas, e nenhuma delas foi até agora descoberta.
     Assim (como já dissemos),[174] se se pensa nas máquinas de guer­ra e nas alhetas usadas pelos antigos, ainda que em tal meditação se consuma toda a vida, jamais se chegará à descoberta das armas de fogo que atuam por meio da pólvora. Do mesmo, modo, quem puser toda a sua atenção e aplicação na manufatura da lã e do algodão nunca alcançará, por tais meios, a natureza do bicho-da-seda, nem a da seda.
     A esse respeito, pode observar-se que todas as descobertas, dig­nas de serem consideradas como mais nobres, quando bem examina­das, não poderão ser tomadas como o resultado do desenvolvimento gradual e da extensão, mas do acaso. E nada há que possa substitui­-lo, pois o acaso só atua a longos intervalos, através dos séculos, e não intervém na descoberta das formas.
     Não é necessário aduzirem-se exemplos particulares dessas instâncias, em vista de sua grande quantidade. É suficiente passar em revista e examinar-se atentamente todas as artes mecânicas e inclu­sive as artes liberais, quando relacionadas com a prática, e delas se retirar uma coleção de história particular das maiores, das mais per­feitas obras de cada uma das artes, ao lado dos respectivos procedi­mentos de produção e execução.
     Em tal coleção não queremos, porém, que o cuidado do investi­gador se limite a recolher unicamente as consideradas obras-primas e os segredos desta ou daquela arte, que é o que provoca admiração. Pois a admiração é filha da raridade e as coisas raras, mesmo que em seu gênero procedam de naturezas vulgares, provocam a imaginação.
     E, ao contrário, as que deveriam realmente provocar admiração, pela diversidade que revelam em relação a outras espécies, são pouco notadas e tornam-se de uso corrente. As instâncias monádicas da arte devem ser observadas com a mesma atenção que as da natureza, de que já falamos antes.[175] Como entre monádicas da natureza coloca­mos o sol, a lua, o magneto, etc., coisas muito conhecidas, mas de natureza quase única, o mesmo deve ser feito em relação às monádi­cas da arte.
     Exemplo de instâncias monádicas da arte é o papel, coisa sobre­maneira conhecida. Com efeito, se bem observadas, ver-se-á que as matérias artificiais são ou simplesmente tecidas, por urdidura com fios retos e transversais, como é o caso dos gêneros de seda, de lã ou de linho e coisas semelhantes, ou são placas de sucos endurecidos, como o ladrilho, a argila de cerâmica, o esmalte, a porcelana e subs­tâncias semelhantes, que, quando são bem unidas, brilham, e quando o são menos, brilham, embora igualmente duras. Mas todas essas coi­sas que se fazem de sucos prensados são frágeis e não possuem ade­rência ou tenacidade, O papel, porém, é um corpo tenaz, que pode ser cortado e rasgado, e tanto se parece com a pele do animal quanto com as folhas da planta, ou com algum produto semelhante da natureza. E não é frágil como o vidro; não é tecido como o pano; mas possui fibra e não fios separados, à maneira das matérias naturais; entre as maté­rias artificiais não se encontra nenhuma semelhante: bem por isso trata-se de uma instância monádica. Entre as substâncias artificiais, devem preferir-se as que mais se aproximam da natureza, em caso contrário devem ser preferidas as que a dominam e, com vigor, modificam-na.
     Entre as instâncias de engenho ou da mão do homem, não devem ser desprezados a prestidigitação e os jogos de destrezas; muitos deles, mesmo sendo de uso superficial e como diversão, podem propi­ciar informações úteis. Finalmente, não podem também ser omitidas as coisas supersticiosas e mágicas (no sentido vulgar da palavra). Ainda que se trate de coisas recobertas de uma pesada massa de men­tiras e de fábulas, mesmo assim devem ser observadas para se verifi­car, mesmo por acaso, alguma operação natural. Referimo-nos a fatos como o do ilusionismo ou do fortalecimento da imaginação, ou da simpatia das coisas a distância, o da transmissão de um espírito a outro, como de um corpo a outro, e fatos semelhantes.[176]
XXXII
     De tudo que foi dito antes, fica claro que as cinco instâncias de que tratamos (a saber: instâncias conformes, instâncias monádicas, instâncias desviantes, instâncias limítrofes e instâncias de potestade) não devem ficar guardadas até que se estude uma natureza adequada (como deve ser feito com as outras instâncias propostas e com outras que vêm a seguir); ao contrário, deve-se imediatamente fazer uma coleção delas como uma espécie de história particular, pois servem para digerir as coisas que penetram no intelecto e para corrigir a pró­pria constituição do intelecto, que não está infenso à perversão e à deformação nas suas incursões cotidianas e rotineiras.
     Essas instâncias devem ser utilizadas como uma espécie de remédio preparatório para retificação e purificação do intelecto. Pois tudo o que afasta o intelecto das coisas habituais aplaina e nivela a sua superfície para a recepção da luz seca e pura das noções verdadeiras.
     Além disso, essas instâncias abrem e preparam o caminho para a parte operativa; como diremos no lugar próprio quando tratarmos das deduções para a prática.[177]
XXXIII
     Entre as instâncias prerrogativas, colocamos em décimo pri­meiro lugar as instâncias de acompanhamento e as instâncias hos­tis,[178] a que costumamos também chamar de instâncias das proposi­ções fixas. São essas instâncias que revelam algum corpo ou matéria, com o qual a natureza investigada sempre se apresenta como com uma companheira inseparável; mas do qual, por seu turno, a natureza se afasta sempre e procura exclui-lo como estranho e inimigo. A par­tir de tais instâncias formam-se proposições certas e universais, afirmativas ou negativas, nas quais o sujeito será o referido objeto con­creto e o predicado a própria natureza investigada. As proposições particulares não são de modo algum fixas; em vista disso a natureza investigada se encontra, fluida e móvel, em um corpo concreto ou assentada em condições de ser adquirida ou se interrompe e é deposta. Por isso, deve ser lembrado que as proposições particulares não têm maior prerrogativa, com exceção dos casos de migração de que antes já falamos.[179] Apesar disso, as proposições particulares, confrontadas e comparadas com as universais, são de grande ajuda, como mais adiante diremos. Contudo, nessas proposições universais já não se requer uma afirmação ou negação absolutas, pois são suficientes para o seu uso, ainda que haja alguma rara exceção.
     O uso das instâncias de acompanhamento é o delimitar a investigação afirmativa da forma. Como as instâncias migrantes delimitam a investigação afirmativa da forma, estabelecendo como condição necessária que a forma seja qualquer coisa que por qualquer ato de migração se adquire ou se perde, assim também, as instâncias de acompanhamento estabelecem como condição necessária que a forma seja qualquer coisa que penetre a concreção do corpo, ou que dela se afaste. Em vista disso, quem conhece bem a constituição ou esquema­tismo de um corpo não estará muito longe de trazer à luz a forma da natureza investigada.
     Por exemplo, suponha-se que a natureza investigada é o calor; instância de acompanhamento é a chama. Na água, no ar, na pedra, no metal e em muitíssimos outros corpos, o calor é móvel e pode ou não se exercer, mas toda chama é quente e o calor é sempre encontrado na concreção da chama. Mas entre nós não se encontra qualquer instância hostil ao calor. Os nossos sentidos não conhecem com segurança a temperatura das entranhas da terra, mas de todos os corpos conhecidos não há qualquer concreção que não seja suscetível de calor.
     Suponha-se, agora, que a natureza a ser investigada seja da consistência; instância hostil é o ar. De fato, o metal pode ser fluido e pode ser consistente; igualmente o vidro; e até a água pode se tornar sólida quando gela; mas é impossível que o ar se torne consistente e perca a sua fluidez.
     Restam-nos duas observações ou advertências sobre as instâncias dessas proposições fixas, que são de utilidade para o nosso trabalho. A primeira é a de que, se falta completamente a universal afirmativa ou negativa, com cuidado nota-se como não existente; tal como fize­mos com o calor, no qual falta uma universal negativa (pelo que se conhece) na natureza das coisas. Assim, se a natureza investigada é o eterno ou o incorruptível, entre nós falta a universal afirmativa, pois não se pode predicar o eterno e o incorruptível de nenhum dos corpos que se encontra sob o céu ou sobre a crosta da terra. A segunda advertência é a de que às proposições universais, tanto negativas quan­to afirmativas, devem juntar-se aquelas instâncias concretas que pare­cem aderir ao que é inexistente, como no caso do calor as chamas muito fracas e que queimam muito pouco; e no da incorruptibilidade, o ouro é o que dela mais se aproxima. Todas essas coisas, de fato, indicam os limites da natureza entre o existente e o não existente e constituem as circunscrições das formas,[180] para que não se despren­dam e ponham-se a vagar fora das condições da matéria.
XXXIV
     Entre as instâncias prerrogativas, colocamos em décimo segun­do lugar as instâncias subjuntivas,[181] a que já nos referimos no afo­rismo anterior e a que costumamos chamar também de instâncias da extremidade ou do termo.[182] Tais instâncias não são úteis apenas se juntas a proposições fixas, mas também por si mesmas e em suas pró­prias propriedades. Indicam, de um modo não obscuro, as dimensões das coisas e as verdadeiras divisões da natureza, o limite até o qual atua a natureza e produz algo, e, enfim, a passagem da natureza a outra coisa. É o caso do ouro em relação ao peso; do ferro em relação à dureza; da baleia em relação ao tamanho dos animais; do cão em relação ao olfato; da inflamação da pólvora em relação à expansão violenta; e coisas semelhantes. Tais coisas se colocam no grau mais elevado, mas não se deve deixar de ter em igual conta as coisas que estão nos graus inferiores mais baixos, como o espírito do vinho em relação ao peso; a seda em relação à suavidade; os vermes da pele em relação ao tamanho dos animais, etc.
XXXIV
     Entre as instâncias prerrogativas, colocamos em décimo terceiro lugar as instâncias de aliança ou de união.[183] São as que confundem e reúnem naturezas consideradas como heterogêneas, e que as divi­sões usuais designam e consideram como tal.
     As instâncias de aliança mostram que as operações e os efeitos que se atribuem como próprios de qualquer das naturezas heterogê­neas pertencem também a outras naturezas heterogêneas. Com isso se comprova que aquela suposta heterogeneidade não é verdadeira ou essencial, nada mais sendo que uma modificação da natureza comum. Bem por isso, são de grande utilidade para conduzir e elevar o inte­lecto das diferenças específicas aos gêneros, e para dissipar as falsas imagens das coisas que constituem a máscara com que a nós se apresentam as naturezas nas substâncias concretas.
     Por exemplo, tome-se para investigação a natureza do calor. Tome-se como completamente consagrada e autorizada a distinção do calor em três gêneros: o calor dos corpos celestes, o calor dos ani­mais e o calor do fogo, e que tais gêneros de calor diferem, entre si, pela própria essência e pela espécie, ou pela natureza específica, sendo dessa forma completamente heterogêneos. Especialmente o calor do fogo se comparado com os outros dois, uma vez que o calor dos animais e dos corpos celestes engendra e reanima enquanto o do fogo destrói e consome. Pertence por isso às instâncias de aliança o conhecido experimento no qual se introduz o ramo de vinha em uma casa onde permanece aceso um foco de fogo, o que faz com que a uva amadureça até um mês antes do que se estivesse fora. Assim, o amadurecimento da fruta ainda presa à árvore pode ocorrer graças ao fogo, quando parecia um efeito reservado à ação do sol. Desde o início o intelecto, deixando de lado a teoria da heterogeneidade essen­cial, dispõe-se facilmente a investigar as verdadeiras diferenças que há na realidade entre o calor do sol e o do fogo, das quais resulta que suas operações sejam tão diversas, embora em si mesmos participem de uma natureza comum.
     As diferenças são em número de quatro. A primeira é a de que o calor do sol, comparado com o calor do fogo, é muito mais leve e moderado; a segunda é de que em qualidade é muito mais úmido, especialmente porque chega até nós através da atmosfera; a terceira (que é a mais importante) é sumamente desigual: quando se aproxima aumenta, quando se distancia diminui, o que contribui muito para a geração dos corpos. Aristóteles com razão assegura que a causa prin­cipal das gerações e das corrupções que ocorrem sobre a superfície da terra reside no curso oblíquo do sol sobre o zodíaco,[184] ocasião em que o calor solar, quer durante a aproximação do dia e da noite, quer durante a sucessão das estações, resulta sempre estranhamente diver­so. Mas Aristóteles não deixa de desfigurar e corromper essa correta sentença, porque, colocando-se como árbitro da natureza, como era de seu feitio, indica, de modo autoritário, como causa da geração a aproximação e como causa da corrupção o distanciamento do sol. Na verdade, a proximidade e o distanciamento do sol, indiferentemente, são causas tanto da geração como da corrupção. Pois a diversidade do calor ajuda tanto a um como a outro processo, enquanto a sua constância serve apenas para a conservação dos corpos. Mas há ainda uma quarta diferença entre o calor do sol e o do fogo e que é muito importante: a de que as operações do sol se desenvolvem durante um lapso bastante longo, enquanto a duração do fogo, atiça­da pela impaciência humana, desenvolve-se e é levada a termo em lapso breve. Porém, se se procura amainar e reduzir o calor do fogo a um grau mais moderado e mais leve de intensidade, o que é possível de muitas maneiras, aspergindo ar úmido para reproduzir a diversi­dade do calor solar, depois de um processo lento (não tão lento como o que ocorre devido às operações do sol, mas mais longo do que o que ocorre comumente pelas operações comuns do fogo), será então observado o desaparecimento de toda a heterogeneidade entre os dois gêneros de calor, e será possível imitar a ação do sol e, até mesmo, em alguns casos, superá-lo com o calor do fogo. Uma outra instância de aliança é a revivescência, colocada em estado letárgico e quase morta pelo frio, graças à ação de um débil torpor do fogo. Daí facilmente se retira a conseqüência de que o fogo tanto serve para restituir a vida aos animais como para sazonar os frutos. Também é célebre a inven­ção de Fracastoro,[185] da ventos a muito quente, que os médicos colo­cam na cabeça dos apopléticos em gravíssimo estado, a qual lhes devolve a vida, colocando em movimento os espíritos animais, comprimidos e sufocados pelos tumores e pelas obstruções do cére­bro. É exatamente como age o fogo sobre a água ou sobre o ar. Ainda, às vezes, o calor do fogo abre os ovos, reproduzindo o próprio calor animal. E há ainda muitos exemplos semelhantes que não são passíveis de dúvida, de que o calor do fogo em muitas ocasiões pode ser substituído eficazmente pelo calor dos corpos celestes e pelo calor dos animais.
     Igualmente, tomem-se para investigação as naturezas do movi­mento e do repouso. Parece haver uma solene diferença, extraída dos arcanos da filosofia, de que os corpos naturais ou giram ou seguem em linha reta, ou ficam em repouso e quietos. Pois pode ocorrer o movimento sem término ou o repouso sem término, ou movimento para o término. Pois bem, o movimento de rotação perene parece ser próprio dos corpos celestes, o repouso ou a quietude parecem perten­cer ao globo terrestre; e os outros corpos que são chamados pesados e leves, colocados fora do seus lugares naturais, movem-se em linha reta no sentido da massa ou agregado dos corpos semelhantes, isto é, leves, para cima, em direção ao sol; os pesados, para baixo em dire­ção à terra. E são belas palavras para serem ditas![186]
     Uma instância de aliança é um cometa qualquer, mesmo dos mais baixos, que, apesar de estar muito abaixo do céu, mesmo assim tem movimento circular. E já foi abandonado o juízo de Aristóte­les,[187] segundo o qual haveria um encadeamento de cometas, ligan­do-os a alguma estrela, o mesmo não acontecendo com os satélites. Não só as suas razões são improváveis como também a experiência mostra o percurso errante e irregular que têm os cometas no céu.
     Outra instância semelhante de aliança sobre esse assunto é o movimento do ar, que nos trópicos (onde os círculos de rotação são mais amplos) gira do oriente para o ocidente.
     E uma outra instância poderia ser o fluxo e o refluxo do mar, se se conseguisse averiguar que as próprias águas têm um movimento de rotação (ainda que débil e lento), do oriente para o ocidente; mas de forma tal que haja um movimento completo duas vezes por dia. Se assim são as coisas, é evidente que o movimento de rotação não se li­mita aos corpos celestes, mas que também se comunica ao ar e a água. Também a propriedade dos corpos leves de tenderem para o alto é duvidosa. Em relação a isso pode-se tomar uma bolha de água como instância de aliança. De fato, quando se introduz ar debaixo da água, aquele sobe rapidamente para a superfície, por um movimento de percussão, como o chama Demócrito,[188] isto é, graças ao próprio golpe da água que desce é que o ar é expelido, e não por alguma força própria. E, quando chega à superfície, o ar é impedido pela própria água de sair rapidamente, pois, mesmo que a resistência da água seja muito débil, ela não suporta com muita facilidade a interrupção da sua continuidade, por mais forte que seja o impulso do ar no sentido das regiões superiores.
     Tome-se igualmente para a investigação a natureza do peso. A distinção, comumente aceita, é a de que os corpos densos e sólidos movem-se em direção ao centro da terra e os corpos leves e tênues em direção aos céus, como seus lugares naturais. Mas tal opinião (ainda que bem aceita nas escolas), de que os lugares têm alguma força, é inteiramente estúpida e pueril. Provoca o riso dos filósofos que afir­mam que, se a terra fosse perfurada, os corpos pesados parariam ao chegar ao centro. Na verdade seria uma grande força do nada, ou de um ponto matemático, a de atrair para si os corpos, ou o que se quei­ra! Um corpo só pode ser afetado por um outro corpo e a tendência a subir e a descer está ou no esquematismo que se move ou no seu consenso ou simpatia com um outro corpo. E, se se encontrasse um corpo denso e sólido que caísse para a terra, estaria já refutada essa distinção. Mas se se aceita a opinião de Gilbert [189] de que a força magnética da terra para atrair os corpos graves não vai além da órbita de sua atividade (pois ela atua sempre até uma certa distância e não mais), e se se pudesse provar isso com algum exemplo, teríamos por fim uma instância de aliança nessa matéria. Contudo, até agora não se observou nenhuma instância certa e evidente a esse respeito. Uma instância próxima é dada pelos caracteres do céu conhecidos dos navegantes do oceano Atlântico a caminho das Índias Orientais ou Ocidentais. Repentinamente vertem os céus tanta água que parece se ter formado, nessas alturas, com antecedência, uma porção de água, que ai permaneceu suspensa, e que foi desalojada e arremessada por uma causa violenta, não parecendo dever-se o fenômeno ao movi­mento natural da gravidade. Em vista disso pode-se chegar à conclu­são de que uma massa de matéria densa e compacta, colocada a gran­de distância da terra, continuaria suspensa, como a própria terra, sem cair, a não ser se provocada. Mas não se pode ter muita certeza disso. Deste e de outros exemplos pode-se chegar à conclusão do quanto falta à história natural de que dispomos, pois somos obrigados a servirmo-nos de seus exemplos no lugar de instâncias certas.
     Igualmente, tome-se como exemplo para investigação o discurso da razão.[190] Parece bem fundada a famosa divisão da racionalidade do homem e da instintividade dos animais. Contudo, algumas ações das bestas parecem indicar que elas quase que sabem fazer uso do silogismo. Conta-se, por exemplo, que um corvo, estando quase morto de sede, devido a grande seca, encontrou água na cavidade de um tronco de árvore, e como não pudesse penetrar pela estreita aber­tura, pôde a jogar pedras até que, subindo o nível da água, por fim, pôde matar a sede, passando tal fato a provérbio.[191]
     Da mesma maneira, proceda-se à investigação da natureza do visível. Para não comportar objeções, a distinção entre a luz, que é o meio comum que permite a visão dos objetos, e a cor, que é o meio subordinado, porque não pode surgir sem a luz, da qual parece nada mais ser que uma imagem ou modificação: a respeito, constituem instâncias de aliança, de um lado a neve em grande quantidade, e de outro, a chama do enxofre. No primeiro caso parece haver uma cor primariamente reluzente, no segundo, uma luz em vias de assumir uma cor.
XXXVI
     Entre as instâncias prerrogativas, colocamos em décimo quarto lugar as instâncias cruciais,[192] vocábulo tomado às cruzes que se colocam nas estradas para indicar as bifurcações. Também as costu­mamos chamar de instâncias decisivas e judiciais [193] e, em alguns casos, de instâncias de oráculo e mandato.[194] São elas descritas como se segue. Quando, na investigação de uma natureza, o intelecto se acha inseguro e em vias de se decidir entre duas ou mais naturezas que se devem atribuir à causa da natureza examinada, em vista do concurso freqüente e comum de mais naturezas, em tais situações, as instâncias cruciais indicam que o vínculo de uma dessas naturezas com a natureza dada é constante e indissolúvel, enquanto o das outras é variável e dissociável. A questão é resolvida e é aceita como causa da primeira natureza, enquanto as demais são afastadas e repudiadas. Tais instâncias são muito esclarecedoras e têm uma significativa autoridade. Muitas vezes, nelas termina o curso da investigação ou em muitas outras este é por elas completado. Mas às vezes as instân­cias cruciais aparecem entre as instâncias antes indicadas; mas, em sua maior parte, são buscadas, aplicadas intencionalmente e estabele­cidas com trabalho árduo e diligente.
     Como exemplo para a investigação, tome-se o fluxo e o refluxo do mar, que se repete duas vezes por dia, durante seis horas o fluxo e seis horas o refluxo, com intervalos regulares, e com alguma diferença que coincide com o movimento da lua. Tem-se aí uma bifurcação ou encruzilhada.
     Esse movimento necessariamente é provocado por uma das seguintes causas: ou pelo movimento da água de um lugar para outro, como acontece quando se agita uma vasilha, ou pela subida e descida da água a partir do fundo, como acontece com a água fervente, que sobe borbulhando e depois se acalma. O problema reside em se rela­cionar o fluxo e o refluxo a uma dessas causas. Se é a primeira esco­lhida, segue-se que enquanto há fluxo de um lado do mar em algum outro, ao mesmo tempo, deve haver refluxo. E necessário verificar se isso é verdadeiro. Contudo, as observações feitas por Acosta,[195] ao lado das de outros observadores cuidadosos, testemunham que o fluxo ocorre ao mesmo tempo sobre as costas da Flórida e nas costas do lado oposto, da Espanha e da África, o mesmo ocorrendo com o refluxo. Ao contrário, portanto, do que se poderia esperar, ou seja, havendo fluxo na costa da Flórida teria de haver refluxo nas costas da Espanha e da África. Examinando o assunto mais atentamente, não fica rechaçado o movimento de progressão em favor do movimento de elevação.
     De fato, poderia ocorrer que o movimento de progressão provo­casse, ao mesmo tempo, a inundação das praias opostas de um mesmo leito, como acontece nos rios, quando as águas trazidas de outra parte sobem e baixam em ambas as margens nas mesmas horas. Mas, assim mesmo, trata-se de um movimento de progressão. Desse modo, pode ocorrer que as águas provenientes em grande quantidade do oceano Oriental Indico sejam lançadas no leito do oceano Atlân­tico, provocando a inundação simultânea das praias opostas. O fluxo poderia assim se verificar no mar Austral, que na verdade não é menor que o Atlântico, mas mais largo e extenso.
     Com isso chegamos, finalmente, a uma instância crucial. Se soubéssemos seguramente que, quando ocorre o fluxo nas duas praias opostas da Flórida e da Espanha no Atlântico, o mesmo ocorre no Peru e no dorso da China, no mar Austral, então, essa seria uma ins­tância decisiva que conduziria ao repúdio do movimento progressivo como causa, pois não haveria outro mar ou lugar onde pudesse ocor­rer o retorno ou o refluxo ao mesmo tempo. Tal fato pode facilmente ser verificado através dos habitantes do Panamá e de Lima (onde se localiza o pequeno istmo que separa o oceano Atlântico do Austral), que podem observar se o fluxo e o refluxo ocorrem ao mesmo tempo em uma e outra face do istmo ou não. Esta seria a solução, conside­rando-se a terra como imóvel; mas se a terra gira, poderia ocorrer, de­vido à desigualdade do movimento de velocidade e de aceleração da terra e das águas do mar, que isso provocasse violenta agitação das águas, que seriam arremessadas para o alto, produzindo o fluxo; e que depois, caindo, abandonadas a si mesmas, ocasionariam o reflu­xo. Mas esse seria assunto para outra investigação. Porém, deve ficar assentado que, se ocorre o fluxo em algum lugar, há necessidade de que em algum outro ocorra o refluxo ao mesmo tempo.
     Semelhantemente, tome-se como objeto de investigação a natu­reza do movimento que acabamos de supor, ou seja, o movimento marinho de subida e de descida das águas, para que se possa (depois de um diligente exame) rechaçar o mencionado movimento progres­sivo. Deparamo-nos, então, com uma trifurcação. É necessário que este movimento, graças ao qual as águas sobem e descem, sem o con­curso do impulso das águas de outro mar, ocorra de uma dessas três maneiras seguintes. Que tal quantidade de água surja das entranhas da terra e para elas de novo se recolha; ou que não haja qualquer quantidade maior de água, mas que as mesmas águas, sem aumentar a sua quantidade, dilatem-se ou rarifiquem-se a ponto de ocupar maior espaço e dimensão, e depois se contraiam para o volume ini­cial; ou que não haja aumento nem de quantidade e nem de extensão, mas que as mesmas águas (tal como são em quantidade, densidade e rarefação) subam e depois desçam em razão de uma força magnética que as atrai para o alto e por simpatia. Assim, deixando de lado os dois primeiros movimentos, vamos restringir a questão (se assim se desejar) a este último movimento, procurando investigar se há a ele­vação por consenso, simpatia ou força magnética.[196] Em primeiro lugar, é manifesto que a totalidade das águas contidas no vão do mar não se pode elevar de uma vez, por falta de algo que a substitua no fundo; se houvesse nas águas uma tendência nesse sentido, ela seria reprimida e interrompida pela força de coesão das coisas ou (como se diz vulgarmente) para se evitar a produção do vazio. Em conseqüência, o que resta é que as águas se elevam de um lado e de outro diminuem e abaixam. Donde, também, a necessidade de que a força magnética, não podendo exercer-se sobre o todo, atua mais intensa­mente no centro, de maneira a atrair as águas que se elevam e deixam livres e descobertas as praias.
     Chegamos, com isso, a uma instância crucial sobre esse assunto, e que é a seguinte: se se descobrir que no refluxo a superfície do mar é mais arqueada e redonda, elevando-se as águas no centro do mar e retirando-se das praias; enquanto que no fluxo a superfície é mais plana e lisa, voltando as águas à sua posição anterior; então, em virtude dessa instância decisiva, pode ser aceita a força magnética como causa das marés; caso contrário, deverá ser inteiramente afasta­da. Esse experimento não deveria apresentar dificuldade se levado a efeito nos estreitos, por meio de sonda, e possibilitaria estabelecer se o mar no refluxo no centro é mais alto, ou seja, mais profundo que no fluxo. É necessário, porém, observar, se este for o caso, que, ao con­trário da opinião corrente, as águas se elevam no refluxo e se abaixam no fluxo, banhando o litoral.
     Da mesma maneira, tome-se para a investigação a natureza do movimento espontâneo de rotação e procure-se verificar especial­mente se o movimento diurno, pelo qual o sol e as estrelas nascem e põem-se diante dos nossos olhos, corresponde a um verdadeiro movi­mento de rotação daqueles corpos celestes, ou trata-se de um movi­mento aparente causado pelo movimento da terra. Instância crucial a respeito poderia ser a seguinte: se se puder constatar sobre o oceano um movimento de oriente a ocidente, mesmo muito fraco; se tal movi­mento parece um pouco mais rápido no ar, especialmente entre os tró­picos, onde é mais perceptível pela maior amplitude da volta, se se torna ainda mais vivo e visível nos cometas mais próximos da terra; se também aparece nos planetas com intensidade crescente, propor­cional à sua distância da terra, tornando-se muito veloz no céu estre­lado; então se estabelecerá como certo que o movimento diurno é pró­prio do céu e se o recusará à terra; pois tornar-se-á claro que o movimento de oriente a ocidente pertence aos céus, na sua universali­dade, e diminui aos poucos à medida que se distancia das alturas do céu, finalmente se interrompendo com a terra imóvel.[197]
     Da mesma maneira, tome-se para a investigação o movimento de rotação que é difundido entre os astrônomos, que vai no sentido contrário ao do movimento diurno, isto é, de ocidente a oriente; movi­mento que os astrônomos antigos atribuíam aos planetas e ao céu estrelado, mas Copérnico e seus seguidores também o atribuem à terra. Observe-se desde logo se se encontra na natureza um movi­mento desse tipo, ou se foi suposto e estabelecido pela comodidade e pela brevidade dos cálculos científicos, ou seja, para explicar os movimentos celestes com círculos perfeitos. Contudo, não se pode provar que se encontre, nas regiões celestes, um verdadeiro movimento desse gênero; nem pelo fato de que o movimento diurno num planeta não retorna ao mesmo ponto do céu estrelado, nem com a posição diversa dos pólos do zodíaco em relação ao da terra, que são os dois caracte­res pelos quais esse movimento se nos apresenta. O primeiro fenô­meno pode muito bem ser explicado pelo adiantamento do céu estre­lado que deixa para trás os planetas, o segundo pelas linhas espirais, de modo a haver desigualdade no retorno dos planetas e a sua inclina­ção no sentido dos trópicos pode ser antes modificação do movimento único diurno, que movimentos recalcitrantes em volta de pólos diver­sos. E é mais do que certo que aos sentidos esse movimento se apre­senta exatamente na forma que indicamos, sempre que queremos contemplar um pouco o céu com olhos de leigo, sem nos dar conta do que dizem os astrônomos e as escolas, que com freqüência ambicionam contradizer injustamente os sentidos, preferindo o que é mais obscu­ro, O sentido do movimento, antes, já representamos como fios de ferro como em uma máquina.
     Instância crucial nesse assunto poderia ser a seguinte: se em al­guma história fidedigna for indicado um cometa, mais alto ou mais baixo, que não tenha girado de acordo com o movimento diurno (ainda que de forma irregular), mas que tenha tomado uma direção contrária, então, com certeza, poder-se-á estabelecer a realidade daquele movimento. Se, contudo, nada for encontrado de semelhante, será necessário duvidar, e ter-se-á que recorrer a outras instâncias cruciais a respeito do assunto.
     Da mesma maneira, tome-se para investigação a natureza do peso e da gravidade. De imediato, apresentam-se duas orientações. Ou os corpos pesados e graves tendem, por natureza, ao centro da terra, isto é, graças ao seu esquematismo; ou são atraídos e arrasta­dos pela força da própria massa terrestre, como por efeito de agrega­ção dos corpos de igual natureza e a ela levados pelo consenso. Se se tomar por verdadeira a segunda hipótese, segue-se que quanto mais os graves se aproximam da terra tanto maiores são a força e o ímpeto com que são impelidos para ela; enquanto, quanto mais se distanciam tanto mais fraca e lenta torna-se essa força, exatamente como acon­tece na atração magnética. Por outro lado, a atração deve ocorrer a partir de uma certa distância, senão o corpo se distanciaria da terra a ponto de fugir ao seu influxo e permaneceria suspenso como a própria terra, sem nunca cair.[198]
     A respeito desse assunto, poderia ser a seguinte a instância cru­cial: seja o caso de dois relógios, um dos quais movido por contra­peso de chumbo, outro movido por compressão de uma mola de ferro; verifique-se se um é mais veloz que o outro; coloque-se o primeiro no ápice de algum templo altíssimo, tendo antes sido regulado com o outro de forma a funcionarem de modo correspondente, deixando o outro embaixo; isso para se verificar cuidadosamente se o relógio colocado no alto se move mais devagar em vista da menor força de gravidade. A experiência deve ser repetida com a colocação do reló­gio nas profundezas de alguma mina situada muito abaixo da super­fície da terra, para ser verificado se ele se move mais velozmente que antes, em razão de maior força de atração. Se se verificar que efetiva­mente o peso dos corpos diminui com a sua colocação no alto e que aumenta embaixo, quando mais próximos do centro da terra, então estará estabelecido que a causa do peso é a atração da massa terrestre.
     Da mesma maneira, tome-se para investigação a natureza de polaridade que tem a agulha de ferro quando tocada pelo magneto. A explicação a respeito de tal natureza se bifurca na ordem seguinte: é necessário que seja o magneto que comunique à agulha a sua capaci­dade de se voltar para o pólo; ou que o ferro simplesmente seja exci­tado e predisposto pelo magneto, mas que o movimento em si mesmo tenha sido causado pela presença da terra; é o que Gilbert afirma e procura demonstrar com muitos exemplos. Pois para isso tendem as observações que levou a efeito com muita perspicácia e que foram por ele colecionadas. Uma é a de que um cravo de ferro que tenha perma­necido por muito tempo na posição norte-sul adquire uma tendência à polaridade, sem ter sido tocado pelo magneto; como se a própria terra, que pela sua distância atua muito debilmente (estabelece Gil­bert que de fato a superfície ou crosta terrestre é desprovida de força magnética), apesar disso, fosse capaz de substituir o toque do magne­to da excitação do ferro, pela longa permanência e depois de excitado ser capaz de dirigi-lo e voltá-lo no sentido do pólo. A outra explica­ção é a de que o ferro vermelho ou branco de calor colocado a esfriar na direção dos pólos, contrai a capacidade de para ele voltar-se sem o contato do magneto; como se as partes do ferro colocadas em movi­mento pelo fogo, quando de sua retração à posição original, isto é, durante o processo de esfriamento, fossem mais aptas e mais sensíveis à virtude emanada pela terra, permanecendo excitadas. Mas tais observações, embora cuidadosas, não chegam a provar de fato o que ele sustenta.
     A propósito desse assunto, poderia ser a seguinte a instância cru­cial: tome-se um magneto esférico como a terra. Assinalados os seus pólos, voltem-se-nos, não a norte e a sul, mas a oriente e a ocidente, mantendo-o nessa posição; sobre ele coloque-se depois uma agulha de ferro, ainda não tocada pelo magneto, assim permanecendo durante seis ou sete dias. A agulha, depois de colocada sobre o magneto, perde contato com os pólos do mundo, tornando seus os do magneto (sobre isso não há qualquer dúvida); por isso, enquanto permanece nessa posição, volta-se a oriente e ocidente do mundo; mas se a agu­lha tirada do magneto e colocada sobre um eixo voltar-se na direção do eixo da terra subitamente ou se tomar essa posição pouco a pouco, pode-se dizer, sem dúvida, que a causa é a presença da terra; mas se a agulha se voltar como antes, na posição oriente-ocidente, ou perder sua capacidade de apontar para os pólos, se isso ocorrer, considere-se a causa como duvidosa e prossiga-se na investigação.
     Da mesma maneira, tome-se para investigação a substância cor­pórea que forma a lua, a fim de se verificar se se trata de uma subs­tância tênue, feita de fogo ou de ar, como muitos dentre os primeiros filósofos acreditaram; ou se é sólida, consistente, como Gilbert e mui­tos modernos e não poucos dentre os antigos asseveram. As razões desta última opinião residem sobretudo no argumento da reflexão dos raios solares por parte da lua, porque não parece possível uma tal reflexão a não ser nos sólidos. A respeito desse assunto, poderiam ser (se é que as há) instâncias cruciais todas as que demonstram a possi­bilidade de haver reflexão em um corpo tênue como a chama, mas com espessura suficiente. Entre outras, uma das causas do crepúsculo é a reflexão dos raios do sol na região superior do ar. Em tardes cal­mas pode-se, às vezes, observar os raios solares refletidos nas bordas das nuvens radiosas, de resplendor não menor, mas até mais brilhante e mais majestoso que o proveniente do corpo da lua. E, contudo, não se tem prova de que tais nuvens encerrem um corpo denso de água. Vê-se também que o lume da vela, à noite, reflete-se na escuridão de fora da janela, como se se tratasse de um corpo sólido. Poderia ser tentado o experimento de se fazerem passar os raios do sol por um furo sobre uma chama azulada. É sabido que os raios solares, inci­dindo a céu aberto sobre uma chama não muito clara, ofuscam-na a ponto de parecer mais uma fumaça branca que uma chama. Essas são as instâncias cruciais que ora ocorrem a propósito do assunto em questão, mas certamente se podem encontrar outras e melhores. Mas, em qualquer caso, deve-se considerar como estabelecido que apenas a chama de uma determinada espessura é capaz de refletir os raios; em caso contrário, eles se desvanecem na transparência. E tenha-se como certo que um raio luminoso, caindo sobre um corpo plano, ou é refle­tido para trás ou é recebido e enviado para outro lado.
     Da mesma maneira, tome-se para investigação a natureza dos corpos projetados ao ar, como dardos, flechas e balas. Os escolás­ticos, segundo o seu costume, tratam esse movimento com muita negligência, satisfazendo-se com dizer que é um movimento violento, mas distinto daquele que chamam de movimento natural. Descartam o problema da causa ou do primeiro impulso dado nesse movimento refugiando-se no axioma que diz que “dois corpos não podem estar no mesmo lugar sem se penetrarem”. E não se preocupam com o modo de se desenvolver desse movimento. E, a propósito dessa ques­tão, tem-se a bifurcação seguinte: esse movimento, ou é produzido pelo ar que atua sobre o corpo arremessado, como a correnteza sobre o casco da nave ou vento sobre a palha; ou é produzido pelas partes do corpo, que, não podendo agüentar a violenta pressão, lançam-se sucessivamente à frente para dela se libertarem. Com a primeira solu­ção está Fracastoro [199] e quase todos os outros que estudaram a fundo o assunto. Não há dúvida de que o ar toma parte, e muito, nesse movimento, mas há infinitos experimentos que confirmam a segunda como verdadeira causa. Entre outras, poderia se constituir na instância crucial do assunto a seguinte: uma lâmina ou um arame de ferro um pouco resistente, ou uma pena de ave, encurvados, por pres­são do dedo polegar e do indicador, que em tal circunstância saltam bruscamente. E claro que esse fenômeno não resulta do ar que se reúne atrás do corpo em movimento, porque o ponto preciso em que o movimento se manifesta é o centro e não a extremidade.
     Da mesma maneira, tome-se para investigação a natureza do movimento súbito e violento de expansão, que é provocado pela pól­vora, graças à qual massas tão grandes são levantadas e pesos tão consideráveis são arremessados como se observa nas grandes minas e nos canhões. Eis a bifurcação a respeito dessa natureza: o movimento ou é produzido por mero desejo do corpo em expandir-se, logo que pega fogo ou é produzido pelo desejo misto do espírito cru [200] em fugir rapidamente do fogo, pelo qual é circundado, e por isso escapa violentamente como de um cárcere. Os escolásticos e a opinião vulgar só conhecem a primeira causa e acreditam estar fazendo boa filosofia dizendo que a chama eclode em virtude da própria forma de seu ele­mento, na sua necessidade de se expandir para ocupar um espaço maior do que o que ocupava o corpo quando se encontrava sob a forma de pólvora, e que daí advém aquele movimento. Não pensam, no caso, que se isso fosse verdadeiro poder-se-ia impedir a chama com corpo que tivesse uma massa capaz de comprimi-la e sufocá-la, e, assim sendo, não haveria a necessidade do que falamos. Estão cor­retos ao pensar que se se produz a chama é necessário que se produza uma expansão e que daí segue-se uma explosão ou a remoção do corpo que se opõe. Mas tal necessidade será evitada se a massa do corpo pesado chegar ao ponto de sufocar a chama antes que se produ­za. Observa-se que a chama, especialmente no seu início, é débil e leve, e requer uma cavidade na qual se possa exercitar e ganhar for­ças. Com efeito, não se pode atribuir à chama, tomada isoladamente, qualquer força extraordinária. Mas é verdade que as chamas explosi­vas, ou seja, os ventos inflamados, são produzidas pelo contraste de dois corpos que possuem naturezas contrárias, completamente infla­mável um, como é o caso do enxofre; e não inflamável outro, como é o caso do nitro; daí se produzindo um violento contraste (uma vez que o terceiro corpo, isto é, o carvão de sálcio, não tem outra função que a de amalgamar e juntar os outros dois corpos), tendendo o enxo­fre, a todo custo, a se inflamar, e procurando subitamente o espírito do nitro fugir com toda força e, ao mesmo tempo, se dilatando (como o fazem também o ar, a água e todas as demais substâncias cruas que se dilatam pelo calor), e nessa fuga, unida à erupção, alimenta-se de todos os lados a chama do enxofre, como por meio de foles ocultos.
     De dois tipos podem ser as instâncias cruciais a respeito. Uma é oferecida pelos corpos que são inflamáveis ao máximo, como o enxo­fre, a cânfora, a nafta e semelhantes, como também os seus compos­tos. São mais aptos e mais fáceis de se inflamarem que a pólvora, se não são impedidos; o que demonstra que a simples tendência para se inflamar não é suficiente para a produção daquele espantoso efeito. A segunda é oferecida pelos corpos infensos à chama e que a incomo­dam, como é o caso de todos os sais. Estes, jogados no fogo, emitem um espírito aquoso com peculiar ruído antes de se inflamarem; o mesmo, mas menos intensamente, acontece com as folhas, ainda não completamente secas, que se liberam da parte aquosa antes de pega­rem fogo. Esse fenômeno observa-se ainda no mercúrio, que não de todo mal é chamado de água mineral. O mercúrio, realmente, sem se inflamar só com a explosão e a expansão, quase se iguala à pólvora; e a ela misturado diz-se que multiplica a sua violência.
     Da mesma maneira, tome-se como objeto de investigação a natu­reza transitória da chama e a sua extinção momentânea. Com efeito, parece a nós, que a natureza da chama não se fixa, nem adquire consistência, e que se renova a cada instância e continuamente se vai extinguindo. E, de fato, manifesto que, nas chamas que persistem e duram, tal duração não é a continuação ininterrupta de uma mesma determinada chama, mas sucessão de chamas novas, que se engen­dram em série e, na verdade, não permanecem idênticas em nenhum momento; como se depreende do fato de sua súbita extinção, se se corta o sebo ou o alimento. E, a respeito, defrontamo-nos com a seguinte bifurcação: ou a duração momentânea deriva da interrupção da causa que engendra a chama, como acontece com a luz, os sons, os movimentos tidos por violentos; ou a chama é levada a persistir pela sua natureza, mas é afetada e destruída pelas naturezas contrárias.
     A tal respeito a instância crucial poderia ser a que segue. Nos grandes incêndios notam-se chamas altas; tanto mais altas quanto maior a área incendiada. A causa da extinção parece situada nas bor­das dos lados, onde a chama parece reprimida e combatida pelo ar. Mas as chamas do meio, não circundadas pelo ar mas unicamente por outras chamas, permanecem idênticas e não se extinguem, até que o ar se acerque e acabe por ocupar, pouco a pouco, toda a área. Isso faz com que a chama se assemelhe a uma pirâmide, mais ampla na base, onde está o alimento, e mais estreita no vértice, onde o ar a combate. A fumaça, ao contrário, é mais estreita na base, aumentando depois, formando uma espécie de pirâmide invertida; isso porque o ar acolhe o fumo e comprime a chama. Ninguém pode supor que a chama acesa seja feita de ar, uma vez que são dois corpos, sem dúvida, heterogêneos.
     Uma instância crucial mais acurada poderia ainda ser a da chama de duas cores. Coloque-se no fundo de um recipiente de metal uma pequena vela acesa; coloque-se o recipiente em uma vasilha e jogue-se em volta espírito de vinho em quantidade suficiente para alcançar a borda da vasilha; a seguir acenda-se o espírito de vinho. A sua chama será mais azulada e a da vela mais amarelada (como as chamas, ao contrário dos líquidos, não se fundem rapidamente, será fácil observar a diferença das cores). Nota-se, então, se a chama da vela permanece em forma piramidal ou tende mais para a forma de um globo, desde que não haja nada que a destrua ou constranja. Se assume a forma de um globo, é necessário tomar-se por certo que ainda dura a mesma chama, mesmo inserida na outra e dessa maneira protegida de força contrária do ar.
     E aqui deixamos as instâncias cruciais. Foram tratadas um pouco longamente para, aos poucos, habituar a mente humana a jul­gar por seus próprios meios e segundo experimentos lucíferos, e não a partir de razões prováveis.[201]
XXXVII
     Entre as instâncias prerrogativas, colocamos em décimo quinto lugar as instâncias de divórcio,[202] que indicam a separabilidade de naturezas que em grande parte se encontram juntas. Diferem das instâncias que se ligam às instâncias de acompanhamento [203] pelo fato de que estas indicam a separabilidade de uma natureza de um corpo concreto, que parece familiar, ao passo que as de divórcio indi­cam a possibilidade de separação de uma natureza de outra natureza. Diferem também das instâncias cruciais porque nada determinam, apenas se limitam a indicar a separabilidade de uma natureza de outra. Servem para a indicação de formas falsas e para refutar espe­culações levianas, nascidas de coisas óbvias; constituem uma espécie de peso ou lastro para o intelecto.[204]
     Por exemplo, tomem-se para a investigação as quatro naturezas que Telésio considera como companhias indivisíveis (ou insepará­veis)[205] e da mesma morada, que são as do calor, da luz, da tenui­dade e da mobilidade ou da prontidão para o movimento. Encon­tram-se entre elas muitas instâncias de divórcio, tais como: o ar é tênue e móvel, mas não quente, nem luminoso; a lua fornece luz, mas não calor; a água fervente é quente, mas não fornece luz; a agulha de ferro, presa a um eixo, é ágil e móvel, embora se trate de um corpo frio, denso e opaco, etc.
     Da mesma maneira, tomem-se para investigação a natureza cor­pórea e ação natural.[206] Parece não poderem ser encontradas, a não ser subsistindo em um corpo natural. Mas há entre elas um grande nú­mero de instâncias de divórcio. Por exemplo, a ação magnética, pela qual o ferro é atraído pelo magneto e os corpos pesados pelo centro da terra. Podem-se também acrescentar algumas outras operações a distância. Tal ação atua no tempo, em momentos sucessivos, e em um instante, no espaço, por graus e distâncias. Há, pois, um momento no tempo e um intervalo no espaço no qual essa virtude ou ação perma­nece em suspenso entre os dois corpos que provocam o movimento. O problema fica, assim, colocado nos seguintes termos: os dois corpos que são os termos do movimento dispõem ou modificam os corpos intermediários de modo a passar a virtude, insensivelmente, de um termo a outro, por uma série de contatos reais, não deixando de sub­sistir, nesse entretempo, no corpo intermediário, ou nada se passa entre os dois corpos além da troca da sua virtude através do espaço. Em todo caso, através dos raios luminosos, dos sons e através de ou­tras virtudes que atuam a distância, é possível que os corpos interme­diários sejam dispostos e alterados, tanto mais que se exige um meio adequado para levar a cabo a operação, como vetor da força atuante. Mas a virtude magnética, ou de união dos corpos, admite indiferente­mente qualquer corpo intermediário e a força não é por ele impedida, qualquer que seja a sua natureza. Se, pois, essa virtude ou ação não tem necessidade de nenhum corpo intermediário, segue-se que se trata de uma virtude ou ação natural que, por algum tempo e em algum lugar, subsiste sem corpo, uma vez que não subsiste num dos corpos terminais nem nos intermediários. Em vista disso, a ação magnética pode ser considerada uma instância de divórcio entre a natureza cor­pórea e a ação natural. Pode-se acrescentar como corolário ou vanta­gem, a não ser desprezado, o seguinte: mesmo quem faz filosofia segundo os sentidos [207] pode encontrar a prova da existência de entes ou substâncias separadas e incorpóreas. Com efeito, se uma virtude ou ação natural, que emana de um corpo, pode subsistir, por algum tempo, em algum lugar, separada do corpo, pode ser também que na sua origem possa emanar de uma substância incorpórea. E isso con­tra a opinião de que compete à natureza corpórea não apenas a conservação e a transmissão da ação natural mas também a sua esti­mulação e produção.
XXXVIII
     Seguem-se cinco ordens de instâncias a que costumamos cha­mar, com o mesmo termo genérico, de instâncias de lâmpada ou de primeira informação,[208] pelo socorro que prestam aos sentidos. Toda interpretação da natureza começa pelos sentidos e, das percep­ções dos sentidos e por uma via direta, firme e segura alcança as percepções do intelecto, que constituem as noções verdadeiras e axio­mas. Em vista disso, quanto mais copiosas e exatas forem as repre­sentações e provisões dos sentidos necessariamente tanto mais felizes e fáceis serão os resultados finais.
     Dentre os cinco tipos de instâncias de lâmpada, o primeiro revi­gora, amplia e retifica as ações imediatas dos sentidos; o segundo torna sensível o que não é diretamente sensível; o terceiro indica os processos continuados ou séries de coisas e de movimentos que (em sua maioria) apenas são notados ao seu final ou periodicamente; o quarto fornece matéria aos sentidos, quando o objeto se encontra completamente ausente; o quinto estimula a atenção dos sentidos, a sua vigilância e ao mesmo tempo limita a sutileza das coisas. Tratare­mos, a seguir, de cada um deles.
XXXIX
     Entre as instâncias prerrogativas, colocamos em décimo sexto lugar as instâncias deporta ou entrada.[209] Com esse nome indicamos as instâncias que ajudam as ações imediatas dos sentidos. A vista é manifestamente dos sentidos o mais importante para a investigação, daí ser importante procurar proporcionar-lhe ajuda. Estas podem ser de três espécies: as que podem possibilitar-lhe perceber o que é invisí­vel; as que lhe possibilitam ver mais longe; as que lhe permitem perce­ber mais exata e distintamente.
     Do primeiro gênero são (deixando de lado os óculos e similares, que apenas servem para corrigir e atenuar a insuficiência da vista ou a má conformação do órgão e, por isso, não nos oferecem nada de novo) as lentes recentemente inventadas [210] que revelam as minúcias invisíveis e latentes dos corpos, seus ocultos esquematismos e delica­dos movimentos, com um considerável aumento das imagens. Com esse concurso, distinguem-se, não sem espanto, a figura do corpo, os seus delineamentos, como também as cores e os movimentos antes invisíveis da pulga, da mosca e dos vermes. Diz-se que uma linha reta traçada com lápis ou pena, através dessas lentes, parece desigual e torta, pois nem os movimentos da mão, ajudados pela régua, nem a tinta ou a cor são realmente iguais, embora tais diferenças sejam tão minúsculas que não podem ser percebidas sem o auxílio dessas lentes. Os homens, a tal respeito, logo fizeram a observação supersticiosa (como ocorre com todas as coisas novas e estranhas) de que aquelas lentes iluminam as obras da natureza, mas deturpam as da arte, O que demonstra somente o seguinte: que as estruturas naturais são muito mais sutis que as da arte. De fato, aquelas lentes só servem para as coisas diminutas; e se as tivesse conhecido Demócrito, ter-se-ia ale­grado muito, pensando ter encontrado a forma de ver os átomos, que ele considerava invisíveis.[211] Mas elas só são de utilidade em relação aos corpos pequenos. Se servissem para observar corpos grandes ou partes pequenas desses para fazerem ver, por exemplo, o tecido da tela como uma rede ou as particularidades ou irregularidades das pe­dras preciosas, dos líquidos, da urina, do sangue, dos ferimentos e muitas outras coisas, em tais casos se constituiriam em grande vantagem.
     Do segundo gênero são as lentes inventadas com admirável esforço por Galileu,[212] por meio das quais é possível entrar em mais estreito contato com os corpos celestes, como o fazem as naves nas instâncias marítimas. Por seu intermédio sabemos que a Via Láctea não é mais que um aglomerado de pequenas estrelas, distintas em nú­mero e natureza, fato de que os antigos mal suspeitaram. Por seu intermédio fica demonstrado que os espaços dos chamados mundos planetários não estão vazios de outras estrelas, mas que o céu começa a se tornar cheio de estrelas antes do próprio céu estrelado; embora se trate de estrelas menores, invisíveis sem esses instrumentos. Por eles pode-se observar o movimento de rotação das pequenas estrelas em torno de Júpiter, o que nos leva a supor a existência de vários centros dos movimentos estrelares. Por seu intermédio, podem-se observar e determinar claramente as diversas zonas de luz e de sombra da lua; bem como se torna possível uma descrição aproximada de seu corpo.[213] Por seu intermédio, descobrimos, também, as manchas solares e coisas semelhantes. Trata-se, sem dúvida, de descobertas notáveis, se se puder dar crédito a tais demonstrações. Mas estas são tanto mais passíveis de suspeita quanto o experimento se atém a esses poucos descobrimentos e por seu intermédio não foram descobertas outras coisas igualmente dignas.
     Do terceiro gênero são os bastões usados para medir as superfí­cies, os astrolábios e outros instrumentos semelhantes próprios para dirigir e retificar, mas não ampliar, a vista. As outras instâncias, que servem de auxílio aos outros sentidos, em suas operações imediatas e particulares, se não aumentam a sua capacidade de percepção, nada dizem ao nosso propósito. Por isso, não nos ocuparemos delas.
XL
     Entre as instâncias prerrogativas, colocamos em décimo sétimo lugar as instâncias de citação,[214] vocábulo tomado dos tribunais civis, que citam para comparecimento o que ainda não compareceu, e a que também costumamos chamar de instâncias evocantes,[215] por­que tornam sensível o que antes não o era.
     As coisas escapam aos sentidos devido a várias causas: pela dis­tância em que está colocado o objeto; pela intervenção de outros corpos entre o objeto e os sentidos; pela natureza do objeto não facilitar a sua percepção; pela dimensão muito pequena do objeto, não chegando a impressionar os sentidos; por não haver tempo suficiente para impressionar os sentidos; pela prévia ocupação dos sentidos por outro objeto, não possibilitando nova impressão. Tudo isso se rela­ciona principalmente com a vista e um pouco com o tato, que são os sentidos mais informativos em relação a tais objetos, enquanto os ou­tros sentidos quase não dão informação, a não ser imediatamente e de objetos que lhes são próprios.
     No primeiro gênero, não há meios de se fazer redução ao sensí­vel, a não ser que a uma coisa que não pode ser vista, em razão da sua distância, se acrescente ou se substitua outra que possa impressionar os sentidos, mesmo de longe: é o caso de quando se faz uso de fogueiras, sinos e coisas semelhantes para se comunicar algu­ma coisa.
     No segundo gênero, pode-se obter a redução ao sensível por meio de alguma coisa que se encontre na superfície de um corpo, e que revele o que se passa em seu interior; isso numa posição em que não é possível a observação direta, em vista da interposição de outras partes do referido corpo, que se não podem remover. E o caso do esta­do geral do corpo humano, que se conhece pelo pulso, pela urina e ou­tros signos semelhantes.
     O terceiro e o quarto gêneros são os mais freqüentes e, por isso, é possível encontrar-se um grande número de exemplos. Assim, o ar, o espírito e coisas semelhantes, que estão em todos os corpos sutis, mas que se não podem ver, nem tocar. Por essa razão, o estudo desses corpos não pode prescindir das deduções.
     Por exemplo, tome-se para investigação a natureza da ação e do movimento do espírito encerrado nos corpos tangíveis. Pois não há corpo tangível sobre a terra que não cubra um espírito invisível, como uma veste. Aí tem origem a tríplice fonte tão admirável e poderosa do processo do espírito em um corpo tangível: se o espírito se desprende, o corpo se contrai e seca; se permanece dentro dos corpos, abranda­-os e os torna fluidos; se não se desprende nem nele permanece por completo, empresta forma, cria membros, assimila, digere, etc.. tornando-se um organismo. Todas essas coisas se manifestam aos sentidos por seus efeitos aparentes.
     Com efeito, em todo corpo tangível e inanimado, começa por se multiplicar, como que se nutrindo das portas tangíveis que são mais fáceis e estão para isso preparadas; assimila-as, consome-as, conver­tendo-as em espírito, e depois escapam juntos. Essa consumação e multiplicação do espírito se torna sensível pela diminuição de peso. Em toda dessecação, efetivamente, ocorre perda de uma parte da quantidade; e isso não tanto pelo espírito que aí antes se encontrava, posto que o espírito por si mesmo não tem peso, mas devido ao pró­prio corpo, que antes era tangível, mas que agora não o é mais. A saída ou emissão do espírito se faz sensível pela ferrugem dos metais e outras putrefações do gênero que ficam em seu início e não chegam ao ponto em que começa a vivificação, e essas coisas pertencem ao terceiro gênero de processo. De fato, nos corpos mais compactos, o espírito não encontra furos ou poros por onde escapar; portanto, vê-se obrigado a empurrar e pressionar as partes tangíveis, de maneira a fazê-las sair juntamente para a superfície, onde formam a ferrugem e incrustações semelhantes. Os sinais sensíveis da contração das partes tangíveis, depois da emissão de parte do espírito (que é a causa da dessecação do corpo), são dados pela sua própria dureza, e mais ainda pelas fendas, gretas, enrugamentos, dobras, etc., que são efeitos que a ela se seguem. Por isso, as partes da madeira arqueiam-se e contraem-se; as peles se enrugam. E não é só isso: sob a ação do fogo, que acelera a emissão do espírito, a contração chega a fazer com que os corpos se dobrem e enrolem.
     Se, ao contrário, o espírito é retido, mas se dilata e se excita pelo calor, e por outras causas (como ocorre com os corpos duros), então os corpos amolecem, como o ferro candente; outros metais se fluidifi­cam, liqüefazem-se, como as resinas, a cera e outras substâncias semelhantes. E as operações contrárias do calor, endurecendo certos corpos e liquefazendo outros, conciliam-se facilmente ao ser levado em conta que no endurecimento o espírito se evapora, na liquefação é agitado, mas retido no corpo; é que, enquanto a liquefação é ação própria do calor e do espírito, o endurecimento é ação das partes tangíveis motivada pela saída do espírito.
     Mas quando o espírito não está nem completamente retido nem completamente desprendido, mas apenas faz esforços e tentativas na sua prisão corpórea, e se depara com as partes tangíveis que lhe são obedientes e inclinadas a acompanhar as suas operações e de fato o seguem, disso resulta a formação do organismo, com seus membros e demais ações vitais, quer animal, quer vegetal. Tal desenvolvimento pode ser tornado sensível especialmente com a cuidadosa observação dos primeiros movimentos e das primeiras manifestações ou nas ori­gens da vida, nos animálculos que nascem da putrefação, como, por exemplo, os ovos das formigas, vermes, moscas ou rãs que surgem de­pois da chuva, etc. Para lhes dar a vida, é necessário um calor tênue e uma certa viscosidade da matéria, para que o espírito não escape e para que a rigidez das partes não lhe ofereça excessiva resistência e possa plasmá-las e modelá-las como à cera.
     Outra diferenciação do espírito, respeitável e de freqüente aplica­ção (ou seja, interrompido, ramificado e, ao mesmo tempo, ramifi­cado e celulado,[216] sendo o primeiro o espírito de todos os corpos inanimados, o segundo o dos vegetais, o terceiro o dos animais). Tam­bém essa diferenciação pode ser colocada diante dos olhos, por várias instâncias de redução.
     É evidente que as mais sutis configurações e os esquematismos das coisas (mesmo que os corpos sejam inteiramente visíveis e tangíveis) não se pode nem ver nem tocar. Por isso também aqui a infor­mação procede por redução. Contudo, a diferença fundamental pri­mária dos esquematismos é obtida pela maior ou menor massa de matéria que possa ocupar um mesmo espaço ou dimensão. Os demais esquematismos que consistem na diversidade das partes contidas em um mesmo corpo e na sua diversa colocação ou posição são secundá­rios em comparação com o primeiro.
     Tome-se, pois, para investigação a natureza da expansão ou força de coesão da matéria em relação aos vários corpos, para saber que quantidade de matéria se contém em uma mesma dimensão de cada corpo. Nada há de mais verdadeiro na natureza que a proposi­ção “do nada nada provém” e que a outra sua parceira “nada há que se reduza ao nada”; quer dizer, a quantidade em si da matéria ou a sua soma total permanece inalterada, sem aumentar ou diminuir.[217] E não é menos verdadeiro que “essa quantidade total de matéria se contém, mais ou menos, nos mesmos espaços ou dimensões, conforme a diferente natureza dos corpos”; assim é que a água contém mais, o ar menos; de modo que, se alguém assegurasse que um mesmo volu­me de água pode ser convertido em um volume igual de ar, seria o mesmo que dissesse que se pode reduzir algo a nada; e, no caso inverso, se alguém dissesse que um volume de ar pode ser convertido em um igual volume de água, seria o mesmo que dissesse que se pode produzir algo a partir do nada. É dessa diferente distribuição de maté­ria que se formam os conceitos de raro e denso, usados depois de vá­rias e confusas maneiras. Deve-se também tomar como axioma a asserção bastante acertada: o mais ou o menos da matéria deste ou daquele corpo pode ser reduzido a proporções exatas ou quase exatas por meio de cálculos comparativos. Pelo que não estaria enganado quem dissesse que em um determinado volume de ouro há tal acumu­lação de matéria que o espírito do vinho necessitaria, para igualar tal quantidade de matéria, de um espaço vinte e uma vezes maior que o ocupado pelo ouro.
     A acumulação da matéria e suas proporções se tornam sensíveis pelo peso. O peso, de fato, corresponde à quantidade de matéria em relação às partes de uma coisa tangível, mas o espírito e a sua quanti­dade de matéria não podem ser computados pelo peso, já que o corpo se torna mais leve e não mais pesado. Mas elaboramos com bastante cuidado uma tábua disso, na qual são expostos os pesos e os respec­tivos volumes de cada um dos metais, das principais pedras, das madeiras, dos líquidos, dos óleos e de muitos outros corpos naturais e artificiais. É um verdadeiro policresto, para fornecer tanta luz às informações quanto as normas das operações e que pode levar à des­coberta de muita verdade insuspeitada. E não se deve subestimar o fato de que a referida tábua demonstra que o peso específico dos cor­pos tangíveis observados (referimo-nos aos corpos bem unidos, não os esponjosos, ou cavernosos e em boa proporção cheios de ar) não ultrapassa a relação de vinte para um (um a vinte), já que assim limi­tada é a natureza, pelo menos nos aspectos com que nos preocupamos.
     Sentimos também que o espírito de exatidão de que nos ufana­mos obriga-nos a tentar descobrir uma proporção entre os corpos não tangíveis ou pneumáticos e os tangíveis. E o tentamos da seguinte maneira: tome-se uma ampola de vidro de uma onça de capacidade, aproximadamente, pequena o suficiente para conseguir evaporação com pouco calor; coloque-se quase até o gargalo espírito de vinho (que é o corpo mais rarefeito e o que contém menos quantidade de matéria entre os corpos tangíveis da tábua precedente, pelo menos entre os bem unidos e não cavernosos) e se anote cuidadosamente o peso. Depois disso, pegue-se uma bexiga que contenha uma ou duas pintas;[218] retire-se todo o ar possível da bexiga, até que os seus dois lados se toquem em todas as partes. Antes a bexiga deve ter sido fric­cionada com azeite para tapar todos os poros. A seguir, coloque-se a boca da bexiga em torno do gargalo da ampola, amarrando-o bem, com fios encerados, para melhor vedação. Depois disso, aqueça-se o frasco sobre carvões, em um pequeno forno. Pouco depois, a evapora­ção ou exalação do espírito do vinho, dilatado e tornado pneumático pelo calor, começa a inchar lentamente a bexiga por todos os lados, como uma vela ao vento. A seguir, retire-se o frasco do fogo, colocan­do-o sobre um tapete, para que o resfriamento rápido não o quebre, e faça-se imediatamente um furo na parte superior da bexiga, para evi­tar que o vapor, esfriando, retorne ao estado líquido, atrapalhando os cálculos. Depois disso, desamarre-se a bexiga e pese-se o espírito res­tante na ampola; compare-se o seu peso atual com o inicial, compu­tando-se quanto se transformou em vapor ou se tornou pneumático. Compare-se também o volume da substância, quando em estado de espírito do vinho, com o espaço que ocupou na forma de vapor. Dessa maneira, chegar-se-á ao resultado de que a substância transformada adquiriu um volume e ocupou um espaço cem vezes maior que o volu­me inicial.
     Da mesma maneira, tome-se para investigação a natureza do calor ou do frio; mas em grau bem baixo, a ponto de não serem perce­bidos pelos sentidos: serão tornados sensíveis por meio do termôme­tro, a que antes já nos referimos, O calor e o frio, por si mesmos, não são perceptíveis pelo tato; mas o calor expande o ar e o frio o contrai. E a expansão e a contração, mesmo não sendo perceptíveis pela vista, podem ser observadas na depressão e no levantamento da água pro­duzidos respectivamente pela expansão ou pela contração do ar. Só assim se torna visível, nem antes, nem em outra forma.
     Da mesma maneira, tome-se para investigação a natureza da mistura dos corpos; a saber, quanto de água, de óleo, de espírito, de cinza, e de sais e outras substâncias semelhantes; ou, em particular, investigue-se quanto de manteiga tem no leite, quanto de coágulo, quanto de cera, etc. Tudo isso pode ser tornado sensível por meio de separações competentes e artificiais. Mas a natureza do espírito, por si mesma, não pode perceber diretamente, mas tão-somente por meio dos vários movimentos e dos esforços dos corpos tangíveis, no pró­prio ato e processo de sua separação; e também pelos sinais das acidulações, das corrosões, das diversas cores e sabores que os corpos adquirem depois da separação. Na execução de destilações e separa­ções, por meios artificiais, trabalharam, certamente, os homens com grande dedicação, mas com tão pouco êxito quanto nos processos ora em uso, onde agem por tateios e às cegas, com mais esforço que inteli­gência; e o pior é que, sem procurarem imitar e estimular a natureza, mas, ao contrário, têm acabado por destruir, com o uso de calores demasiado fortes, e forças muito poderosas, os delicados esquema­tismos, onde em especial, se encerram as virtudes ocultas e os consen­sos das coisas. Não é levada em conta, por outro lado, durante os experimentos, a advertência por nós já muitas vezes levantada, ou seja, que na separação dos corpos pela ação do fogo, muitas qualida­des estranhas ao composto acabaram interferindo, daí advindo enga­nos espantosos. Pois, nem todo vapor que é desprendido pela água colocada ao fogo era antes vapor ou ar no corpo da água; mas se for­mou, em sua maior parte, na ocasião em que a água foi rarefeita pelo fogo.
     Do modo por nós preconizado, devem ser feitas comparações mais preciosas, tanto com corpos naturais quanto com corpos artifi­ciais, procedendo-se à separação entre o que é verdadeiro e o falso, entre o que é mais nobre e o mais vil; o que é aqui lembrado, por pro­mover a redução ao sensível, do que não é sensível. Por isso, tais experimentos devem ser colecionados por toda parte, com o maior cuidado.
     Em relação ao quinto gênero de ocultação,[219] é evidente que a ação dos sentidos se processa no movimento, e o movimento, no tempo. Assim, se o movimento de um corpo é muito lento ou muito rápido para ser percebido, o objeto acaba por escapar aos sentidos, o que ocorre com o movimento do ponteiro do relógio ou da bala do mosquete. O movimento que não pode ser percebido, por ser muito lento, torna-se facilmente perceptível pela soma de vários movimen­tos; mas o que escapa, por ser muito veloz, ainda não pode ser medi­do com exatidão; e a investigação natural exige o seu cálculo, em alguns casos.
     No sexto gênero, em que os sentidos deixam de perceber o obje­to, em vista de seu grande impacto, promove-se a redução ou por um maior distanciamento do objeto; ou atenuando-se os efeitos do objeto pela interposição de algum meio, mas que não chegue a anulá-los; ou limitando-se à consideração de apenas os efeitos reflexos do objeto, não afetando a sua intensidade original, como a imagem do sol refle­tindo em um espelho d’água.
     O sétimo gênero de ocultação, em que os sentidos ficam tão sobrecarregados e tomados pelo objeto, a ponto de não permitirem a percepção de nenhum outro, acontecendo apenas com o olfato e os odores; e não são de importância para o que ora consideramos. E assim enumeramos o que diz respeito às reduções do não-sensível ao sensível.
     Às vezes, porém, a redução se processa não nos sentidos do homem, mas nos sentidos de algum outro animal, que em alguns casos são mais penetrantes que os humanos; é o caso de alguns odo­res percebidos pelo olfato dos cães, ou da luz, que fica impregnada no ar exterior não iluminado, e que é percebida pelo gato; é o caso da co­ruja e outros animais que vêem à noite. Como bem o indica Telésio, há no ar uma certa luminosidade que lhe é própria, embora fraca e tênue, e insuficiente para ser percebida pela maior parte dos animais, inclusive pelo homem; assim, é possível aos animais com sentidos mais aptos verem à noite, pois não se pode admitir que vejam sem luz ou com alguma luz interna.
     Deve ser lembrado que nos estamos ocupando tão-somente das deficiências dos sentidos e de seus remédios. As falácias dos sentidos, por sua vez, pertencem a uma investigação própria sobre os sentidos e sobre a sensibilidade,[220] afora aquela magna falácia que consiste em estabelecer as linhas das coisas por analogia com o homem e não por analogia com o universo, que só pode ser corrigido pela razão e por toda a filosofia.[221]
XLI
     Entre as instâncias prerrogativas, colocamos em décimo oitavo lugar as instâncias de caminho,[222] a que também costumamos chamar de instâncias itinerantes e instâncias articuladas.[223] São as que indicam os movimentos uniformes e graduais da natureza. Esse gêne­ro de instância escapa mais à observação que aos sentidos, pois é espantosa a negligência dos homens a seu respeito. Só estudam a natureza a intervalos ou periodicamente e quando os corpos já estão acabados e completos, e não em sua operação. Pois bem, se alguém se dispusesse a considerar o talento e a habilidade de um artífice, teria que observar não apenas o material empregado e depois a obra acaba­da, mas teria que presenciar também as operações do artífice e o desenvolvimento de sua obra. Esse mesmo comportamento deve ser observado em relação à natureza. Por exemplo, na investigação sobre a vegetação das plantas, é necessário começar pelas sementes, obser­vando-as quase diariamente, enterradas, e retirando-as da terra a intervalos crescentes, primeiro depois de um dia, a seguir depois de dois, a seguir depois de três, para se poder lobrigar de que modo e em que momento as sementes começam a inchar e intumescer-se, a encher-se de espírito; depois, a romper o revestimento emitindo os pri­meiros brotos para fora da terra, se estes não forem impedidos pela dureza do terreno; para se verificar de que modo se lançam as fibras, como as raízes para baixo, como os ramos para cima, que às vezes se prendem lateralmente, se o terreno assim o facilita; e assim por dian­te. Da mesma maneira, devem-se observar os ovos, nos quais é possí­vel ver os processos de vivificação e organização de todas as partes, distinguir as partes que procedem da gema das partes que procedem da clara e outras coisas semelhantes. Da mesma maneira, observar os animais que nascem da putrefação. No caso dos animais superiores, seria crueldade abrir continuamente o ventre da mãe, para extrair o feto do útero; a não ser em casos de aborto ocasional, caça e situa­ções semelhantes. Finalmente, é necessário iniciar uma espécie de vigília noturna para a observação da natureza, que mais se mostra à noite que durante o dia. De qualquer forma, o estudo da natureza, em vista da pequenez e da intermitência da lâmpada, pode ser conside­rado como empresa noturna.
     O mesmo procedimento deve ser tentado com as coisas inanima­das, como o fizemos por ocasião das observações sobre a expansão dos líquidos ao fogo. De fato, a expansão ocorre de maneira diversa no leite, no óleo, etc. Isso é mais fácil de ser observado fervendo-os lentamente em um recipiente de vidro, que deixa à mostra todas as operações. Todavia, tratamos disso tudo apenas de passagem, dei­xando para fazê-lo de maneira mais detida e exata quando abordar­mos o problema da descoberta do processo latente das coisas.[224] Deve-se sempre ter em conta que, aqui, não tratamos das coisas em si mesmas, mas apenas aduzimos exemplos.
XLII
     Entre as instâncias prerrogativas, colocamos em décimo nono lugar as instâncias suplementares ou substitutivas,[225] a que também costumamos chamar de instâncias de refúgio.[226] São as instâncias que oferecem informações em circunstâncias em que os sentidos fal­tam completamente, servindo, portanto, de refúgio quando não se dis­põe de instâncias adequadas. A substituição ocorre de duas maneiras: por graduação ou por analogia. Por exemplo: não se dispõe de qual­quer meio que iniba completamente a força magnética em relação ao ferro; nem com a interposição do ouro, ou da prata, ou da pedra, ou do vidro, ou da madeira, ou da água, ou do óleo, ou do pano, ou de corpos fibrosos, ou do ar, ou da chama, etc. Contudo, através de ensaios meticulosos, pode ser que se encontre um meio, em proporção e em grau, mais eficiente que outros, de atenuar a sua virtude. Não chegamos a fazer nenhum experimento nesse sentido, que se poderia processar segundo o exemplo seguinte: procurando verificar se o magneto atrai igualmente o ferro, com a interposição de porções da mesma espesssura de ouro, de ar, ou de prata candente e de prata natural, etc., igualmente, ainda não se descobriu nenhum corpo que, aproximado do fogo, não retenha calor. Mas o ar se aquece muito mais rapidamente que a pedra. E tal é a substituição que se processa por graus.
     A substituição por analogia é, sem dúvida, útil, mas é menos segura, por isso deve ser aplicada com critério. É a que ocorre quando se coloca o não-perceptível ao alcance dos sentidos, não através de operações do próprio corpo não-perceptível, procurando torná-lo sensível, mas através da observação de um corpo sensível análogo. Por exemplo, tome-se para investigação a mistura de espíritos, que são corpos não-visíveis, supondo que há certa afinidade entre os corpos e os seus nutrientes ou alimentos. Os alimentos da chama parecem ser o óleo e as substâncias graxas; os do ar, a água e os líquidos; de vez que a chama se multiplica sobre os vapores do óleo e o ar, sobre os vapores da água. Por isso deve-se observar a mistura da água com o óleo, que se manifesta aos sentidos, visto que a mistura da chama com o ar se lhes escapa. Por meio da composição e da agitação, a água e o óleo se misturam de modo muito imperfeito; mas nas ervas, no sangue e nos organismos em geral, eles se misturam de modo acu­rado e delicado. O mesmo pode acontecer em relação à mistura da chama com o ar, nas substâncias espirituosas; embora não se mistu­rem bem, por meio de fusão, no espírito das plantas e dos animais, misturam-se perfeitamente. A propósito, veja-se que todo espírito ani­mado se alimenta do úmido, seja em forma de água, seja em forma de óleo.
     Igualmente, procure-se considerar, não as misturas mais perfei­tas dos corpos espirituosos mas os seus componentes, para se verifi­car os que se incorporam com facilidade; ou se há algum gás ou ou­tros corpos espirituosos que não se misturam com o ar comum, mas permanecem suspensos e flutuam em forma de pequenos globos ou gotas; e que se espessam e pulverizam no ar, mas nele não se fundindo ou se incorporando, devido à sua tenuidade tais corpos não podem ser percebidos pelos sentidos, no ar comum ou em outras substâncias espirituosas. Mas uma imagem dessa ocorrência, que permite recolhe­rem-se algumas características do fenômeno, pode ser conseguida através do que sucede com o mercúrio, o óleo ou a água, como tam­bém com o ar, quando se rompe na água e sobe em forma de peque­nas bolhas; como também com fumaça de tipo mais espesso; situa­ções todas elas em que não ocorre a incorporação. A representação que se acabou de descrever não é descabida para o caso, desde que tenha sido prévia e cuidadosamente averiguada a existência entre os corpos espirituosos da mesma heterogeneidade que entre os líquidos. Só então se poderá fazer de maneira útil o uso de imagens por analogia.
     E o que dissemos antes sobre as instâncias suplementares, que servem de refúgio para a informação quando não há possibilidade de extrai-las de instâncias próprias, queremos que seja entendido no sen­tido de que são de grande uso ainda na existência de instâncias apropriadas, para corroborarem as informações destas. Mas sobre isso discorreremos mais amplamente quando tratarmos dos adminículos da indução.
XLIII
     Entre as instâncias prerrogativas, colocamos em vigésimo lugar as instâncias secantes,[227] a que também costumamos chamar de instâncias velicantes. Velicantes porque beliscam a inteligência, e secantes porque dividem a natureza, pelo que também, às vezes, as chamamos de instâncias de Demócrito.[228] Tais instâncias previnem o intelecto da admirável sutileza da natureza, para que desperte e esti­mule a atenção, a observação e a investigação no sentido devido. Por exemplo: de como uma pequena gota de tinta é suficiente para um tão grande número de letras e linhas; de como uma pequena porção de prata dourada pode formar um tão longo fio dourado, de como um verme tão pequeno, como o que ataca a pele, pode ter espírito e um corpo organizado; de como uma mínima porção de açafrão é sufi­ciente para tingir um tonel de água; de como um pouco apenas de algália ou erva aromática pode inundar todo o ambiente circundante com o seu perfume; de como apenas uma pequena porção de matéria combustível levanta um tão grande volume de fumaça; de como as mínimas diferenças de sons, como a voz articulada, propagam-se pelo ar, em todas as direções, penetrando e repercutindo pelos poros e interstícios da madeira, velozes e distintamente; de como, passando por refrações e reflexões, a luz e o calor penetram corpos sólidos como o vidro e a água, a distância e com grande rapidez, formando miríades de imagens, diversificadas ao infinito; de como o magneto atua através dos corpos mais compactos. Mas o que é ainda mais espantoso é que, em todas essas operações, que se desenvolvem em um meio transparente como o ar, nada haja que ofereça resistência; pois, no mesmo instante em que são transportadas, pelo ar, tantas imagens visuais, tantas impressões de sons articulados, tantos odores diferentes, de violeta, de rosa, etc; e ainda calor, frio, influências magnéticas; tudo isso, e não se chocam — como se tivessem cami­nhos e direções distintas a seguir.
     Costumamos, todavia, juntar a essas instâncias secantes estas outras, a que chamamos de instâncias de divisão.[229] Com efeito, nas coisas de que vimos falando, uma ação não perturba, nem impede outra ação de gênero diverso, mas submete e extingue as que são do mesmo gênero. A luz do sol domina e extingue a luz do pirilampo, um tiro de canhão faz o mesmo em relação à voz; um odor mais intenso suprime o mais fraco; o mesmo faz o calor; uma lâmina de ferro colo­cada entre o magneto e um outro ferro extingue a ação magnética. Mas voltaremos a essas questões mais demoradamente e no lugar pró­prio, quando tratarmos dos adminículos da indução.
XLIV
     Dissemos o que competia sobre as instâncias que ajudam os sen­tidos e que são de uso precípuo para a parte informativa. Com efeito, a informação tem início nos sentidos. Mas todos os assuntos se com­pletam na prática. Acrescentamos, pois, aquelas instâncias que são de uso precípuo na parte operativa, que são de dois gêneros e em número de sete, mas costumamos chamá-las em conjunto de instâncias práti­cas. Há dois tipos de defeitos a serem corrigidos na parte operativa e, por isso, dois tipos de instâncias prerrogativas, a saber, a operação ou é falha, ou é muito onerosa. Mesmo depois de um diligente exame da natureza, a operação pode falhar em razão da errada valorização e medida das forças e das ações dos corpos. Pois bem, as ações e as for­ças dos corpos são delimitadas e medidas, ou segundo o esforço, ou segundo o tempo, ou segundo a quantidade, ou segundo a predomi­nância de virtude. Quando esses quatro aspectos não forem conside­rados com diligência e probidade, certamente teremos ciências bela­mente ornadas de especulações, mas ineficazes na parte operativa. E as quatro instâncias que devem ser mencionadas, vamos designá-las com o único nome de instâncias matemáticas e de instâncias de medida.[230]
     A operação prática torna-se muito onerosa, ou pela mistura de coisas inúteis ou pela multiplicação dos instrumentos, ou pelo peso excessivo da matéria ou das substâncias que intervêm na operação. Portanto, devem ser tidas como da maior valia as instâncias que orientam a prática para as operações que são de maior interesse para o homem, ou que reduzem o número dos instrumentos, ou poupam materiais ou ferramentas. Esses três tipos de instâncias que servem ao fim ora indicado, designamos com o único nome de instâncias propí­cias ou instâncias benévolas.[231] Logo a seguir, trataremos detalhadamente de todas as sete e com isso daremos por terminadas as instân­cias prerrogativas.
XLV
     Entre as instâncias prerrogativas, colocamos em vigésimo pri­meiro lugar as instâncias da Vara [232] ou do Raio,[233] a que também costumamos chamar de alcance [234] ou de non ultra.[235] Pois, de fato, as forças e os movimentos das coisas não se desenvolvem em espaço indefinido ou acidental, mas em espaço definido e determinado; por isso, no estudo das naturezas singulares, é de grande importância para a prática determinar esses espaços, não só para evitar que venha a malograr, como também para torná-la mais ampla e eficaz. Por seu intermédio, às vezes, é possível aumentar artificialmente a sua força e, por assim dizer, aproximar as distâncias, tal como ocorre com o uso dos óculos (ou telescópios).
     Essas forças, em sua maioria, só agem quando há contato mani­festo, como ocorre no choque dos corpos, onde o corpo se move comunicando o movimento unicamente por contato. Também nas medicinas para aplicação externa, como os ungüentos, os emplastros, exercem as suas forças através do contato. Enfim, os objetos não são percebidos quando ficam pelo menos em continuidade com os órgãos respectivos.
     Há ainda outras forças ou virtudes que operam a distância e até agora só algumas poucas foram notadas, embora muito mais numero­sas do que se possa pensar. Como, para citar exemplos comuns, o âmbar e o azeviche, que atraem felpas; as bolhas de água, que aproxi­madas se fundem; algumas medicinas purgativas arrastam os humo­res das partes superiores do corpo, etc. E, ao contrário, a virtude magnética, pela qual o magneto atrai o ferro, o magneto atrai o mag­neto, atua num limite circunscrito do espaço; enquanto que, por seu turno, a virtude magnética, que emana da terra, um pouco abaixo da superfície, fazendo a agulha do ferro voltar-se para o pólo, age a gran­de distância.
     Se há uma força magnética que atua, por consenso, entre o globo terrestre e os corpos pesados, ou entre o globo da lua e as águas do mar (que seria de se supor em vista dos fluxos e refluxos quinzenais), ou entre o céu estrelado e os planetas, pela qual são levados aos seus apogeus; se assim for, essa força atua a uma enorme distância. Há ainda matérias que se incendeiam a grande distância, como se diz da nafta da Babilônia.[236] Também a comunicação do calor, como a do frio, se cumpre a grande distância. Por exemplo, os habitantes do Canadá sentem de longe o frio que emana dos blocos de gelo, que se desprendem e que flutuam no oceano Atlântico, em direção às suas praias. O mesmo se pode dizer dos odores de pontos longínquos (em­bora em tais casos ocorra a emissão de corpúsculos) e disso têm prova os que navegam próximo às costas da Flórida ou de certas regiões da Espanha, com os odores que se desprendem dos bosques de limoeiros, laranjeiras e outras árvores aromáticas, ou de área coberta de árvores aromáticas, como alecrim, manjerona e plantas semelhan­tes. Finalmente, sejam lembrados os raios de luz e os sons que agem a grandes distâncias.
     Todavia, todas essas forças, atuem a grande ou a pequena distância, certamente agem a distâncias limitadas e determinadas segundo sua natureza, de modo que constituem algo de não mais; e isso em proporção à massa ou à quantidade do corpo, à força ou a pouca intensidade da virtude, bem como aos corpos interpostos que a impedem ou auxiliam, tudo deve ser calculado e anotado. Também a mistura dos chamados movimentos violentos, como os de projéteis, canhões, rodas e coisas semelhantes, tem os seus movimentos fixos, pelo que também devem ser anotados com precisão.
     Há, por outro lado, movimentos ou virtudes que agem melhor a distância que por contato, e ainda outros que operam com maior intensidade de longe que de perto. Por exemplo, a vista não funciona bem por contato, exigindo certo meio e distância. Isso a despeito de termos ouvido de alguém digno de fé que, enquanto era operado de catarata por um cirurgião (pela introdução de uma agulha de prata sob a córnea do olho, para desprender a película que forma a catarata e empurrá-la para um dos cantos do olho), via claramente a agulha movendo-se diante da pupila. De qualquer maneira, parece manifesto que os corpos maiores não podem ser distinguidos claramente senão no vértice do cone formado pelos raios que partem dos objetos a uma certa distância do olho; dessa forma, os velhos vêem melhor de longe que de perto. No caso dos projéteis, eles são mais fortes de longe que de perto. Este e outros exemplos, a propósito da medida dos movi­mentos, em relação à distância, devem ser anotados. Mas não pode ser desprezado um outro modo de se misturar os movimentos espe­ciais. Não se trata dos movimentos lineares, progressivos, mas esféri­cos, ou seja, que se expandem em uma esfera maior, ou que se con­traem em uma esfera menor. Com efeito, é necessário que se investigue em tais medidas de movimentos qual é o grau de compres­são ou extensão que os corpos, segundo sua natureza, suportam facil­mente e sem violência, e em que grau começam a resistir até que não agüentam um não mais além, será o caso se se comprimir uma bexiga cheia, que suporta certa compressão de ar, mas, se aumentada, a bexi­ga não suporta e se rompe.
     Procuramos, com um experimento delicado, e com mais exati­dão, esse mesmo fenômeno. Tomamos uma campânula de metal, muito fina e leve, como as que se usam para saleiro; submergimo-la em uma cuba com água, de tal maneira a levar consigo ao fundo o ar encerrado em seu bojo. Colocamo-la lá no fundo, sobre um pequeno globo, antes já mergulhado, e obtivemos os seguintes dois resultados: sendo a esfera pequena em relação ao bojo da campânula, o ar se con­trai, ocupando um menor espaço, sendo muito grande para que o ar facilmente recuasse; este, não suportando a grande pressão, elevava um dos lados da campânula, subindo à tona em pequenas bolhas.
     Igualmente, para provar o maior grau de expansão do ar (como a sua compressão), procedemos da seguinte forma: pegamos um ovo de vidro, furado numa das pontas; por meio de forte sucção foi extraído o ar pelo orifício, tapando-o com o dedo; em seguida, mergulhamo-lo na água, retirando o dedo; com isso o ar, deformado pela tensão causada pela sucção e dilatado fora de sua dimensão natural, procurando, com isso, se contrair e se reduzir (de tal forma que, se o ovo não estivesse mergulhado na água, o ar teria sido atraído com um silvo), atraiu água em quantidade suficiente para que o ar ocupasse igual espaço ao que ocupava antes.
     Assim, fica estabelecido que os corpos mais tênues, como o ar, também suportam uma notável contração (como dissemos); ao passo que os corpos tangíveis, como a água, muito mais dificilmente supor­tam a compressão e em menor extensão. Em outro experimento procuramos verificar até que ponto a suporta. Mandamos confeccionar uma esfera de chumbo oca, de uma ou duas pintas de capacidade, e seus lados eram grossos o suficiente para resistir com grande força: enchemo-la com água por um orifício, que foi, em seguida, tapado com chumbo derretido, de modo a ficar bem vedada; depois achata­mo-la, com um martelo, em dois lados opostos. Com tal achatamento, necessariamente a água ocupava menor espaço, posto que a esfera e a figura eram de maior capacidade. Ficando já o martelo ineficaz, em vista da resistência da água, colocamo-la em uma prensa, apertando-a até o momento em que, não suportando mais a pressão, a água come­çou a destilar-se das paredes sólidas do chumbo, como delicada exsu­dação. Finalmente, calculamos o espaço perdido pela compressão e concluímos que a água se havia comprimido outro tanto, suportando uma pressão bastante violenta.
     Os corpos mais sólidos, secos e compactos, como a pedra, a madeira e metais, suportam uma compressão muito menor e quase imperceptível, mas livram-se da violência a que são submetidos partindo-se, alongando-se ou com outros movimentos, como se obser­va no arqueamento da madeira e do metal, nos relógios que se movem por uma mola, nos projéteis, no martelamento de metais e em muitos outros movimentos. E tudo isso deve ser investigado e anotado no es­tudo da natureza, seja por cálculo direto, seja por estimativa ou por comparação, conforme o caso.
XLVI
     Entre as instâncias prerrogativas, colocamos em vigésimo segundo lugar as instâncias de currículo,[237] a que também costuma­mos chamar de instâncias da água,[238] tomando o nome das clepsi­dras, usadas pelos antigos, em que punham água em lugar de areia. Elas medem a natureza conforme os instantes do tempo, como fazem as instâncias da vara em relação às distâncias do espaço. Com efeito, todo movimento ou ação natural ocorre no tempo; é mais rápido ou mais lerdo que outro, mas sempre conforme durações fixas, notadas na natureza. Mesmo as ações súbitas à primeira vista têm causado maior ou menor duração temporal.
     Em primeiro lugar, vemos que as revoluções dos corpos celestes ocorrem segundo períodos fixos; assim também o fluxo e refluxo do mar. A queda dos corpos pesados no sentido da terra e a subida dos corpos leves para o céu cumprem-se em tempos determinados, confor­me a natureza do corpo e o meio em que se movem. Da mesma forma, os velejos dos navios, o movimento dos animais, o arremesso dos projéteis ocorrem em tempos calculáveis no seu conjunto. Em relação ao calor, no inverno as crianças “lavam” as mãos nas chamas sem se queimarem, e os malabaristas, com movimentos ágeis e uniformes, colocam com a boca para baixo e para cima copos cheios de vinho ou água, sem derramar; e há muitas outras coisas semelhantes. Ainda mais, a expansão, a compressão e a erupção dos corpos ocorrem mais ou menos velozmente, segundo a natureza do corpo e do movimento, mas sempre em instantes determinados. Sabe-se que o ribombar dos canhões, que pode ser ouvido até a trinta milhas, é ouvido primeiro pelos que se acham perto e depois pelos que se acham distantes do local do disparo. E até a vista, cuja ação é rapidíssima, também exige instantes certos para sua atuação; como está provado pelo fato de que a uma certa velocidade os corpos não são mais distinguidos, co­mo é o caso da bola disparada por um mosquete que passa ante a vista em um tempo menor que o exigido para a imagem impressionar a vista.
     Esse exemplo e outros semelhantes fizeram surgir uma dúvida verdadeiramente espantosa, ou seja, a de que o aspecto do céu estre­lado e sereno é visto no momento mesmo em que existe ou um pouco depois; e também, se existem, na contemplação dos corpos celestes, um tempo real e um tempo aparente, um espaço real e um espaço apa­rente, tal como é indicado pelos astrônomos nas paralaxes. Pois pare­ceria, de fato, inacreditável que as imagens dos corpos celestes pudes­sem atravessar, com seus raios, em um instante, espaços celestes tão vastos sem o emprego de qualquer tempo. Mas essa dúvida relacio­nada com um intervalo de tempo entre o tempo verdadeiro e o tempo aparente desvanece-se completamente quando se leva em conta a imensa perda de grandeza que devem ter as estrelas na sua imagem aparente, em razão da distância e também pelo fato de os corpos esbranquiçados, aqui na terra, poderem ser percebidos imediata­mente, mesmo a uma distância de sessenta milhas. Não pode haver dúvida de que a luz dos corpos celestes ultrapassa em muito, em força de radiação, a cor viva da brancura, como também a luz de qualquer chama conhecida. Além disso, a imensa velocidade dos corpos celes­tes, que não é percebida em seu movimento diurno, o que chegou ao ponto de espantar mesmo os varões graves, levando-os a sustentar que o movimento da terra torna mais crível esse movimento de emis­são dos raios deles saídos (embora com extraordinária rapidez, como foi dito). Finalmente, tomamos por confirmada definitivamente a fal­sidade de se admitir um intervalo entre um tempo verdadeiro e um tempo aparente, pelo fato de que, nesse caso, uma nuvem ou outra perturbação atmosférica qualquer confundiriam com muita freqüência as imagens. E é o que tínhamos a dizer a respeito das medi­das simples de tempo.
     Mas é necessário investigar, além das medidas simples dos movi­mentos e das ações e muito mais, a medida comparativa, que é muito usada e que se relaciona com muitas coisas. Com efeito, a chama que segue à detonação de uma peça de artilharia é vista antes da audição do disparo, mesmo andando a bala mais rapidamente que a chama, e isso porque o movimento da luz é mais rápido que o do som. Sabemos igualmente que as imagens são recebidas pela vista muito mais rapi­damente do que se desvanecem. E por isso também que as cordas de um instrumento, quando vibrados pelo dedo, parecem duplas ou tri­plas, porque se recebe uma nova imagem antes da perda da anterior; um mal em rotação parece uma esfera, e uma tocha movida rapida­mente, à noite, parece possuir uma cauda de fogo. Dessa desigualdade fundamental da velocidade dos movimentos extrai Galileu a causa do fluxo e do refluxo do mar. Sendo a terra de rotação mais veloz que a água, deve surgir, segundo ele, a acumulação e a elevação das águas, e vice-versa, em sua descida, como acontece com um recipiente de água fortemente agitado.[239] Mas tal opinião se fundamenta em uma hipótese arbitrária,[240] isto é, que a terra se move, isso sem ter bem observado o movimento regular de cada seis horas do oceano.
     Mas para se dispor de um exemplo de misturas comparativas dos movimentos (assunto de que tratamos) e de seu notável uso (do qual falamos há pouco), tomemos as minas subterrâneas, que com uma mínima quantidade de pólvora são capazes de lançar para o ar imensas massas de terra, edifícios e muralhas de toda espécie. A causa de tal fenômeno é certamente o fato de que o movimento de expansão da pólvora é muito mais rápido que o movimento da gravi­dade, que pode oferecer alguma resistência. Dessa forma, o movi­mento de expansão chegou ao fim antes de começar o movimento contrário, e por isso desde seu início o movimento de expansão não encontra qualquer resistência, se assim se pode dizer. Por igual razão, no lançamento de um projétil, mais vale um golpe súbito e violento que um forte. Pela mesma razão, uma pequena quantidade de espírito animal não poderia animar e mover o corpo dos animais, especial­mente dos avantajados de corpo, como a baleia e o elefante, se o espí­rito não fosse dotado de uma espantosa velocidade, para poder per­correr toda a massa compacta do corpo, sem encontrar qualquer resistência.
     Ademais, há um princípio, que constitui um dos fundamentos dos experimentos mágicos (de que trataremos logo depois), que é o seguinte: uma pequena quantidade de matéria supera e reduz à sua ordem um corpo de massa muito maior apenas quando, assim o cre­mos, se pode fazer com que um movimento, pela sua velocidade, se antecipe ao surgimento de outro movimento.
     Por último, em toda ação natural deve-se ter em conta a distin­ção entre o antes e o depois; veja-se, por exemplo, que, em uma infu­são de ruibarbo, primeiro se consegue uma ação purgante e depois uma ação adstringente; algo de semelhante notamos em uma infusão de violetas em vinagre, onde primeiro se percebe o perfume suave e delicado da flor e depois a parte mais terrosa e agreste da flor, que abafa o perfume. Pela mesma razão, se se submergem violetas em vinagre por todo um dia, percebe-se o aroma com muito menos inten­sidade que se forem submergidas por apenas um quarto de hora, e como o espírito aromático dessa planta é diminuto, se são colocadas violetas frescas, em cada quarto de hora, até seis vezes, dessa forma finalmente, é enriquecida a infusão de tal maneira que, ainda não tendo as violetas frescas permanecido no vinagre mais que uma hora e meia, ele adquire um aroma raro, em nada inferior à violeta, por todo um ano. Mas deve ser lembrado que o aroma só alcançará toda a sua intensidade depois de um mês de infusão. Nas destilações de aromas postos a macerar no espírito do vinho, ao contrário, em pri­meiro lugar surge um humor denso, aquoso e sem valor; e depois, a água mais impregnada do espírito do vinho, finalmente a água mais impregnada de aroma. Há sempre nas destilações muitas coisas, como essas, dignas de nota. Mas bastam essas como exemplo.
XLVII
     Entre as instâncias prerrogativas, colocamos em vigésimo tercei­ro lugar as instâncias de quantidade,[241] a que costumamos também chamar de dose da natureza,[242] tomando o termo da medicina. São aquelas que medem as virtudes e, pelas quantidades dos corpos, indicam quanto intervém a quantidade do corpo sobre o modo dessas virtudes. Em primeiro lugar, há virtudes que só subsistem em uma quantidade cósmica, isto é, uma quantidade tal que tenha um consen­so com a configuração e a estrutura do universo. Desse modo, a terra está firme, mas suas partes caem. As águas marinhas sofrem fluxos e refluxos; o que não acontece com os rios, a não ser em sua emboca­dura, por penetração do mar. Em segundo lugar, quase todas as virtu­des particulares agem segundo a maior ou menor quantidade do cor­po. As grandes extensões de água não se corrompem facilmente como as poças que logo apodrecem. O mosto e a cerveja fermentam e tor­nam-se potáveis com mais facilidade em pequenos recipientes que em grandes tonéis. Se se coloca uma erva em grande quantidade em um líquido, obtém-se uma infusão e não uma impregnação; se se coloca uma pequena quantidade, obtém-se uma impregnação e não uma infu­são. Também no corpo humano, uma coisa é um banho e outra, uma simples aspersão. Do mesmo modo, o orvalho espargido pelo ar não chega a cair e acaba se incorporando no ar. E, soprando-se sobre uma pedra preciosa, pode observar-se a ligeira umidade dissolver-se imediatamente, como uma pequena nuvem já citada, dissipada pelo vento. Igualmente, um pedaço de magneto não atrai tanto ferro quan­to um magneto inteiro. De outro lado, há virtudes que agem melhor na pequena quantidade que na grande; o estilete agudo fura e penetra mais facilmente que o obtuso, um diamante pontiagudo corta o vidro; e assim por diante.
     De fato, não nos devemos deter em coisas genéricas, pois é necessário que se faça uma investigação a respeito da efetiva relação da quantidade do corpo com o modo da virtude. Poder-se-ia crer que seriam proporcionais; assim, uma bola de chumbo de duas onças deveria cair com o dobro da velocidade de uma bola de uma onça, o que é absolutamente errado.[243] Dessa forma, as relações são muito diversas e segundo os gêneros da virtude e, por isso, tais medidas devem ser determinadas nas próprias coisas, e não segundo verossimilhanças e conjeturas.
     Enfim, em toda investigação da natureza deve ser observada a quantidade do corpo (a sua dose) que é exigida para um determinado efeito, e toda cautela deve ser empregada em relação ao muito e ao pouco.
XLVIII
     Entre as instâncias prerrogativas, colocamos em vigésimo quarto lugar as instâncias de luta,[244] a que também costumamos chamar de instâncias de predomínio.[245] Indicam-nos o predomínio ou a inferioridade entre as virtudes, ou seja, qual entre elas é mais forte e prevalece, e qual é mais fraca e sucumbe. Os movimentos e os esforços dos corpos, tanto quanto os próprios corpos, também se compõem e decompõem-se e complicam-se. Em primeiro lugar, enumeraremos e definiremos as principais espécies de movimentos e de virtudes ativos, para tornar mais clara a comparação do seu poder e, com isso, a descrição das instâncias de luta e de predomínio.
     O primeiro é o movimento de resistência [246] da matéria, exis­tente em toda parte, em que a matéria não quer ser inteiramente anu­lada, de tal modo que não há incêndio, pressão, qualquer espécie de violência, nem passagem ou duração de tempo que possam reduzir qualquer coisa a nada; por menor que seja a parte da matéria, nada há que a impeça de ser algo, de ocupar algum lugar; e qualquer que seja a dificuldade em que se encontre, acabará se libertando, ou mudando de forma ou de lugar, ou permanecendo como é ou está, não havendo outra possibilidade; mas nunca chegando a não ser nada ou não estar em parte alguma. A Escola (que na maior parte dos casos, designa e define as coisas pelos seus efeitos ou desvios e não pelas suas causas íntimas), para esse movimento, recorre ao axioma de que “dois corpos não podem estar no mesmo lugar”, ou designa esse movimento como “a impenetrabilidade das dimensões”. Não encon­tramos exemplo adequado para esse movimento; mas é inerente a todo corpo.
     O segundo movimento é o que chamamos de conexão, pelo qual os corpos não suportam ser desagregados, e aspiram a permanecer reunidos e em contato direto. É o movimento que a Escola designa como “horror ao vazio” e graças ao qual a água é atraída por sucção ou por bombas e a carne por ventosas. Em virtude de tal movimento, a água contida em um vaso furado no fundo nele permanece até que faça entrar ar por uma abertura superior, e inúmeras coisas do mesmo gênero.
     O terceiro movimento é o que chamamos de liberdade, pelo qual os corpos se esforçam por se libertar da pressão ou tensão que não seja natural e retornar à dimensão que lhes convém na natureza. Há, também deste movimento, inumeráveis exemplos: a água se livra de uma pressão, escorrendo; o ar, pelo vôo; a água, formando ondas; o ar, ondulando no soprar do vento; a mola dos relógios, esticando-se. Exemplo interessante do ar comprimido nos oferecem os pequenos canhões que as crianças fazem para brinquedos. Tomam um pedaço de álamo ou madeira semelhante, fazem um furo no sentido do comprimento e, em cada extremidade, colocam à força um tampo de raiz polposa; em seguida, com a ajuda de um êmbolo, empurram uma das tampas em direção à outra; a uma certa altura, antes de ser toca­da, a que permanece na extremidade oposta volta-se, fazendo ruído. Em relação ao modo de se livrar da tensão, considere-se o que acon­tece com o ar que permanece no ovo de vidro, depois de forte sucção; considerem-se também as cordas, o couro, o pano e outros tecidos, que voltam ao estado inicial se a tensão não for muito longa, etc. A Escola indica esse movimento como produzido pela forma do elemen­to; e isso de forma muito imprópria, pois esse movimento não se rela­ciona unicamente ao ar, à água, à chama, mas é comum a todos os corpos, seja qual for a sua consistência, tal como a madeira, o ferro, o chumbo, o pano, a membrana, etc., nos quais cada corpo apresenta o seu limite particular de dimensão, além do qual vão muito pouco. Mas, como o movimento de liberdade é muito freqüente, e sendo de infinitos usos, é oportuno distingui-lo perfeitamente dos demais. Pois há quem o confunda, lamentavelmente, com os movimentos antes des­critos de resistência e conexão; ou seja, o de evasão da pressão com o movimento de resistência e o de evasão de tensão com o movimento de correção; como se os corpos comprimidos cedessem ou se esticas­sem para que não se produzisse penetração de dimensões, e os corpos distendidos se encolhessem para evitar o vazio. Mas se o ar compri­mido tivesse que se contrair até a densidade da água, ou a madeira até a densidade da pedra, não seria necessária a penetração de dimen­sões; contudo, a compressão nesses corpos chegaria a ser muito maior que a que suportam, por qualquer meio, tais como são. Igual­mente, se a água pudesse dilatar-se até chegar ao estado de rarefação que tem o ar, ou a pedra até o da madeira, não haveria necessidade do vazio; e, nesse caso, a extensão que neles teria lugar seria muito maior que a que alcançam, por quaisquer meios, tais como são. Dessa forma, não se chega à questão da penetração de dimensões ou à do vazio, a não ser nos limites de condensação e rarefação; contudo, tais movimentos se encontram muito mais aquém desses limites e nada mais representam que desejos dos corpos de se conservarem em sua consistência ou, diriam os escolásticos, em suas formas, e dessa maneira não se separarem subitamente delas e sem que sejam altera­dos com modos suaves e com seu consentimento. Contudo, muito mais necessário, pelas conseqüências em que importa, é advertir os homens de que o movimento violento (por nós chamado mecânico, e por Demócrito, que a respeito de movimentos, deve ser ainda colo­cado entre os filósofos medíocres, de movimento de golpe) outro não é que o movimento de liberdade, ou seja, o movimento da compressão à distensão. Na verdade, a nem toda ação ou desvio no ar corresponde uma mudança de lugar, se as partes do corpo não forem força­das e comprimidas um pouco além do suportável por sua natureza. Então, as partes, comunicando reciprocamente o impulso, provocam o movimento, não apenas linear do corpo, mas também ao mesmo tempo o rotatório, procurando, dessa forma, libertar as partes da pressão, ou melhor suportá-la, pela sua melhor distribuição. É o sufi­ciente para esse movimento.
     O quarto movimento é o que demos o nome de movimento de matéria,[247] que, de certo modo, é o oposto ao de liberdade, de que falamos. Pelo movimento de liberdade, os corpos tendem com todas as suas forças a retomar a sua consistência original, evitando, fugin­do, mostrando repugnância para com qualquer nova dimensão ou nova esfera, ou nova expansão, ou contração (significando todas essas palavras a mesma coisa). Pelo movimento de matéria, ao contrário, os corpos tendem a passar a uma nova esfera ou dimensão, e o fazem de maneira voluntária e facilmente, e às vezes até com ím­peto furioso, como acontece com a pólvora. Instrumentos desse movi­mento certamente não os únicos, mas os mais potentes, ou pelo menos os mais freqüentes, são o quente, o frio. Por exemplo, o ar, dilatado por qualquer tensão ou aspiração (como nos ovos de vidro), tem uma notável tendência a retomar o anterior estado de densidade. Aqueci­do, tende, ao contrário, a dilatar-se e aspira a passar para uma nova esfera e a ela passa com facilidade, como para uma nova forma (como se diz), e depois de alcançar certo grau de dilatação não se preocupa com o retorno, a não ser quando convidado pelo frio; não se trata porém, de retorno, mas de uma nova transformação. Da mesma maneira, a água comprimida resiste e tende a retomar a dimensão anterior, procurando dilatar-se; mas sob a ação do frio interno e con­tinuo transforma-se em gelo espontaneamente e voluntariamente se condensa; se prosseguir o frio intenso, sem qualquer intromissão de calor (como acontece nas cavernas profundas), transforma-se em cris­tal, não voltando ao estado anterior.
     O quinto movimento é o da continuidade, que corresponde, não à simples e fundamental continuidade entre um corpo e outro (nesse caso, trata-se de movimento de conexão), mas a continuidade interna de um corpo dado. Com efeito, é coisa certa que todos os corpos se desgostam com toda solução de continuidade; alguns mais, outros menos, mas de qualquer forma todos. Nos corpos duros (como o aço, o vidro, etc.) a reação à interrupção dos seus corpos é mais forte; e, mesmo, no líquido onde essa resistência parece cessar ou ser muito fraca, ela não deixa de existir, ainda que em ínfimo grau; fato conta­do, que é demonstrado por inúmeros experimentos, basta considera­rem-se as bolas, a esfericidade das gotas e os fios delgados que caem das goteiras, a consistência dos corpos gelatinosos e outros semelhan­tes. Mas tal tendência é mais evidente sobretudo quando se procura introduzir a descontinuidade em um corpo já reduzido a partes extre­mamente pequenas. E o que acontece nos morteiros, depois de um certo grau de trituração, e nos pilões; também a água não penetra nas frinchas muito pequenas; o próprio ar, apesar da sutilidade de sua natureza, não penetra os poros de um vaso um pouco mais sólido, a não ser depois de muito tempo.
     O sexto movimento é o que chamamos de movimento para lucro ou de indigência. Por seu intermédio, os corpos, quando colocados no meio de outros de natureza diversa ou até mesmo hostil, encontram o meio de se afastarem e de se reunirem a outros mais afins (mesmo que essa afinidade não seja grande) e a estes se juntam imediatamente e os antepõem como preferíveis; dai o lucro indicado no nome do movi­mento, lucro esse buscado como uma necessidade dos corpos. Por exemplo, o ouro ou qualquer outro metal não gosta de ser envolvido ou cercado pelo ar, quando na forma de lâminas; por isso, quando encontra um corpo duro e denso (um dedo, um pedaço de papel ou algum outro), a ele adere subitamente, não se separando facilmente. Mesmo o papel, o pano e todo corpo análogo não se adaptam bem ao ar que os penetra e se insinua pelos seus poros; por isso, absorvem com facilidade a água ou outro liquido, com o fito de se distanciarem do ar. O açúcar ou uma esponja submergida em água ou em vinho, mas com uma parte de fora, atraem gradualmente a água ou o vinho, embebendo-se completamente.
     Daí deduzimos a excelente norma para abertura e dissolução dos corpos. Pois, deixando-se à parte os corrosivos e as águas-fortes, que abrem a estrada pela força, se se encontra um corpo proporcionado com algum sólido e com mais afinidade e amizade que o com que está misturado por necessidade, aquele se abre, relaxa-se, recebe o pri­meiro corpo e exclui e afasta o outro. Esse movimento de ganho não opera unicamente por contato direto; pois a força elétrica (sobre a qual Gilbert e seus seguidores tanto fantasiaram) não passa de uma tendência provocada por ligeira fricção, pela qual um corpo, não suportando mais o ar circundante, prefere outro corpo tangível que esteja ao seu alcance.
     O sétimo movimento é o que chamamos de movimento de congregação maior, graças à qual os corpos se movem no sentido das massas de seus congêneres, sendo os mais pesados para o centro da terra e os mais leves para o céu. Os Escolásticos, de maneira superfi­cial, indicaram-no como “movimento natural”, por não terem encon­trado nada de externo e visível que pudesse provocá-lo, e o conside­ravam inato e inerente às próprias coisas, talvez pelo fato de ser perpétuo, o que não seria de se espantar. Com efeito, o céu e a terra estão sempre presentes enquanto que as causas e as origens da maior parte dos outros movimentos algumas vezes estão presentes e outras estão ausentes. Por isso, porque não cessa nunca e os outros cessam, os Escolásticos o consideravam como o único movimento próprio e perpétuo e os outros como movimentos exteriores e acidentais. Mas, na verdade, trata-se de um movimento débil e pouco ativo, e, não sendo o caso de corpos de grande volume, cede e se submete aos ou­tros movimentos enquanto eles se desenvolvem. Apesar de os homens se terem ocupado desse movimento a ponto de deixarem de lado os outros, pouco conhecem a seu respeito, incorrendo em muitos erros a seu respeito.
     O oitavo movimento é o que chamamos de congregação menor, que faz com que, em todos os corpos, as partes homogêneas se sepa­rem das heterogêneas, juntando-se umas às outras; por ele, os corpos inteiros se enlaçam e conjugam-se, conforme a sua substância e às vezes atraem-se de uma certa distância, aproximando-se uns dos outros. O leite, colocado em repouso, faz subir o creme, depois de certo tempo a borra e o tártaro precipitam-se no vinho. Tais efeitos não são só produzidos pela gravidade ou pela leveza (graças às quais alguns corpos vão para baixo e outros para o alto), mas sobretudo pelo desejo dos corpos homogêneos de se unirem e associarem-se. Esse movimento difere do movimento de indigência de duas maneiras: em primeiro lugar, porque naquele movimento a tendência do corpo é fugir de qualquer natureza maligna e inimiga, enquanto que, no que nos ocupa (quando não há obstáculos ou vínculos), as partes se unem por amizade, sem uma natureza estranha para provocar o combate; em segundo lugar, porque a conjunção aqui é mais estreita, cumprindo-se com maior eleição. No primeiro caso, corpos embora não muito afins compõem-se para fugirem de um corpo hostil; enquanto que no caso presente as substâncias se unem levadas por uma estreitíssima semelhança e constituem praticamente um todo. Esse movimento é encontrado em quase todos os corpos compostos, mas não se mostra facilmente, porque os corpos estão ligados e tomados por outras tendências e por vínculos que perturbam a união.
     Particularmente três causas podem embaraçar esse movimento: o torpor dos corpos, o freio do corpo predominante e o movimento externo. Quanto à primeira causa, é sabido que os corpos tangíveis têm uma preguiça, maior ou menor, e uma aversão à mudança de lugar; assim é que só se movem se impelidos, caso contrário preferem continuar como estão, mesmo que seja para mudar para melhor. Podem ser sacudidos desse torpor por uma tríplice ajuda: pelo calor, pela atração de qualquer corpo semelhante ou por um impulso enér­gico e vigoroso. O calor é comumente definido como “o que separa os heterogêneos e une os homogêneos”; mas tal definição dos peripaté­ticos é, com razão, ridicularizada por Gilbert, que a declara seme­lhante à de alguém que procurasse definir o homem “aquele que semeia o trigo e planta os vinhos”, que é uma definição pelos efeitos e pelos particulares. Mas a definição é mais errada no fato de que os efeitos, quaisquer que sejam, não derivam da natureza do calor, mas por acidente, ou seja, dos desejos das partes homogêneas de se uni­rem; enquanto que o calor nada mais faz que ajudar o corpo a sacudir o torpor que antes oferecia resistência ao desejo. O mesmo acontece com o frio, como mais adiante exporemos. A ajuda que pode oferecer a virtude de um corpo afim manifesta-se de maneira admirável no magneto armado, que produz no ferro a virtude de atrair o ferro por semelhança de substância, depois de sacudido o torpor do ferro. A ajuda proveniente do movimento se observa nas flechas de madeira, com ponta de madeira, que penetram melhor certas madeiras do que se tivessem ponta de ferro, o que acontece em vista da semelhança de substância, depois de sacudido o torpor da madeira, pelo movimento veloz das flechas. Já foi feita menção desses experimentos no afo­rismo das instâncias clandestinas.
     A dificultação do movimento de congregação menor, que advém do corpo predominante, observa-se na decomposição do sangue e da urina pelo frio. Pois enquanto esses corpos estiverem cheios de espí­rito ativo que os governa e mantém coesas suas partes, essas mesmas partes não se associam por coerção. Mas tão logo se tenha aquele espírito evaporado ou tenha sido abafado pelo frio, então as partes liberadas do freio se associam, seguindo o seu desejo natural. Assim, acontece que todos os corpos que contêm um espírito acre (como os sais e coisas semelhantes) perduram sem se dissolverem, em razão do freio permanente e durável representado pelo espírito dominante e imperioso.
     A dificultação do movimento de congregação menor que ocorre por causa do movimento externo observa-se sobretudo nos corpos nos quais a agitação impede que apodreçam. De fato, toda putrefação baseia-se na agregação dos homogêneos, pela qual pouco a pouco ocorre a corrupção da primeira forma a produção da nova (con­forme a linguagem comum). Por isso, a putrefação que abre caminho à produção de uma nova forma é precedida da dissolução da forma anterior, ou seja, da reunião das partes homogêneas. Não havendo qualquer obstáculo ocorre apenas a dissolução da forma anterior; mas, havendo qualquer coisa que se oponha, advém a putrefação, que é a origem de nova geração. Se, depois, acontecer uma forte agitação proveniente de um movimento externo (que é o nosso assunto), então o movimento de agregação é perturbado e cessa (pois se trata de um movimento leve e delicado que exige a quietude externa), como se pode observar através de inúmeros exemplos. Por exemplo, a contí­nua e cotidiana agitação e a correnteza da água impedem a sua putre­fação; os ventos impedem a concentração de substâncias pestilentas no ar, do mesmo modo os grãos, quando revolvidos nos celeiros, me­lhor se conservam, enfim, todas as coisas, quando agitadas do exte­rior, não se putrefazem interiormente com facilidade.
     Também não pode ser omitida a união das partes dos corpos que constitui a principal causa do seu endurecimento e dissecação. Pois, quando o espírito, ou a parte úmida transformada em espírito, é eva­porada de um corpo poroso (como a madeira, o osso, membranas e outras semelhantes). as partes mais grossas se contraem e encolhem-se mais fortemente; em seguida, advém o endurecimento e a desseca­ção, efeitos provocados, segundo entendemos, não por um movimento de conexão que tende a evitar o vazio, mas por este movimento de amizade e de união.
     A união a distância é pouco freqüente e rara, mas, de qualquer maneira, é mais freqüente do que comumente se observa. Como exem­plo, veja-se a bolha que rompe a outra; as medicinas que pela seme­lhança de substâncias extraem os humores; quando em diversos instrumentos uma corda move-se com outra; e outros semelhantes. Somos levados a crer que esse movimento também é encontrado no espírito dos animais, mas permanecendo completamente incógnito. E encontra-se, com certeza, no magneto e no ferro magnetizado. E, já que estamos falando de movimento magnético, é necessário distingui­rem-se quatro espécies de virtudes ou operações que devem ser distin­guidas, embora os homens, levados pela admiração e pela estupidez, confundam-nas. A primeira em virtude de atuação do magneto, pelo magneto, ou do ferro pelo magneto, ou do ferro pelo ferro magneti­zado. A segunda é a sua propriedade de dirigir-se para o norte e para o sul, e também a sua inclinação. A terceira é a virtude magnética de atravessar o ouro, a pedra e qualquer corpo. A quarta é a virtude de magnetizar o ferro e o ferro outro ferro, sem comunicação de substân­cia. Mas aqui só nos ocupamos da primeira dessas virtudes, ou seja, de atração. Igualmente notável é o movimento de atração existente entre o mercúrio e o ouro, e de tal modo forte que o ouro atrai o mer­cúrio, mesmo estando na forma de ungüento; e os operários que tra­balham entre vapores de mercúrio costumam ter na boca um pedaço de ouro, para recolher as suas exalações, que de outra forma penetra­riam nos ossos e no crânio. E o pedaço de ouro em pouco tempo se torna branco. É o suficiente para o movimento de congregação menor.
     O nono movimento é o magnético, do mesmo gênero que o de congregação menor, mas que age a grande distância e sobre grandes massas, e merece uma investigação particular, especialmente se não começa com o contato, como muitos outros movimentos, nem leva ao contato, como todos os movimentos de congregação, mas eleva e infla os corpos, não indo além. Pois se a lua eleva as águas ou faz com que os corpos úmidos inchem, ou o céu estrelado atrai os astros para o apogeu; ou o sol submete os astros Vênus e Mercúrio para que dele não se afastem além de uma determinada distancia; em vista disso, não se pode classificá-los corretamente como movimento de congre­gação maior ou menor, de vez que se trata de movimentos de congre­gação intermediários e imperfeitos, que formam uma espécie à parte.
     O décimo movimento é o de fuga, contrário ao de congregação menor. Por ele os corpos se distanciam entre si por antipatia e man­têm-se separados de seus inimigos, recusando misturar-se com eles. É verdade que em certos casos pode parecer um movimento por aci­dente ou em conseqüência do movimento de congregação menor, por­que também aqui as partes homogêneas só se conjugam depois de terem excluído e afastado as heterogêneas. Mas isso deve ser conside­rado em si mesmo e deve formar uma espécie distinta, pois em inúme­ros casos a tendência para fuga supera a tendência para a união.
     Esse movimento se manifesta especialmente nos excrementos dos animais e em qualquer objeto repugnante aos sentidos, em parti­cular ao olfato e ao gosto, O olfato recusa tão decididamente qual­quer tipo de fedor que por consenso provoca um movimento de repul­são na boca do estômago; o paladar e a garganta recusam tanto qualquer alimento amargo e áspero de sabor que provocam por con­senso um tremor de toda a cabeça. Mas ainda em outras coisas é pos­sível encontrar-se esse movimento. São observados em alguma antiperístase, como, por exemplo, na região média do ar, onde o frio parece efeito da expulsão da natureza do frio, da zona limítrofe com os cor­pos celestes, como os grandes calores, e as massas de lava candente que se encontram nas regiões subterrâneas, que parecem ser resultado das expulsões da natureza do quente, das entranhas da terra. O calor e o frio em pequenas quantidades se destroem mutuamente, mas, em grandes quantidades e, como exércitos regulares, ao final da refrega, ou se expulsam ou deslocam um ao outro. Fala-se que a canela e ou­tras substâncias aromáticas, colocadas nas latrinas e nos lugares fedorentos, conservam mais os seus aromas, pois estes se recusam a sair para não se misturarem com o fedor circundante. E certo que o mercúrio, que de outra forma, se uniria em um corpo compacto, e impedido pela gordura de porco, pela terebentina e outras substâncias semelhantes, isso devido à falta de consenso que guarda em relação a esses corpos, dos quais procura se afastar quando é por eles envolvi­do; de sorte que a tendência para a fuga dos corpos interpostos é mais forte que a tendência para a união de todas as partes em um todo homogêneo. E é a esse fenômeno que chamam de mortificação do mercúrio. Da mesma maneira, o fato de o óleo não se unir à água não depende do peso específico diverso das duas substâncias, mas do seu precário consenso; o que é provado pelo fato de que o espírito do vinho, mais leve que o óleo, une-se perfeitamente à água. Mas o movi­mento de fuga manifesta-se, sobretudo, no nitrato e em outros corpos crus, inimigos das chamas, como a pólvora, o mercúrio e o ouro. Mas a fuga do ferro, do outro pólo do magneto, não é, como muito bem lembra Gilbert, um movimento de fuga propriamente dito, mas conformidade e tendência a ocupar um lugar mais conveniente.
     O décimo primeiro movimento é o movimento de assimilação ou de multiplicação de si mesmo ou ainda de geração simples. Deve-se entender por geração simples não a dos corpos inteiros que ocorre nas plantas e nos animais, mas aquela dos corpos similares. Por meio desse movimento, os corpos similares convertem em sua própria subs­tância e natureza outros corpos afins, ou pelo menos bem dispostos e preparados. É o caso da chama, que se multiplica alimentando-se de exalações de matérias oleosas e engendra nova chama; do ar, que se multiplica pela água e pelos vapores aquosos e engendra novo ar; do espírito vegetal e animal, que, se alimentando das partes mais tênues, tanto aquosas quanto oleosas, engendra novo espírito; das partes sóli­das, das plantas e dos animais, folhas, flores, carne, osso, etc., que assimilam o suco nutritivo e engendram substância reparadora conti­nuamente. E ninguém tomaria o lugar de Paracelso em suas fantasias, pois, obcecado com suas destilações, pretendia que a nutrição só se realizava por separação e que no pão ou em qualquer outro alimento encontram-se olhos, varizes, cérebros, fígados, e no humus da terra, raízes, folhas e flores. Tal como o escultor tira de uma massa tosca de pedra ou de madeira, por eliminação e reparação do supérfluo, folhas, flores, olhos, varizes, mãos, pés, etc.; da mesma maneira, afirma Paracelso, o artífice interno (o que chama de Arqueu) extrai, por separação e eliminação dos alimentos, cada um dos membros e partes. Mas, deixando de lado tais futilidades, acreditamos como certo que as diversas partes, tanto as orgânicas como as similares, tanto nos vege­tais quanto nos animais, primeiramente atraem os sucos dos alimentos, escolhem os que são quase comuns a todos ou os que não são muito diversos, depois os assimilam convertendo-os na própria natu­reza. E tal assimilação ou geração simples não ocorre somente nos corpos animados, mas também nas coisas inanimadas, como se depreende do exemplo da chama e do ar. Assim, o espírito morto,[248] que se encontra em toda coisa tangível e animada, faz com que as partes mais duras sejam digeridas e transformadas em espírito, que logo depois se exala, daí resultando uma diminuição e uma disseca­ção de peso, como já foi assinalado. Também não pode ser despre­zada a forma de assimilação que se costuma vulgarmente distinguir da nutrição; como é o caso do barro que se endurece entre duas pequenas pedras e transmuda-se essa matéria pétrea ou da crosta que se forma entre os dentes e se transforma em substância quase tão dura quanto eles, etc. Sustentamos a opinião de que em todos os cor­pos está latente a tendência à assimilação tanto quanto a tendência a união dos homogêneos; mas, mesmo esta tendência, como aquela, está vinculada, ainda que não da mesma maneira. E necessário que se investigue, com todo cuidado, como isso ocorre e como é possível remover o obstáculo, pois ajuda bastante ao revigoramento da velhi­ce.[249] Por último, devemos observar que nos primeiros nove movimentos aqui tratados os corpos procuram unicamente a conservação de sua natureza, no décimo buscam a sua propagação.
     O duodécimo é o movimento de excitação, que parece uma espécie de assimilação e por isso às vezes assim também o chamamos. Pois, à semelhança daquele, é capaz de se difundir, comunicar-se, transferir-se a outro e se multiplicar. E, apesar de o modo de operar e de a substância sobre a qual opera serem diversos, o efeito é o mesmo. Em relação ao modo de operar, de fato, a assimilação procede com autoridade e quase com império, obriga o alimento assimilado a transformar-se na substância que o assimilou; por seu turno, o movimento de excitação composta quase com arte e com circunspecção, furtivamente se insinuando, não obriga o alimento a transformar-se na substância que o excitou, O movimento de assimilação multiplica e transforma os corpos e as substâncias: por isso, a chama, o ar, o espírito, a carne, aumentam, O movimento de excitação, de sua parte, multiplica unicamente a virtude e transfere-a de um corpo a outro, com isso levando mais calor, mais magnetismo, mais podridão. Esse movimento é especialmente constatado no calor e no frio, de vez que o calor não se difunde no aquecimento em razão de um calor prece­dente, mas somente pela excitação das partes do corpo até aquele movimento que é a forma do calor, como se viu na primeira vindima da natureza do calor. É por isso que o calor se propaga muito mais dificilmente e mais tarde na pedra ou no metal que no ar, pela inapti­dão e lentidão desses corpos para com o movimento de excitação. Bem por isso, pode-se supor que nas entranhas da terra encontram-se matérias sobremodo incapazes de receber o calor, reduzidas certa­mente a tal grau de densidade que acabaram por perder o espírito, no qual o movimento de excitação, pelo menos, tem início. Do mesmo modo, o magneto dota o ferro de uma nova disposição das partes e infunde um movimento conforme ao seu, e isso sem perder nada da sua virtude. Do mesmo modo, o fermento do pão e o lêvedo da cerve­ja, o coalho do leite e alguns venenos excitam e introduzem um movi­mento sucessivo e continuado na farinha, na cerveja, no queijo e no corpo humano. E isso ocorre não tanto por sua virtude excitante mas sobretudo pela predisposição e pelo abandono do corpo excitado.
     O movimento décimo terceiro é o da impressão, que também é uma espécie do movimento de assimilação e é o mais tênue dos movi­mentos difusivos. Constituímo-lo em uma espécie distinta em razão de uma notável diferença que guarda em relação aos dois primeiros. O movimento de assimilação simples transforma os corpos a tal ponto que, mesmo que se suprima o primeiro móvel, a operação con­tinua. Da mesma maneira que a primeira inflamação da chama, ou a primeira conversão em ar, não tem qualquer efeito sobre a chama e sobre o ar, que vão surgindo sucessivamente, o movimento de excita­ção continua, mesmo depois da remoção do primeiro móvel, por um tempo considerável, como um corpo aquecido, que assim permanece, mesmo depois de cessada a causa do calor; como a virtude do ferro imantado, mesmo depois de eliminado o magneto; e a da massa da farinha, afastado o fermento. Ao contrário, o movimento de impres­são é capaz de se difundir, de se transferir para outros corpos, mas permanece sempre ligado ao primeiro móvel e, com o cessar deste, também cessa. Por isso, deve produzir-se em um momento ou em um tempo muito breve. Foi disso que retiramos a razão de designar os dois movimentos de assimilação e de excitação por movimentos de geração de Júpiter, porque são duráveis; e, ao último, de movimento de geração de Saturno, porque logo que nasce é imediatamente devo­rado e absorvido. Esse movimento se torna manifesto em três casos: nos raios de luz, nas percussões dos sons, no magnetismo, pelo que se relaciona com a comunicação. De fato, removida a luz, imediatamente cessam as cores e as suas outras imagens; cessada a primeira percussão e a vibração do corpo que a produziu, imediatamente tam­bém cessa o som. E embora os sons se propaguem mesmo no vento, como por ondas através do espaço, é, contudo, necessário observar-se com mais cuidado o fato de que o som não dura tanto quanto a sua repercussão. Quando se tange um sino, o som parece prolongar-se pelo tempo da repercussão; mas é de todo falso que o som se tenha prolongado durante todo aquele tempo, como pode ser notado pelo ar, pois em seu ressoar o som não permanece idêntico em número, mas se renova. O que pode ser facilmente verificado detendo-se o movimento do corpo percutido. Pois se pararmos e determos as vibra­ções do sino, no mesmo instante pára o som e não ressoa mais. O mesmo acontece com os instrumentos de corda, se depois do primeiro acorde tocar-se a corda ou com o dedo, como na lira, ou com o arco, como no violino: cessa imediatamente o som, O mesmo ocorre se se afasta o magneto: o ferro cai. A lua, todavia, não pode ser separada do mar, nem a terra de um corpo pesado, e, por isso, não se pode fazer com eles qualquer experimento; mas o princípio permanece o mesmo.
     O décimo quarto movimento é o de configuração ou de posição, graças ao qual os corpos parecem buscar não uniões ou separações mas uma determinada posição ou colocação e uma configuração particular, comum a outros. Esse movimento é bastante abstruso, e tem sido mal estudado. Às vezes parece sem causa, embora, no nosso entender, a causa exista. Assim, se se perguntasse a razão pela qual o céu gira de oriente a ocidente e não do ocidente para o oriente; ou por que gira ao redor dos pólos, que estão perto da Ursa Maior e não em volta de Orion ou de alguma outra constelação, tais questões parecem mal colocadas, por se referirem a fatos que devem ser investigados sobretudo pela experiência, da mesma maneira que outros fatos posi­tivos. Mas não se pode negar a existência na natureza de fenômenos últimos e sem causa, mas não parece que o que tratamos seja desse gênero. Entendemos que tais fatos procedem de uma certa harmonia ou consenso universal, que ainda nos escapa à observação. De fato, mesmo supondo o movimento da terra do ocidente para o oriente como certo, permanecem intactas as mesmas questões. Se ela se move em torno de certos pólos, por que esses pólos devem encontrar-se onde estão e não em outro lugar? Também o movimento, a direção e a declinação do magneto relacionam-se com o movimento de posição. Nos corpos naturais e nos corpos artificiais, especialmente nos sóli­dos, não-fluidos, encontra-se uma certa colocação harmônica de suas partes, e (por assim dizer) certos pêlos e fibras que estão a exigir um estudo mais profundo, pois sem o seu conhecimento não é possível de maneira eficaz manejar e controlar esses corpos. Mas a circulação dos líquidos que, comprimidos, antes de se libertarem, elevam-se por igual para melhor suportarem o peso da compressão, relacionamo-la ao movimento de liberdade.
     O décimo quinto movimento é o de transição, ou movimento conforme a passagem, pelo qual as virtudes dos corpos são mais ou menos sofreadas ou solicitadas pelo próprio meio em que agem, segundo a natureza dos corpos e das virtudes operantes, e também do meio. Com efeito, é bem diferente o meio que convém à luz, ao som, ao calor e ao frio, às virtudes magnéticas e outras em relação às ou­tras virtudes.
     O décimo sexto movimento é o que chamamos de régio ou políti­co, graças ao qual, em um corpo, as partes predominantes e imperan­tes subjugam, domam, dirigem e refreiam as demais, obrigam-nas a se unirem, a separarem-se, a pararem, a moverem-se e colocarem-se não segundo o arbítrio de cada uma mas segundo a ordem e o bem-estar da imperante. Assim é que há quase um governo e um domínio exer­cido pela parte dominante sobre as que estão submetidas. Esse movi­mento se manifesta sobretudo no espírito dos animais, movimento que, enquanto dura, regula os movimentos das outras partes. E encon­trado também em outros corpos, mas em grau inferior; como no san­gue e na urina, que não se dissolvem antes que o espírito que neles se encontra e penetra não tenha sido retirado ou sufocado. E não se trata de um movimento próprio apenas dos espíritos, embora em muitos corpos o espírito domine pela sua celeridade e penetração. Nos cor­pos mais densos, incapazes de um espírito ativo e móvel (como o do mercúrio e o do vitríolo), dominam, por seu turno, as partes mais espessas; de modo que se não se encontra um caminho para sacudir, por meio de alguma arte, esse jugo servil, nada se pode esperar a res­peito de qualquer nova transformação desses corpos. Toda essa enumeração e classificação de movimentos não tem outro fito que o de induzir a uma investigação mais exata de suas forças predomi­nantes, por meio da instância de luta. Mas não se pense que nos tenhamos esquecido do nosso assunto, por não termos feito menção das forças predominantes entre os próprios movimentos. Mas, ao falarmos deste movimento régio, não tratamos do predomínio nos movimentos e nas virtudes, mas da força predominante nas partes dos corpos. Esta última espécie de predomínio é a que constitui o movi­mento particular de que falamos.
     O décimo sétimo é o movimento espontâneo de rotação, graças ao qual os corpos que são capazes de movimento e são oportunamente colocados no espaço gozam de sua própria condição, tendendo para si mesmos e não para os outros corpos, e procuram enlaçar-se. Assim, os corpos se comportam diversamente, ou movem-se sem termo, ou estão em absoluto repouso, ou tendem a um termo, onde, segundo a sua natureza, ou estão em repouso ou começam a rodar. Os que estão bem situados movem-se em linha reta, que é a mais curta, para se juntarem aos seus semelhantes. Nesse movimento de rotação há nove diferenças, a saber: a primeira, em relação ao centro em torno do qual esses corpos se movem; a segunda, em relação aos pólos que sustentam a rotação; a terceira, em relação à circunfe­rência, conforme a distância do centro; a quarta, em relação ao grau de aceleração maior ou menor; a quinta, em relação à direção do movimento, se de oriente para ocidente ou se de ocidente para oriente; a sexta, em relação ao desvio do círculo perfeito, considerando a maior ou menor distância do centro da aspiral; a sétima, em relação ao desvio do círculo perfeito, considerando a maior ou menor distân­cia dos pólos da espiral; a oitava, em relação à maior ou menor dis­tância das espirais entre si; a nona e última, em relação ao desvio dos pólos, se são móveis; mas esta última não entra propriamente na rota­ção se não ocorre ela própria circularmente. O movimento de rotação, conforme a crendice comum e inventada, é atribuído como próprio dos corpos celestes. Mas há a propósito uma grave controvérsia, pois alguns autores antigos e modernos atribuíram a rotação à terra. Mais razoável seria verificar (se o assunto não está fora de discussão) se esse movimento, na hipótese de a terra estar em repouso, só ocorre nos céus, ou também no ar, na água, por comunicação dos céus. Quanto ao movimento de rotação nos projéteis, como nos dardos, nas flechas, nas balas dos mosquetes e coisas semelhantes, faz parte intei­ramente do movimento de liberdade.
     O décimo oitavo movimento é o da trepidação, no qual (da maneira como é entendido pelos astrônomos) depositamos muita fé. Mas se se estuda com seriedade todos os aspectos dos apetites dos corpos naturais, este movimento é encontrado por toda parte, daí merecer uma espécie distinta. Trata-se de um movimento de eterna escravidão, que ocorre quando os corpos, não bem situados, segundo a sua natureza, mas ainda não completamente deslocados, trepidam sem cessar, irrequietos, não satisfeitos, mas sem ousar saírem de seu estado. E o movimento que se observa no coração e no pulso dos ani­mais e deve existir em todos os corpos incertos, entre uma posição cô­moda e incômoda. Tentam libertar-se e são rechaçados, e, assim mesmo, prosseguem perpetuamente em suas tentativas.
     O décimo nono movimento é aquele que à primeira vista não pa­rece digno desse nome, mas trata-se de um autêntico movimento. A esse movimento é necessário chamar de movimento de repouso ou de aversão ao movimento. Devido a esse movimento a terra permanece imóvel com toda a sua mole, enquanto se movem os seus extremos tendendo para o meio, não para um centro imaginário, mas para man­ter-se unida. Pela mesma razão, os corpos mais densos têm aversão ao movimento e todo o seu apetite se concentra no sentido de se não moverem; o repouso é a sua natureza, natureza que conservam para opô-la a todo movimento em sentido contrário. Mas, se são compeli­dos ao movimento, tendem sempre à recuperação de quietude, como seu estado próprio, para dela não mais saírem. E, em tal caso, esfor­çam-se muito rapidamente, mostrando-se muito ágeis, como se esti­vessem irritados e impacientes por toda e qualquer demora. Uma ima­gem de tal apetite só é possível parcialmente, de vez que todos os corpos tangíveis da face da terra encontram-se sob o influxo e o calor dos corpos celestes, não se encontram em seu mais alto grau de condensação e todos acham-se mesclados com alguma dose de espíri­to.
     Procuramos, assim, enumerar as espécies ou elementos simples dos movimentos, os apetites e as virtudes ativas, que são mais comu­mente encontrados na natureza, o que reputamos de grande impor­tância para a ciência natural. Não pretendemos negar, por outro lado, que podem ser acrescentadas outras espécies, ou divisões, diferentes das aqui propostas, mais próximas das ramificações das coisas, ou em menor número. Leve-se em conta que não falamos de divisões abs­tratas, como as que dissessem que os corpos querem ou a conservação, ou a exaltação, ou a propagação, ou o desfrute da própria nature­za; ou que dissessem que o movimento das coisas tende à conservação e ao bem do universo, como o de resistência ou de cone­xão, ou das grandes massas, como os de congregação maior, de rota­ção e de aversão ao movimento; ou das formas particulares, como remanescentes. Todas as afirmações verdadeiras, mas que se não determinam na matéria e não se reduzem a outra estrutura, conforme distinções verdadeiras perdem-se em especulações destituídas de utilidade. Todavia, por ora é suficiente a medida da virtude predominante e a investigação das instâncias de luta, sobre a qual estamos discorrendo.
     Com efeito, dos movimentos enumerados, alguns são absoluta­mente insensíveis; outros são mais fortes e desencadeiam, inter­rompem e governam aqueles outros. Outros agem a distância, outros em menor tempo e com maior celeridade; outros, enfim, servem para reforçar, outros servem para, reciprocamente, reforçarem-se, acres­centarem-se, ampliarem-se e acelerarem-se.
     O movimento de resistência (antitipia) é tão invencível quanto o diamante. Mas não podemos afirmar com certeza que o movimento de conexão seja invencível, pois não temos como certa a existência do vácuo, tanto em estado puro quanto mesclado.[250] Mas entendemos ser falso o argumento expresso por Leucipo e Demócrito,[251] de que os mesmos corpos não poderiam, se o vazio não existisse, abarcar e preencher ora maior, ora menor espaço. Pois a matéria é como se fosse plissada,[252] de maneira a se poder alargar ou encolher no espa­ço, dentro de certo limite, sem possibilitar o vácuo; e não é verdadeiro que o ar possua em si o vácuo duas vezes mais que o ouro, como se pretende. Disso temos certeza pelo conhecimento de potentíssimas virtudes dos corpos pneumáticos, os quais aqueles pretendem tratar­-se de minúsculas partículas de pó no vácuo, e ainda muitas outras demonstrações. Os outros movimentos dominam e são dominados reciprocamente na proporção da energia, da massa, da velocidade, do impulso e dos auxílios ou obstáculos que se encontram.
     Por exemplo, um magneto armado é capaz de atrair ferro na pro­porção de sessenta vezes o próprio peso; a prevalência do movimento de congregação menor sobre o de congregação maior: com um peso maior o magneto não atua. Uma alavanca de uma certa força levanta­rá um certo peso; o movimento de liberdade domina a tal ponto o movimento de congregação maior que, com um peso maior, a ala­vanca cede. Um pedaço de couro se deixará esticar até certo ponto, sem se rasgar, pois depois desse ponto o movimento de continuidade domina o movimento de tensão; mas mais esticado o couro se rompe, e então o movimento de continuidade sucumbe. A água pode passar por certa fissura, de tal modo que o movimento de congregação maior domine o de continuidade, mas se a fissura é muito diminuta, preva­lece o movimento de continuidade e a água deixará de passar. De uma arma de fogo com apenas pó de enxofre e sem fogo, a bala não será expelida, porque o movimento de congregação maior vence o movi­mento de matéria, mas, se ela é carregada com pólvora, o movimento de matéria vence no enxofre, estimulado pelo movimento de matéria e pela fuga do nitro. E assim, outros exemplos semelhantes. Com bas­tante e assídua diligência devem-se recolher sempre as instâncias de luta, que indicam o predomínio das virtudes e em que modo e propor­ção elas predominam ou sucumbem.
     Mais ainda, devem-se buscar com diligência os modos e as razões do próprio sucumbir dos movimentos; se cedem completa­mente ou se continuam a resistir, mas contidos. Pois nos corpos por sobre a terra não há um verdadeiro repouso, nem no todo, nem nas partes dos corpos, mas apenas aparência. Essa quietude aparente e causada ou pelo equilíbrio ou por um predomínio absoluto de movi­mento; por equilíbrio, tal como ocorre nas balanças, que ficam para­das quando os pesos são iguais; por predomínio, como nos cântaros perfurados, em que a água fica em repouso, sem sair, em vista do predomínio do movimento de conexão. Mas deve ser observado, como já dissemos, até que ponto resistem esses movimentos que sucumbem. Pois, quando alguém em luta é arremessado ao solo, depois os pés e as mãos amarrados ou imobilizados de alguma forma, mesmo assim ele luta com todas as suas forças para se pôr de pé e mesmo que não o consiga o seu esforço não é menor do que em luta. As condições descritas (ou seja, se o movimento que sucumbe é como que aniquilado pelo predomínio, ou se continua em uma resis­tência latente) valem para o caso de concorrência de movimento, mas no caso de conflito de movimentos o que é latente se tornará potente. Por exemplo, suponha-se uma prova de tiro; verifiquemos num alvo, em linha reta, o seu alcance de tiro, depois procuremos saber se o golpe dessa bala será mais fraco, disparado de baixo para cima, quan­do o arremesso será o efeito de um movimento simples, que o dispa­rado de cima para baixo, quando o arremesso será o efeito de um movimento composto com a força de gravidade.
     Também devem ser coligidos os cânones a respeito de predomí­nio. É o caso seguinte: quanto mais comum é o bem que se almeja tanto mais forte será o movimento; assim, o movimento de conexão, que diz respeito à inteira comunidade do universo, é mais forte que o movimento de gravidade, que diz respeito apenas à comunidade dos corpos densos. Ou ainda: os apetites do bem privado não prevalecem na maioria dos casos sobre os apetites do bem público. Que assim também fosse nos assuntos civis!
XLIX
     Entre as instâncias prerrogativas, colocamos em vigésimo quinto lugar as instâncias indicadoras,[253] que são as que indicam ou assina­lam tudo aquilo que pode ser útil aos homens. Com efeito, o poder e o saber em si mesmos engrandecem a natureza humana, mas não a beatificam. Em vista disso, proceda-se, na universalidade das coisas, à escolha daquilo que melhor serve aos usos da vida. Voltaremos a esse assunto quando tratarmos das reduções à prática. Pois na pró­pria obra da interpretação, em cada assunto particular, sempre reser­vamos um lugar para a carta da humanidade ou carta de apetência (ou daquilo que se deseja).[254] Pois o querer e o apetecer judiciosa­mente fazem parte integrante da ciência.
L
     Entre as instâncias prerrogativas, colocamos em vigésimo sexto lugar as instâncias policrestas.[255] São as instâncias que se referem a vários casos e ocorrem com freqüência e que por isso dispensam não pouco trabalho e muitas demonstrações. Dos instrumentos e dos engenhos trataremos, por ocasião do estudo das reduções à prática e dos modos de se proceder aos experimentos. Dessa forma, aqueles que são conhecidos e muito usados serão descritos na história de cada uma das artes em particular. Contudo, alinhamos, a seguir, algumas observações gerais a título de exemplo das instâncias policrestas.
     Opera, pois, o homem sobre os corpos naturais (afora a simples aproximação e remoção dos corpos) de sete modos principais, que são: pela exclusão dos que impedem e perturbam, por compressões, extensões, agitações, etc.; pelo calor e pelo frio, por persistência em lugar conveniente, detendo ou guiando os movimentos; por meio de consensos especiais; pela pertinente e oportuna alteração, disposição e sucessão de todos esses modos ou de apenas alguns deles.
     Começando pelo primeiro modo: o ar comum que é encontrado e insinua-se por toda parte e os raios dos corpos celestes são causa de muitas perturbações. Tudo o que servir para eliminá-los pode ser considerado instância policresta. Seria esse o caso da matéria e da espessura dos recipientes nos quais são colocados os corpos para a feitura de experimentos; assim também os meios de obturação desses recipientes, soldadura ou por meio de barro de sabedoria,[256] como dizem os químicos. De muita utilidade é ainda o uso de líquidos para encerrar os líquidos, separando-os do exterior, como a colocação de azeite ou sucos vegetais sobre o vinho, que se expande sobre a super­fície como uma tampa, preservando-o do ar. Mesmo o pó é inútil, em­bora sempre esteja misturado a uma certa quantidade de ar, e tem a virtude de preservar coisas do ar ambiental, por isso a uva e a fruta são bem conservadas se colocadas na farinha ou na areia. Também a cera, o mel, o pixe e outras substâncias adesivas são úteis para se con­seguir perfeita vedação e separação da influência do ar e dos raios celestes. Fizemos algumas experiências submergindo o recipiente, ou algum outro corpo, em mercúrio, que é de longe o mais denso de todos os corpos que se expandem. Também as covas e as cavernas subterrâneas são de grande utilidade para a proteção em relação ao calor e ao nefasto ar, como são usadas na Alemanha do Norte para cereais. O mesmo resultado busca-se pela submersão na água, como ouvi o relato de odres de vinho colocados para refrescar em um poço profundo, lá esquecidos e encontrados muitos anos depois, tendo como resultado que o vinho não apenas tinha conservado o seu sabor e força como também se tinha tornado mais fino e generoso, em razão certamente da melhor combinação de suas partes. Assim, se se colo­car um objeto em um receptáculo no fundo da água dos rios ou do mar rodeado de ar, mas sem contato com a água, obtém-se uma boa forma para o trabalho em navios afundados, com a possibilidade de o trabalhador respirar sem vir à tona. E a seguinte a máquina, bem como o seu uso, tal como se conhece: preparava-se um recipiente côn­cavo de metal que se deixava descer perpendicularmente à superfície até a superfície da água, ou seja, de tal maneira que o seu orifício, localizado na sua base, ficasse sempre paralelo à mesma; nessa posi­ção, fazia-se com que ele submergisse, levando para o fundo do mar todo o ar contido em seu bojo. Em seguida, era colocado em um tripé um pouco menor que a altura de um homem. Tal disposição permitia ao mergulhador, quando disso tivesse necessidade, respirar, enfiando a cabeça na cavidade e continuar trabalhando. Ouvimos também fa­lar da invenção de uma máquina, em forma de navio, que possibilita a condução de homens, sob a água, a uma certa distância. Mas o nosso fito na experiência descrita é indicar a possibilidade, com o uso de um recipiente como o que foi descrito, de serem colocados objetos sob a água sem fechá-los.
     Há outra utilidade no completo e perfeito fechamento dos cor­pos, não apenas a de preservá-los do ar (o que já foi tratado), mas também a de impedir a exalação do espírito do corpo no interior do qual se opera. É necessário, para quem manipula corpos naturais, ter certeza de sua quantidade total, isto é, de que nada se evaporou ou transpirou. Pois ocorrem profundas transformações nos corpos quan­do a natureza impede a sua aniquilação e a arte, a dispersão e a evaporação de suas partículas. A este respeito, é aceita uma opinião falsa (a ser verdadeira, eliminaria a possibilidade dessa conservação de quantidade, sem qualquer diminuição), ou seja, a de que os espíri­tos dos corpos e o ar rarefeito devido ao calor muito elevado não podem ser contidos em qualquer recipiente, já que escapam pelos furos. Muitos homens foram induzidos a essa opinião pelos experi­mentos muito conhecidos do copo colocado de boca para baixo na água de uma bacia, onde é colocada uma vela ou um papel aceso, com o que a água é atraída para dentro do copo, nele se elevando até certa altura; ou igualmente pelo experimento das ventosas, que, aque­cidas e depois aplicadas, atraem a carne. Vulgarmente se acredita que tanto em um como em outro experimento o ar rarefeito escapa e, em conseqüência, diminuindo a quantidade, a água e a carne elevam-se pelo movimento de conexão. Trata-se, sem dúvida, de um erro. Pois o ar não diminui a quantidade, apenas contrai o seu volume; nem tem início o movimento de ascensão da água antes que a chama esteja extinta e o ar tenha esfriado; e os médicos, para tornarem mais efica­zes as ventosas, costumam colocar esponjas embebidas em água fria. Em vista disso, não se justifica o temor dessa fuga do ar ou dos espíri­tos. É fato que os corpos sólidos possuem poros, mas igualmente que o ar ou os espíritos não se deixam facilmente reduzir a ponto de pode­rem escapar, da mesma maneira que a água não escorre por uma fenda demasiado estreita.
     Passando-se ao segundo modo, dos sete descritos, desde logo deve-se observar que as compressões e os demais meios violentos são os mais eficazes em relação aos movimentos locais ou em relação a outros movimentos do mesmo gênero; é o que se verifica nas máquinas e nos projéteis bem como nas causas da destruição dos corpos orgânicos e das virtudes que residem inteiramente no movimento. Toda vida, e ainda mais, toda ignição, podem ser destruidas por compressão, o mesmo acontecendo com qualquer espécie de máquina que é destruída ou gasta. Serve ainda para a destruição das virtu­des que consistem em uma certa disposição e disparidade das partes dos corpos, como as cores (pois a cor não é a mesma em uma flor inteira e uma murcha, no âmbar inteiro e no âmbar em pó) e os sabo­res (pois o sabor não é o mesmo numa pêra ainda verde e na pêra espremida e pisada, ainda que se torne mais doce). Mas para se obte­rem transformações e operações mais relevantes nos corpos unifor­mes, as violências desse tipo não são de muita serventia, por não ofe­recerem aos corpos uma consistência durável, mas apenas momentânea e tendente sempre a libertar-se e a retornar à situação anterior. Mas não estaria fora de propósito a realização de experi­mentos mais cuidadosos sobre o assunto para se verificar se a condensa­ção e a rarefação dos corpos uniformes, como a água, o ar, o óleo e outros que tais, quando provocados pela violência, conseguem torná-­los duráveis, como com a transformação natural. A experiência pode­ria ser feita primeiramente deixando-se passar o tempo e depois atra­vés de artifícios e do consenso natural dos corpos. Ter-lo-íamos levado a cabo se nos tivesse ocorrido por ocasião da compressão da esfera cheia de água, para condensá-la antes da sua exsudação. De fato, teria sido necessário deixar a esfera achatada por alguns dias e extrair a água logo a seguir, para se verificar se ela retomava o volume ante­rior, antes da condensação. Se não voltasse a ocupar o mesmo volu­me, nem depois de algum tempo, estaria demonstrado que a conden­sação ter-se-ia tornado constante; caso contrário, teria sido momentânea, O mesmo poderia ter sido visto nos ovos de vidro; teria sido necessário, depois de uma forte sucção, fechar os ovos rápida e firmemente, deixando-os assim, por alguns dias, para se verificar se, depois de abertos, o ar seria atraído com um silvo ou se, mergulhados na água, poderia a atração do líquido ser da mesma quantidade de li­quido, que no caso de não se ter esperado esse tempo. É provável que se alcançasse esse efeito, o que deveria ser verificado com cuidado, pois em corpos menos uniformes acontece o mesmo, depois de certo tempo. Assim é que, encurvando-se uma vara, por compressão, depois de um certo tempo ela não retoma a posição inicial. E isso não ocorre devido à diminuição da madeira, causada pelo tempo, pois o mesmo ocorre com uma lâmina de ferro (em tempo maior), onde não ocorre qualquer desgaste. Mas se não se consegue o experimento apenas com o transcorrer do tempo, não deve nem por isso ser abandonado, mas pensar-se em outros meios; pois não é de pouca utilidade a obtenção de novas naturezas fixas. e duráveis nos corpos usando-se meios vio­lentos. Pois por esse caminho o ar poderia, pela condensação, ser transformado em água, como também poderiam ser obtidos muitos outros efeitos do mesmo gênero. Na verdade, mais que os outros, os movimentos violentos estão no poder do homem.
     O terceiro dos sete modos refere-se àquele grande instrumento de transformação, tanto da natureza quanto das artes, ou seja, o calor e o frio. E aqui o poder humano como que coxeia de um pé. Possuímos, realmente, o calor do fogo, que é infinitamente superior em intensi­dade (pelo que percebemos), e o calor dos animais; mas não podemos dispor do frio fora as estações de inverno, das cavernas ou por revesti­mento de neve ou gelo no que se pretende gelar. Tal frio seria no máximo comparável ao calor reinante ao meio-dia em uma região de zona tórrida, ainda aumentado por reflexão dos muros e montanhas. Tais intensidades de calor e de frio são suportáveis pelos animais durante algum tempo, mas não podem ser comparadas com o calor de um forno ardente ou com um frio em grau equivalente. Dessa forma, todas as coisas tendem aqui na terra à rarefação, à dessecação e à consumpção: quase nada à condensação e ao amolecimento, se não forem usados misturas ou meios, por assim dizer, espúrios. As instân­cias do frio devem ser buscadas com a máxima diligência, expondo-as ao frio no alto das torres, durante as nevascas ou nas cavernas subter­râneas, ou cobrindo de neve ou de gelo outras galerias, ou cavando poços para esse fim, ou mergulhando-as no mercúrio e outros metais, ou em águas que tenham a propriedade de petrificar a matéria, ou enterrando-as como fazem os chineses quando querem formar a porcelana, que fica enterrada durante cinqüenta anos, legando-se aos her­deiros como se fossem minas artificiais;[257] ou ainda com outros procedimentos semelhantes. É necessário que se observem também as condensações que se formam na natureza em conseqüência do frio, para, depois de conhecidas as suas causas, transferi-las para as artes. Trata-se dos fenômenos seguintes: a exsudação do mármore e das pedras, no embaciamento dos vidros das janelas depois de uma noite de geada, os vapores formados no seio da terra que se convertem em água, dando origem a numerosas fontes, e de muitos outros semelhantes.
     Além dos corpos que são frios ao tato, há também outros, com poder de frio, que se condensam mas parecem agir unicamente sobre os corpos dos animais, indo muito pouco além disso. Como desse tipo podem ser apontadas muitas medicinas e muitos emplastros; outros condensam a carne e partes tangíveis, como os medicamentos adstrin­gentes e os coagulantes; outros condensam os espíritos, o que se observa especialmente nos soporíferos, ou que provocam o sono; num caso por sedação do movimento e em outro pela dispersão dos espíri­tos. A violeta, a rosa seca, a alface e outras substâncias semelhantes, benignas ou malignas, com seus vapores delicados, refrescam e convi­dam os espíritos a se unirem, aplacando o seu movimento desorde­nado e inquieto. Do mesmo modo, a água de rosas, aplicada ao nariz, nos desmaios, reaviva e congrega os espíritos dispersos. Mas o opiato e as substâncias afins, ao contrário, põem a correr os espíritos, pela sua natureza maléfica e hostil: basta aplicá-lo em uma parte externa e os espíritos afastam-se, sem mais retornarem. Se tomado pela boca, os seus vapores sobem à cabeça, afugentam, por todos os lados, os espíritos localizados nos ventrículos do cérebro; mas não podendo nem se retraírem, nem fugirem para outro lugar, reúnem-se e se aden­sam e às vezes se extinguem, sufocados. O opiato, tomado em quanti­dade moderada (como uso secundário, ou seja, pela condensação que se segue à reunião), serve para curar os espíritos, tornando-os mais vigorosos e diminuindo a sua inútil agitação. Dessa forma, cura as moléstias e auxilia no prolongamento da vida.
     Por isso, não se deve descuidar dos modos de preparação dos corpos, na recepção do frio: a água morna gela mais rapidamente que a completamente fria; e coisas da mesma ordem.
     Por outro lado, desde que a natureza é tão avara de frio, torna-se necessário usar o recurso dos boticários, que, na falta de um elemento simples, adotam um substitutivo ou quod pro qua, como chamam: o aloés pelo bálsamo, a cássia pela canela. Do mesmo modo devemos também investigar, com todo cuidado, quais são as coisas capazes de substituir o frio natural, conseguindo os mesmos efeitos que são próprios do frio, ou seja, a condensação dos corpos. As condensações, pelo que se sabe, devem-se a quatro causas: a primeira, por simples compressão, que pode muito pouco no caso dos corpos de densidade permanente, mas que sempre serve como auxiliar; a segunda, por con­tração das partes mais grosseiras de um corpo, depois da retirada das partes mais leves, como acontece com o endurecimento pelo fogo, ou nos resfriamentos repetidos dos metais e outros do mesmo gênero; a terceira, da reunião das partes homogêneas, que são as mais sólidas, em um corpo, que antes foram dispensadas e mescladas com outras menos sólidas, como na restauração do mercúrio sublimado em líquido, que em pó ocupa um espaço muito maior que o mercúrio simples, e de modo semelhante na purificação de metais e de suas escórias; a quarta, por simpatias, aplicando substâncias que condensam por alguma força oculta. A manifestação de tais simpatias é rara, o que não é de se estranhar, pois até que descubram as formas e os esquematismos não se pode esperar muito das simpatias. Pois em relação aos corpos dos animais há inúmeras medicinas, de uso interno ou externo, que têm a capacidade de condensar como por simpatia, como já foi dito. O difícil é operar sobre corpos inanimados. Por escrito e por tra­dição, fala-se de uma árvore das ilhas Terceiras (dos Açores ou Caná­rias, não nos recordamos bem) que destila continuamente uma quanti­dade de água suficiente para suprir as necessidades de seus habitantes. Paracelso fala de uma planta, chamada “orvalho do sol”, que se cobre de umidade mesmo sob o calor do meio-dia, enquanto as outras ervas permanecem secas. Entendemos por fabulosos ambos os relatos; mas, se fossem verdadeiros, haveria no caso instâncias de grande uso e dignas da maior consideração. O orvalho que se obser­va, em maio, sobre as folhas de carvalho, não concebo que se forme e condense por simpatia ou por alguma propriedade da própria plan­ta, pois também cai sobre outras folhas, mas se conserva nas folhas do carvalho por serem bem úmidas e não esponjosas, como as demais.
     Em relação ao calor, o homem dispõe de abundantes recursos à sua disposição, mas faltam observações e investigações, mesmo em casos muito necessários, apesar dos alquimistas se vangloriarem de conhecê-los. São bem conhecidos os efeitos do calor intenso, mas os do calor moderado, mais freqüente na natureza, não são conhecidos. Facilmente se verifica como o uso de calores fortíssimos muito exalta os espíritos dos corpos, como nas águas fortes e em muitas outras substâncias oleosas produzidas quimicamente; as partes tangíveis se endurecem e até se petrificam, depois de evaporado o resto; as partes homogêneas se separam; os corpos homogêneos ligam-se e incorpo­ram-se; e, sobretudo, é destruída a conexão dos corpos compostos e perdem-se os esquematismos mais sutis. O que deve ser posto à prova é o efeito do calor mais fraco, por meio do qual se podem provocar, como faz o sol na natureza, as mais sutis misturas e os esquema­tismos ordenados, como ficam indicados no aforismo das instâncias de aliança.
     É seguro que a natureza age por meio das partes mais diminutas, distribuídas e dispostas por maior riqueza e variedade que as que se poderia obter por meio do fogo. Muito seria aumentado o poder do homem se por meio do calor se conseguisse produzir artificialmente as obras da natureza, por participação do tempo, na sua espécie, aper­feiçoadas na sua virtude e modificadas na sua massa. Pois a ferrugem forma-se lentamente no ferro, mas a origem do açafrão de Marte é sú­bita, como o verdete e o chumbo branco. Os depósitos cristalinos for­mam-se depois de muito tempo; o vidro, ao contrário, é feito rapida­mente. As pedras fazem-se com o tempo, os tijolos brevemente; e assim por diante. Em resumo, é necessário que se colecionem todas as espécies de calor, cada uma com os seus respectivos efeitos, e tal tra­balho deve ser o mais cuidadoso e diligente possível; deve-se, assim, distinguir os corpos celestes conforme os seus raios diretos, reflexos, refratados e recolhidos em espelhos ustórios; os raios, as chamas, o fogo do carvão; o fogo segundo as várias matérias que o produzem e segundo as suas qualidades: fogo livre, fogo aprisionado, transbor­dando como uma corrente e segundo os diversos tipos de forno que o produzem; o fogo avivado pelo sopro e o fogo parado; o fogo colo­cado a diversas distâncias; o fogo filtrado por vários meios; calores úmidos, como banho-maria, o esterco animal, o calor animal interno e externo, o feno amontoado; o calor dos corpos secos, da cinza, da cal, da areia caldeada; enfim, todos os tipos de calor com as suas respectivas graduações.
     Mas, sobretudo, é necessário indagar-se e descobrir-se os efeitos e as operações do calor que variam, conforme os graus, com ordem e periodicamente, com distâncias e intervalos adequados. Essa descon­tinuidade ordenada do calor é certamente fruto do céu, pois é a matriz de toda geração; e não é de se esperar um efeito igual no calor inten­so, no calor violento e no calor irregular. Tudo isso é evidentíssimo nos vegetais e também no útero dos animais; há essa descontinuidade do calor, conforme os períodos de movimento, de repouso, de nutri­ção e segundo os desejos das gestantes. Essa descontinuidade ocorre mesmo no próprio seio da terra, onde se produzem os metais e se for­mam os fósseis. Isso deixa mais clara ainda a estupidez dos alquimis­tas, da escola reformada, que imaginaram que, valendo-se de calores de lâmpadas e coisas semelhantes em ignição perpetuamente igual, alcançariam os seus propósitos. A respeito da produção e dos efeitos do calor, resta dizer que estas investigações devem prosseguir até as descobertas das formas das coisas e dos esquematismos dos corpos, pois será o momento de se buscarem, aplicarem e adaptarem-se os instrumentos quando os modelos estiverem claramente estabelecidos.
     O quarto modo de operar é o tempo que é o verdadeiro dispen­seiro e depositário da natureza. O tempo (a demora), neste sentido, ocorre quando um corpo é confiado a si mesmo por um lapso consi­derável, mas protegido e defendido de toda força externa. Nesse caso só se manifestam e aperfeiçoam os movimentos interiores, de vez que os estranhos e externos estão interrompidos. pois as obras do tempo são muito mais sutis que as obras do fogo. Não ocorre a clarificação do vinho pelo fogo, nem as cinzas produzidas pelo fogo são tão aca­badas como as destruições realizadas pelos séculos. Mesmo as incorporações e misturas que ocorrem subitamente por meio do fogo são muito mais fracas que nas que intervém o tempo. Isso se deve a que o fogo e o calor muito forte destroem as partes dessemelhantes e os esquematismos internos, enquanto que o tempo constrói (como na putrefação). Em vista disso, seria de interesse observar-se que os movimentos dos corpos, completamente fechados, escondem alguma violência: isso acontece porque a segregação não impede qualquer movimento espontâneo. Por isso em um recipiente aberto age melhor para as separações, em um recipiente completamente fechado para as misturas; em um recipiente fechado, mas com entrada para ar, para as putrefações. E necessário, contudo, que se colecionem, em todos os lugares, com diligência, as instâncias das operações e dos efeitos do tempo sobre os corpos.
     O quinto modo de operar é o da direção do movimento, que ocorre quando um corpo, encontrando outro, impede, repele, admite ou dirige o seu movimento espontâneo. Muitas vezes isso ocorre na forma e na disposição dos recipientes. Por exemplo, o de forma cônica e em pé facilita a condensação dos vapores nos alambiques; em posição contrária, serve para refinar o açúcar. As vezes é exigida uma curvatura ou um estreitamento ou dilatações sucessivas, e outras coi­sas semelhantes. A operação do calor consiste em proceder-se de tal modo que um corpo, encontrando-se com outro, deixe uma parte pas­sar, enquanto que a outra é segura. A passagem de um corpo por outro, na filtração, não ocorre sempre exteriormente; algumas vezes um corpo infiltra-se no interior de outro, coisa que ocorre quando colocamos pequenas pedras na água para recolher o sedimento ou quando se clarificam os xaropes por meio da clara de ovo, que só absorve as partes mais grossas, permitindo a sua eliminação. Para a direção do movimento Telésio atribuiu figuras de animais, mas sem critério e sem conhecimento de causa, apenas porque observou a pre­sença de rugosidades e canais na matriz. Mas deveria ter notado uma conformação semelhante nas cascas dos ovos, onde não se notam rugosidades ou desigualdades. Tem-se a direção do movimento nas formações obtidas entre modelos ou formas plásticas.
     Quanto às operações que ocorrem por consenso ou fuga (que constituem o sexto modelo), na maior parte estão profundamente escondidas. Tais propriedades ocultas, e específicas, simpatia e anti­patia, são em sua maioria corruptelas da filosofia. E não se pode espe­rar encontrarem-se os consensos das coisas antes das descobertas das formas e dos esquematismos simples. Pois o consenso nada mais é que a mútua simetria das formas e dos esquematismos.
     Os consensos maiores e quase universais das coisas não são completamente obscuros. A primeira diversificação a ser notada é a de que alguns corpos se diversificam muito entre si devido à densi­dade ou à rarefação da massa, mas concordam na estrutura interna, ou seja, nos esquematismos; outros, pelo contrário, diferem nos esquematismos e concordam na massa. Os químicos observaram com propriedade três princípios: que o enxofre e o mercúrio acham-se esparsos por todo o universo e por todos os corpos. O sal, contudo, foi introduzido para explicar os corpos secos, terrosos e duros, e não deve ser considerado como terceiro. Apenas nos primeiros dois é pos­sível descobrir-se um dos consensos mais gerais da natureza. Consensos são encontrados de fato entre o enxofre, o óleo ou vapor graxo, a chama e, talvez, corpo das estrelas. Por outro lado, consentem entre si o mercúrio, a água e os vapores aquosos, o ar e talvez também o puro éter disseminado entre as estrelas. Nas primeiras quatro substâncias gêmeas, como nas outras quatro substâncias que se estendem por duas ordens diferentes, abarcando quase toda a natureza, encontram-se notáveis diferenças quanto à massa e à densidade da matéria, mas não quanto ao esquematismo. E disso há numerosas provas. Por sua vez, os metais convêm entre si na diversidade da matéria e na densi­dade (sobretudo se comparados aos vegetais e aos animais), mas dife­rem bastante quanto ao esquematismo; já os animais e os vegetais va­riam quase que infinitamente no esquematismo, pouco diferindo na densidade ou quantidade de matéria.
     Vejamos outro consenso, que contudo não é tão bem entendido quanto o primeiro, que é o que há entre os corpos principais e aqueles que os estimulam, ou seja, os mênstruos [258] e os seus alimentos. A seu respeito, deve-se investigar em qual clima, em qual região e a qual profundidade produzem-se os vários metais e as pedras preciosas que nascem nas rochas e nas minas, e em que terreno se produzem os vários tipos de árvores, das árvores de frutos às várias espécies de ervas, quais devem ser os melhores adubos, se o esterco, se a cal, se a areia, se a cinza, etc., segundo as várias espécies de terreno. Também o enxerto das árvores e das plantas, bem como os seus tipos, muito depende do consenso, ou seja, saber qual a planta que se pode enxer­tar com outra com maior sucesso. Há um experimento, do qual ouvi­mos falar recentemente, que se faz pelo enxerto em plantas silvestres (que até agora se costuma fazer mais com as árvores de horta) e com que se tem conseguido aumentar notavelmente folhas e frutos bem como a copa das árvores. Devem ser observados, também, os respec­tivos alimentos dos animais em geral, separando-se os nocivos. Por exemplo, os animais carnívoros não toleram as ervas, e por isso os monges da ordem Cisterciense de Feuillans [259] (apesar de a vontade humana ter mais poder sobre o corpo que os outros animais) quase desapareceram, de vez que o feito não podia ser tolerado pela espécie humana. Igualmente devem ser observadas as diversas matérias das putrefações, das quais se engendram certos animálculos.
     Os consensos gerais dos corpos com os seus subordinados, assim podem ser considerados os que observamos, estão bastante cla­ros. A eles podem ser acrescentados os consensos dos sentidos com os seus objetos. Esse tipo de consenso é muito conhecido, mas pode ser melhor estudado, com o que se poderia levar luz aos outros consensos.
     Mas os consensos internos dos corpos e as fugas, ou seja, a ami­zade e as discórdias dos corpos (preferimos não usar os termos sim­patia e antipatia, que se ligam a vás superstições), ou são falsos, ou fabulosos, ou muito raros, por falta de cuidado dos homens, que não fizeram observações adequadas. Pode ser observado que entre a vinha e a couve há discórdia pelo fato de que, plantada uma perto da outra, não se desenvolvem; a razão é que se trata de plantas que absorvem muito humor e que uma usurpa a outra. Por outro lado, pode ser dito que há consenso e amizade entre o trigo, a centáurea e a papoula porque essas ervas quase que se desenvolvem nos campos cultivados, quando deveria ser dito que entre elas haveria discórdia, pois a cen­táurea e a papoula alimentam-se e desenvolvem-se da substância da terra que foi eliminada e expulsa pelo trigo; por isso a semeadura é a melhor preparação do seu terreno. Considerações falaciosas como essas há em grande número. Quanto às fabulosas, essas devem ser completamente eliminadas. Resta um pequeno número de consensos suscetíveis de serem comprovados pelo experimento, e entre eles devem ser anotados os do magneto e o ferro, o ouro e o mercúrio, e outros semelhantes. Entre os experimentos químicos com metais, nenhum há que mereça destaque. Mas a maior abundância (no meio de tanta escassez) pode ser encontrada em certas medicinas, que pelas suas chamadas propriedades ocultas e específicas guardam relação ou com os membros do corpo, ou com os humores, ou com as doenças, ou até com as naturezas individuais. E não devem ser desprezados os consensos entre os movimentos e os efeitos da lua e as paixões dos corpos aqui da terra, que podem ser extraídos dos experimentos agrí­colas, náuticos, médicos e outros, que devem ser avaliados com muito discernimento e colecionados em conjunto. Mas, quanto mais raras são as instâncias dos consensos mais recônditos, tanto maior cuidado se deve ter em só acolher relatos e tradições fidedignos e seguros, evitando-se qualquer superficialidade e credulidade, sempre conce­dendo uma confiança inquieta e quase propensa à dúvida. Resta tra­tar do consenso dos corpos, cujo modo de operar é muito simples, mas que, estando sujeito a um múltiplo uso, não deve ser de maneira alguma desprezado, mas ao contrário, estudado com cuidadosas observações. Ele consiste na propensão ou relutância que têm os cor­pos para se unirem ou conjugarem-se, seja pela mistura ou por sim­ples aposição. Alguns corpos se misturam e incorporam-se com facili­dade e de maneira voluntária, outros com dificuldades e com repugnância. Por exemplo, os corpos em forma de pó se incorporam melhor à água; a cal e a cinza, ao óleo; assim por diante. Não se pode dar como terminado o trabalho de investigação depois da coleta das instâncias de propensão e de aversão à mistura: deve-se passar a investigação da colocação e distribuição das partes e disposição de­pois de misturadas; e, depois de concluída a mistura, ao predomínio resultante.
     Finalmente, como último dos sete modos de operar, é necessário falar-se da aplicação alternada dos seis modos precedentes. Sobre isso, não é oportuno aduzirem-se exemplos até que a sua investigação tenha progredido significativamente. Essa recíproca e ordenada alter­nância é tão difícil de ser entendida quanto é útil às operações. Toda­via, os homens são muito impacientes, tanto na investigação quanto na prática; mesmo que aí esteja o verdadeiro fio do labirinto para a descoberta de obras mais importantes. Tais exemplos são suficientes para as instâncias policrestas.
LI
     Entre as instâncias prerrogativas, colocamos em vigésimo séti­mo e último lugar as instâncias mágicas.[260] Com tal nome designa­mos as instâncias em que a matéria ou causa eficiente é fraca e peque­na em relação à grandeza da obra e dos efeitos alcançados. Estes, embora comuns, parecem quase milagrosos; alguns logo à primeira vista, outros mesmo depois de um exame atento. A natureza, de si mesma, e avara nessas maravilhas, mas no futuro surgirão em grande número, quando tiverem sido colocados à luz as formas, os processos e os esquematismos. Pelo que até agora se conhece, os efeitos mágicos ocorrem de três modos: ou pela multiplicação de si mesmo, como acontece no fogo, nos chamados venenos específicos e nos movimen­tos que aumentam de força ao passarem de roda em roda; ou por excitação ou convite de um outro corpo, como ocorre com o magneto, que excita numerosas agulhas sem perder ou diminuir nada de sua virtude; e como ocorre no lêvedo e nas substâncias semelhantes; ou por antecipação do movimento, como se indicou ao falar-se da pólvo­ra, dos canhões e das minas. Dos dois primeiros movimentos é neces­sário que se indaguem os consensos; do terceiro, as medidas. Da possibilidade de se modificar, por algum modo, os mínimos elementos dos corpos (como se costuma dizer), transformando os mais sutis esquematismos da matéria, o que significaria operar todos os gêneros de transformações nos corpos, e a arte, então, poderia fazer em breve tempo aquilo que a natureza perfaz durante muito tempo, a esse res­peito ainda não se pode adiantar nada de preciso. De nossa parte, declaramos que, como aspiramos ao supremo grau dos conhecimentos sólidos e verdadeiros, do mesmo modo votamos perpétuo ódio a toda vaidade e toda pretensão vã, combatendo-as de todas as nossas forças.
LII
     Aqui encerramos a enumeração das dignidades ou instâncias prerrogativas. Mas deve-se ter em conta que neste Organon foi nosso propósito tratar de lógica, não de filosofia; mas, como a nossa lógica procura ensinar e guiar o intelecto e não agarrar e segurar as abstra­ções da realidade com as frágeis escoras da mente (como a lógica vul­gar), mas realmente esquadrinhar a natureza, voltando-se para a des­coberta das virtudes e dos atos dos corpos, bem como de suas leis determinadas na matéria, dependendo, em resumo, esta ciência, não apenas da natureza do intelecto, mas também da natureza das coisas, não é para espantar que tenha sido ilustrada, continuamente, com observações sobre a natureza, que devem servir de exemplos da nossa arte. Do que foi exposto, são em número de vinte e sete as instâncias prerrogativas, a saber: instâncias solitárias, instâncias migrantes, instâncias ostensivas, instâncias clandestinas, instâncias constitu­tivas, instâncias conformes, instâncias monádicas, instâncias desvian­tes, instâncias limitativas, instâncias da potestade, instâncias de acompanhamento e hostis, instâncias subjuntivas, instâncias de alian­ça, instâncias cruciais, instâncias de divórcio, instâncias da porta, instâncias de citação, instâncias do caminho, instâncias suplemen­tares, instâncias secantes, instâncias da vara, instâncias do currículo, instâncias de dose da natureza, instâncias de luta, instâncias indica­doras, instâncias policrestas e instâncias mágicas. Os usos dessas instâncias, no que se sobrepõem às instâncias vulgares, relacionam-se em geral ou com a parte informativa ou com a parte operativa, ou com ambas. Quanto à parte informativa, auxiliam ou os sentidos ou o intelecto. Auxiliam os sentidos as cinco instâncias de lâmpada. Auxi­liam o intelecto ou aceleram o processo exclusivo da forma, como a solitária; ou limitando e indicando de mais perto o procedimento afir­mativo como as migrantes e as ostensivas, as de companhias e as subjuntivas; ou indicando e conduzindo aos gêneros e às naturezas comuns, e isso, ou imediatamente, como as clandestinas, as monádi­cas e de aliança; ou de modo próximo, como as constitutivas; ou em grau inferior, como as conformes; ou corrigindo o intelecto da expe­riência comum, como as de desvio; ou conduzindo à descoberta da forma maior ou da estrutura do universo, como as limitativas; ou preservando-o das formas e causas falsas, como as cruciais e de divórcio. Em relação à parte operativa, essas instâncias servem para ordenar a prática, ou medindo-a ou facilitando-lhe a execução, e de­pois indicam por onde se deve começar para evitar a repetição do que já foi feito com as instâncias de potestade; a que se deve tentar che­gar, se possível, com as indicativas. Servem para a medida da prática as quatro matemáticas; facilitam a execução as multiformes e as mágicas.
     Algumas dessas vinte e sete instâncias exigem que se faça (como já foi dito antes a respeito de algumas delas) imediata coleta, sem se aguardar a investigação particular da natureza. Estão nesse caso as instâncias conformes, as monádicas, as de desvio, as limitativas, as de potestade, as da porta, as indicativas, as policrestas e as mágicas, elas, de fato, oferecem auxílios e remédios aos sentidos e ao intelecto, e informam a prática em geral. As outras devem ser recolhidas, quando se chegar à formação de tábuas de citação, estabelecidas pelo intérprete através da investigação de uma natureza particular. As instâncias esta­belecidas e oferecidas com essas prerrogativas são como a alma das instâncias vulgares de citação e, como já foi dito no início, umas pou­cas delas valem por muitas das outras; e devem ser tratadas com o máximo cuidado na formação das tábuas em que devem ser inscritas. Seria necessário mencioná-las a seguir e para isso seria preciso expor previamente o seu uso. Agora é necessário passar, por ordem, aos adminículos e às retificações da indução e depois ao concreto; e aos processos e esquematismos latentes e a tudo mais que indicamos no aforismo vinte e um. Só então poderemos dizer ter colocado nas mãos dos homens, como justo e fiel tutor, as suas próprias fortunas, estando o intelecto emancipado e, por assim dizer, liberto da menoridade; daí, como necessária, segue-se a reforma do estado da humanidade, bem como a ampliação do seu poder sobre a natureza.
     Pelo pecado o homem perdeu a inocência e o domínio das criatu­ras. Ambas as perdas podem ser reparadas, mesmo que em parte, ainda nesta vida; a primeira com a religião e com a fé, a segunda com as artes e com as ciências. Pois a maldição divina não tornou a criatura irreparavelmente rebelde; mas, em virtude daquele diploma: Comerás do pão com o suor de tua fronte,[261] por meio de diversos trabalhos (certamente não pelas disputas ou pelas ociosas cerimônias mágicas), chega, enfim, ao homem, de alguma parte, o pão que é desti­nado aos usos da vida humana.

NOTAS:
Prefácio do Autor e Livro I dos “Aforismos sobre a Interpretação da Natureza e o Reino do Homem
[1] — Literalmente, incompreensibilidade; estado resultante do princípio cético de dúvida à possibilidade da ver­dade, Nova Academia. Arcesilau (3 16-241 a.C.) e seus discípulos. Ver mais adiante Aforismo 126, livro I.

[2] — Bacon não usa, ao contrário de Descartes, o termo methodus, transcrição latina do grego, possivelmente para não se comprometer com o seu uso anterior. Prefere ratio ou via. Acompanhamos, no caso, a unanimi­dade dos tradutores modernos.

[3] — Usada no sentido escolástico, uma das partes do Trivium, equivalente à lógica formal e. mais tecnica­mente, como sinônimo de método dedutivo. Em algumas passagens toma o sentido pejorativo, já usado por Aristóteles, de exercício inócuo.

[4] — Original: vanissimis idolis. Relacionado à doutrina dos ídolos ou falsas idéias, exposta no livro I, a partir do Aforismo 38.

[5] — O termo “axioma” é usado por Bacon no sentido de proposição geral.

[6] — Idéia, nesta, passagem, tem sentido platônico, talvez mais próximo dos neoplatônicos renascentistas.

[7] — Original: instantia, termo de origem judiciária. Preferimos instância mesmo em português. Aparece com freqüência no sentido de “caso”, “exemplo”, “ocorrência”, etc., sempre relacionado com a realidade natural

[8] — Original: consensum. O consenso, para Bacon. tem origem num traço comum a todos os homens e serve de base para o seu acordo como termo de várias questões, mas não como fundamento legitimo para a ciência.

[9] — Original: Idola Tribus. Idola Specus, Idola Fori e Idola Theatri.

[10] — A expressão tem origem no conhecido Mito da Caverna, da República de Platão. A correlação é metafórica, de vez que o sentido preciso é diferente.

[11] — Heráclito, fragmento 2 (n.° de Diels): “Por isso convém que se siga a universal (razão, logos), quer dizer a (razão) comum: uma vez que o universal é o comum. Mas, embora essa razão seja universal, a maioria vive como se tivesse uma inteligência absolutamente pessoal”.

[12] — Original: sermones.

[13] — Cf. Cícero, De Natura Deorum, III. 37, § 89.

[14] — Original: subalternis, sentido lógico.

[15] — Original: lumen siccum. Possivelmente sugerida por expressão de Heráclito (fragmento 118), através de comentadores romanos.

[16] — Esse aforismo trata, de passagem, de assunto altamente controvertido da teoria natural de Bacon e que vai ser exposta no livro II, a propósito da teoria da forma.

[17] — Original: schematismi, meta-schematismim actus purus, lex actus. Vide nota anterior.

[18] — William Gilbert (1540-1603). autor do célebre De Magnete.

[19] — Original: Themata Coeli.

[20] — Original: rationale genus philosophantium. Preferimos o termo racional a outros também usados para o caso, por entender que as confusões que se procura evitar ficam suficientemente afastadas pelo contexto.

[21] — Referência a Paracelso e às concepções mágicas.

[22] — Trata-se da distinção, existente em lógica formal, entre: voces secundae intentionis e voces primae intentionis. A alma, para Aristóteles (De Anima II. 1.412 A. 27-28), está na primeira espécie, quando Bacon entende que devia estar na segunda.

[23] — Filósofos pré-socráticos, cujo naturalismo entusiasma mais Bacon que os sistemas posteriores.

[24] — Referência mais à Nova Academia e possivelmente ao neoplatonismo de Proclo.

[25] — Lucas, 24,5. Alusão a Robert Fludd, teósofo e rosa-cruz, contemporâneo de Bacon.

[26] — Original: in quod, nisi sub persona infantis intrare non datur (Mateus, 18.3).

[27] — Original: mera palpatio.

[28] — Original: ad magis.

[29] — Original: ad praxim.

[30] — História da filha de um rei de Ciros, célebre pela sua rapidez e que disse se casar com quem a vencesse em uma corrida. Hipómenes, com auxílio de uma deusa, conseguiu sucesso jogando pomos de ouro para trás, sempre que Atalanta estava prestes a alcançá-lo.

[31] — Original: experimenta lucifera e experimenta fructifera.

[32] — Original: sapientia.

[33] — Original: professoria. — O saber professoral para Bacon tem o sentido de saber acadêmico, transmitido de mestre a discípulo, sem recurso às fontes.

[34]Apud Diógenes Laércio, sobre Platão.

[35] — Platão, Timeu, 23 B.

[36]Signa, termo tomado por metáfora à astrologia, indicando os auspícios para um empreendimento.

[37] — Celso, em De Re Medica.

[38] — Alusão à teoria de Galeno.

[39] — Vide nota 8.

[40] — Cf. aforismos 28 e 47.

[41] — Plutarco, na Vida de Fócion.

[42] — Esse tipo de consciência histórica já aparece no opúsculo de 1608, cujo título Temporis Partus Masculus usa as mesmas expressões.

[43] — Bacon parece aceitar a concepção difundida entre os renascentistas de que a um período de esplendor deveria seguir-se um período de decadência da cultura.

[44] — A filosofia primeira, tal como a entendia, repositório dos axiomas gerais da natureza, estabelecidos por via indutiva, era a responsável pela unidade do saber.

[45] — Célebre expressão cunhada e divulgada por Cícero, cf. Tusculanae Disputationes, V, 4. § 10.

[46] — Original: in parte operativa.

[47] — Original: scientiae logicae.

[48] — Original: novis inventis et copiis.

[49] — No aforismo 77 fala Bacon também do consensus que encobria o verdadeiro valor da filosofia de Aristóteles.

[50] — Passagem célebre onde é evidente a analogia com a idade dos homens.

[51] — Original: Orbis Intellectualis, também nome de obra inacabada de Bacon.

[52] — Expressão que teve origem em Aulo Gélio, Noctes Atticae, XII, 11, mas modernamente vulgarizada por Bacon com sentido mais rico.

[53] — Original: contemplationes incurrentes.

[54] — Original: artes intellectualis — que se diferenciam das scientias rationalis, que vêm a seguir.

[55] — Bacon distingue a “magia natural” da “magia supersticiosa”.

[56] — Em várias passagens (cf. também De Augmentis Scientiarum, 1. VI, cap. 2). Bacon mostra as vantagens dos aforismos. A propósito, lembrem-se a sua admiração pelos pré-socráticos, as referências a Hipócrates, e as suas leituras bíblicas.

[57] — Referência ao Rei Artur e ao herói do romance cavalheiresco português, atribuído a Vasco de Loubeira (século XlV) e vulgarizado em várias outras versões.

[58] — Cf. aforismo 75.

[59]Natureza, para Bacon, tem o sentido amplo de aparência exterior e perceptível dos objetos, qualidades secundárias das coisas.

[60] — Tais expressões não significam da parte de Bacon ateísmo ou coisa semelhante, mas sua aversão por certo tipo de interferência da religião em assuntos de conhecimento natural. No De Augmentis deixa clara a separação entre assuntos divinos, objeto da teologia, e os naturais, objeto da filosofia e das ciências.

[61] — Aristófanes — Nuvens, versos 372. 55.

[62] — A propósito do assunto, houve acesa polêmica entre teólogos, filósofos e sábios, até prevalecerem as novas concepções sobre o globo terrestre.

[63] — Original: media ignorantur.

[64], 13,7 “Porventura por Deus falareis perversidade? E por ele falareis engano?”

[65]Mateus, 22,29.

[66] — Original: res civiles et artes. Cf. Aristóteles — Política, II,8. 1268 B. e ss.

[67] — Original: prudentia civilis.

[68] — A esperança (spes) de que Bacon vai falar corresponde a uma espécie de interesse pelo novo e ao mesmo tempo um inconformismo em relação ao admitido e estabelecido.

[69] — Original: tabulis inveniendi.

[70]Lucas, 17,20.

[71]Daniel, 12,4 — Essa expressão se encontra no frontispício da primeira edição do Novum Organum.

[72] — Esta passagem tem provocado interpretações diferentes. De qualquer forma, a letra do texto parece indi­car que Bacon entendia o fim do mundo num sentido geográfico, o que é improvável, dada a sua compe­tência em assuntos teológicos.

[73] — Demóstenes, Filípicas, III, 5 e 1, 2. A citação de Bacon, como muitas outras, é livre, tudo indicando ter sido de memória.

[74] — Original: spei argumenta.

[75] — Passagem famosíssima, que tem servido como o exemplo mais sensível da posição de Bacon.

[76] — Essa passagem é indicada como um exemplo da incompreensão de Bacon para com o verdadeiro papel das matemáticas nas ciências experimentais nascentes.

[77] — Original: ratio humanae.

[78] — Ésquines, De Corona. apud J. Spedding, op. cit. vol.
I, pág. 202.

[79] — Tito Lívio, in Ab Urbe Condita, IX, 17, in fine.

[80] — Original: Sylva — No fim da vida Bacon se dedicou ao recolhimento de tais coleções. Os resultados estão em obra póstuma, Sylva Sylvarum.

[81] — Original: rumores quosdam experientiae et quasi famas et auras eius.

[82] — Consta em comentadores da época que Alexandre teria dado a Aristóteles oitocentos talentos para essa empresa — Ap. Lasaíle — op. cit. pág. 334, vol. 1.

[83] — Espécie de “naturalismo” frívolo que vigorou inclusive até o século XIX.

[84] — Original: vexationes.

[85] — Original: experimenta lucifera e fructiferorum.

[86] — Cf. aforismo 82.

[87] — Há dois sentidos para experiência literata. Um. de registro sistemático de resultados, e outro, de um me­todo intermediário entre a mera palpatio e o Novum Organum. O segundo sentido aparece logo a seguir no af. 103.

[88] — Original: notionalia.

[89] — Cf. aforismo 80.

[90] — Original: idque via et ordine.

[91] — Original: fili bombyeini.

[92] — Original: acus nauticae.

[93] — A tinta usada antes da imprensa era muito fina. Assim, essa modificação também foi condição para o novo invento.

[94] — Na Nova Atlântida Bacon fornece o exemplo vivo da sua concepção de trabalho científico como traba­lho coletivo, no sentido de exigir a dedicação de muitos e no sentido de promoção oficial.

[95] — Veja-se o fascículo que acompanha esta obra.

[96] — Original: Mortalium communicantum. A quem considera a ciência como trabalho coletivo, não mais natural que o problema da comunicação dos seus resultados e sua discussão. Mas o grande drama de Bacon foi exatamente esse: o seu isolamento estritamente científico. Enquanto homem do mundo, não teve condi­ções de se informar da verdadeira ciência do seu tempo, apesar de suas idéias gerais serem proféticas.

[97] — Racional (original: in via illa rationali) aqui é tomado no sentido já antes indicado, como oposto a expe­rimental, tendo, assim, uma conotação pejorativa.

[98] — Antecipação de problemas ligados ao trabalho científico. Vide especialmente a Nova Atlântida.

[99] — Alusão aos ventos que de oeste sopravam sobre Portugal e que teriam levado Colombo a firmar suas idéias de que nessa direção havia terras que os geravam.

[100] — Original: desperatione. Desesperação embora pouco usado, nos pareceu o correspondente mais ade­quado para um termo com conotação ao mesmo tempo de desânimo e desinteresse. Desespero tem cargas mais recentes muito consolidadas.

[101] — Original: pars destruens.

[102] — Três filósofos antiaristotélicos do Renascimento. Os dois primeiros italianos, mais conhecidos, e o ter­ceiro dinamarquês.

[103] — Essa parte deveria constituir-se, conforme o seu plano na distribuição das obras, Instauratio Magna, no Pródromos Antecipações da Filosofia Segunda.

[104] — Ainda segundo o plano referido, a sexta parte deveria constituir-se da Filosofia Segunda ou Da Ciência Ativax.

[105] — No sentido de fazer alguma invenção na forma antes definida: de combinação de coisas conhecidas.

[106] — Original: tabulis inveniendi. Refere-se ao procedimento a ser descrito no livro II da obra. Quanto à tra­dução de inveniendi e das formas correlatas, pode tanto ser no sentido de invenção quanto de descoberta ou investigação. Usamos uma ou outra conforme as conveniências do contexto.

[107] — Refere-se a Scala Intellectus.

[108] — Refere-se a Phenomena Universi sive Historia Naturalis et Experimentalis ad Contendam Philosophiam.

[109] — Vide nota anterior sobre Atalanta.

[110] — Plínio, Naturalis Historia, I.

[111] — Original: simplicium naturarum. As naturezas simples constituem para Bacon os elementos últimos dos fenômenos e estão ligados à sua forma.

[112] — Fedro, Fábulas, I.V, 8.

[113] — Essa história aparece em Plutarco, referindo-se a Filipe da Macedônia.

[114] — Filócrates, falando de si e de Demóstenes, apud De Mas, op. cit. pág. 334, vol. I.

[115] — Esta passagem deve ser comparada a outra que aparece no cap. 1, 1. VI, do De Dignitate et Augmentis Scientiarum, para indicar as dificuldades de interpretação da exata posição de Bacon, a respeito de problema tão importante: “Este princípio resolve a famosa questão da maior importância a ser dada à vida ativa ou a vida contemplativa, e a decide contra a opinião de Aristóteles. Pois todas as razões que ele oferece em favor da vida contemplativa relacionam-se somente ao bem individual e ao prazer e à dignidade do indivíduo. Sob esse aspecto certamente a vida contemplativa carrega a palma da vitória.. Mas os homens devem saber que só a Deus e aos anjos cabe serem espectadores no teatro da vida humana”. Lembre-se também que esse texto é posterior ao Novum Organum.

[116] — Original: verum exemplar mundi.

[117] — Cf. aforismo 23.

[118] — Original: Itaque ipsissimae res sunt (in hoc genere) veritas et utilitas. Há divergéncias quanto à tradu­ção de ipsissimae res. Acompanhamos os que entendem como tendo o sentido de “as coisas em si mesmas”. Vide De Mas, op. cit., pág. 335, vol.I.

[119] — Esta passagem cria os problemas de coerência já indicados na nota 114.

[120] — Onginal: formam inquirendi.

[121] — Bacon aqui opõe à acatalepsia a eucatalepsia, com sentido de “boa compreensão dos fatos”.

[122] — Filosofia natural tem aqui sentido restrito, próximo de física, enquanto tem sentido amplo nos aforis­mos 79 e 80.

[123] — Ou: síntese e análise.

[124] — Apesar de certa timidez, em passagens anteriores (cf. aforismos 29, 77 e 128). aqui Bacon claramente estende o seu método de investigação natural aos assuntos humanos.

[125] — Os dois livros do Advancement of Learning Divine and Human foram publicados em 1605. Essa obra foi refundida por Bacon, consideravelmente aumentada e publicada em latim sob o titulo de De Dignitate et Augmentis Scientiarum, em 1623, três anos depois do Novum Organum.

[126] — Original: rerum inventionibus

[127]Sic. no original, inclusive o destaque do terceiro verso em maiúsculas. Os versos, certamente citados de memória, em algumas passagens não conferem com o original de Lucrécio, De Rerum Natura, VI, 1-3 primum por primae e praestanti por praeclaro. Traduzidos livremente: “Atenas de nome famosa, que pela primeira vez ofereceu aos pobres mortais as sementes frutíferas e, dessa forma, recriou a vida e promulgou as leis”.

[128] — Cf. Provérbios, 25,2.

[129] — Referia-se, sem dúvida, à América, cujo nome ainda não se tinha firmado.

[130] — De Cecílio Estácio, transcrito por Símaco, in Epístolas, X, 104, apud De Mas, op. cit., vol II, pág. 340.

[131] — Repete, com pequena variação, expressão do aforismo 3.


Livro II dos “Aforismos sobre a Interpretação da Natureza e o Reino do Homem
 [1] — Original: naturas. Natureza significa ou equivale à propriedade ou qualidade predicável de um corpo.

[2] — Original: corpus. Corpo concreto.

[3] — Original: formam (a). A forma é a condição essencial da existência de qualquer propriedade. (Vide Livro I.)

[4] — Original: naturam naturantem. Natureza naturante em oposição a (natura naturata) natureza naturada. Distinção de Averróis que passou à tradição escolástica. Simplificadamente, a natureza naturante é o agente produtor e naturante é o produto. Natureza naturante é expressão difundida durante a Renascença, indican­do o processo ativo e dinámico da natureza. Bacon, identificando-a com a forma, torna difícil pensá-la á maneira de Aristóteles. Lembre-se ainda que Bacon não usa a expressão oposta, natureza naturada.

[5] — Original: transformatío corporum concretorum. Expressão e idéia que devem sua origem à alquimia, para depois se “laicizar”.

[6] — Original: Latentis processus. Conjunto de operações internas, que em boa parte escapa aos sentidos, e que faz com que uma substáncia passe de um estado a outro.

[7] — Original: formam inditam.

[8] — Original: latentis schematismi. O esquematismo corresponde á maneira de ordenação das partículas que constituíram os objetos materiais. A idéia de pequenas partículas se aproxima de Demócrito, salvo no fato de que Bacon não admitia a sua indestrutibilidade e nem o “vazio”. O esquematismo é latente por escapar aos sentidos; à transformação de suas configurações Bacon dá o nome de processo latente (latens processus).

[9] — Aristóteles, Analíticos Segundos, I, 2, 71 B.

[10] — Bacon não admite qualquer finalismo no processo natural. A sua concordância com Aristóteles em rela­çâo às demais causas deve ser entendida ao nível puramente terminológico. Sem a causa final, o mundo natu­ral perde qualquer aristotelismo.

[11] — O assunto no De Augmentis Scientiarum (Do Progresso das Ciências) é remetido à teologia.

[12] — Confrontem-se as principais passagens desta obra sobre o conceito baconiano de forma, seguramente o de mais difícil interpretação em seu pensamento. Aforismos 51 e 75, Livro 1, e Aforismo 4. 5, 13, 17 e 20. Livro II.

[13] — Original: essentiae.

[14] — Original: paragraphos. Linguagem jurídica, transposta para a natureza.

[15] — ­Original: ul sit certum, liberum et disponens sive in ordine ad actionem.

[16] — Original: ex fonte essentiae. Seria a substância originária capaz de diferenciação.

[17] — É indispensável, para a compreensão do pensamento dc Bacon. o esclarecimento da conexão entre forma e natureza tanto para a filosofia natural em geral quanto para alguns aspectos técnicos da indução, como o funcionamento das tábuas. A questão reaparece muitas vezes no texto. De qualquer modo, guarde-se que forma, no caso, não pode ser entendida como causa, pelo menos no sentido mais amplo, pois forma e natu­reza coexistem ao mesmo tempo.

[18] — Original: ut inveniatur natura alia, quae sit cum natura data convertibilis et tamen sit limitatio naturae notioris. instar generis veri.

[19] — Original: quod in Operando utilissimum, id in Sciendo verissirnum. Cf. Aforismos 1 e 3, Livro I.

[20] — Spedding (op. cit., vol. 1, página 231) lembra que ainda Leibniz pensava na obtenção artificial do ouro.

[21] — Original: transformatio in aurum.

[22] — Original: modus operandi.

[23] — Grifo no original.

[24] — Original: primis menstruis, expressão usada em alquimia.

[25] — Original: spiritus.

[26] — Original: prima illa et catholica axiomata.

[27] — Original: pinguissima Minerva et prorsus inhabili contexuntur.

[28] — Original: per minima.

[29] — Original: latentis schematismi. vide nota 8, supra.

[30] — Original: de novo inducunt et superinducunt.

[31] — o processo latente parece ser a “conseqüência dinâmica” do esquematismo latente, que está em estreita conexão com a forma.

[32] — Original: spiritus. O espírito, por ser intangível e invisível, distingue-se de toda essência tangibilis e está no interior de todo corpo tangível. Cf. Aforismo 50, Livro 1.

[33] — Original: vacuum. Aqui se tem uma idéia da posição de Bacon em relação ao atomismo, assunto que re­toma no Aforismo 48. Aceita a constituição atômica dos corpos, mas não aceita o vazio e a imutabilidade das partículas.

[34] — Original: materiam nonfluxam.

[35] — Original: particulas veras.

[36] — Original: quando physicum terminatur in mathematico. Bacon pensa na aplicação da matemática para a determinação das últimas “partículas da matéria”.

[37] — Original: duobus generibus axiomatum.

[38] — Cf. Aforismo 5, Livro II.

[39] — Spedding discute a adequação dos termos do original, entendendo que no lugar de ratione et sua lege Bacon teria pensado em ratione sua et lege.

[40] — o sentido de metafísica não é o tradicional. Bacon nele inclui a teologia, bem como o estudo das causas finais. Cf. De Augmentis Scientiarum, III, 4.

[41] — Indução e dedução, esta não chega a ser tratada no Novum Organum.

[42] — Original: ministrationis.

[43] — Indicação para o problema da divisão das ciências e sua correlação com a organização da mente, tema tratado no De Augmentis Scientiarum.

[44]Tabulae et coordinationes instantiarum.

[45] — Bacon entende dever começar pelo método de interpretação baseado na indução, por exclusões, e depois retornar para o tratamento das demais administrações.

[46] — Original: comparentia ad intellectum. O primeiro sendo termo de uso jurídico, preferiu-se citação em português, termo da mesma origem e significando “colocar em presença”.

[47] — Nessa tábua devem ser anotados todos os casos em que aparece o fenômeno que é objeto de estudo. Se os exemplares forem dessemelhantes, será mais segura a identificação da natureza respectiva.

[48] — “Historicamente” tem o sentido de: à medida que os fatos vão aparecendo, em oposição a qualquer antecipação especulativa.

[49] — Original: forma calid. “Forma”, nesta passagem, é também traduzida por natureza, por causa. Cf. E. de Mas, op. cit. vol. I, página 354.

[50] — A partir desta altura, tornam-se numerosas e minuciosas as descrições de exemplos e experimentos.

[51] — O original acrescenta o verso de Virgilio: Nec Boreae penetrabile frigus adurit, As Geórgias, I, 93.

[52] — Vide nota 17 supra.

[53] — Na Tábua de Ausência, ao Contrário que na de presença, devem ser anotados os casos semelhantes, em que a natureza ou o fenômeno objeto de estudo não aparece.

[54]Tabulam Declinationis, sive Absentiae in proximo.

[55] — Em grifo e corpo maior no original.

[56] — Suposição da época, de origem astronómica.

[57] — História relatada por Agostinho, De Generi Contra Manichaeos, Livro I, capítulo 15.

[58] — Homero. Odisséia, VI, 41-46.

[59] — O fato teria ocorrido em junho de 1597, na expedição de Barentz, que buscava uma passagem a nordeste, apud E. de Mas, op. cit., página 358.

[60] — Os experimentos descritas nesta segunda parte foram criticados por Mersenne por já terem sido realiza­dos antes de Bacon. Lembre-se que Bacon não nutria qualquer pretensão de originalidade a respeito. Cf. Ellis, op. cit. página 241, vol. I, nota 3.

[61] — Original: speculum.

[62] — Original: simulacra.

[63] — A invenção do termômetro é atribuida a Galileu em 1597, ao médico holandês Drebbel em 1609, ao Frei Paulo Sarsi em 1609, e ainda ao médico italiano Santório em 1610.

[64]Idem nota 60 supra.

[65] — Há divergência quanto a esse parágrafo, se se opôe à segunda ou á terceira instância.

[66] — Os antigos astrônomos discutiam se os cometas deveriam ser considerados meteoros (produzidos na atmosfera) ou da mesma substância dos planetas. O assunto foi retomado por Galileu.

[67] — Original: trabes et columnae lucidae.

[68] — Também seriam fenômenos de eletricidade.

[69] — Virgílio, Eneida, II.

[70] — Camões em: Lume vivo, que a marítima gente
Tem por santo em tempo de tormenta,
Os Lusíadas
, Canto V.

[71] — Ventos do leste e do norte.

[72] — Ventos do sul e do oeste.

[73] — Termômetro tosco do tempo.

[74] — Aristóteles, Meteorologia, I, 2, 341A; e De Caelo (Sobre o céu), II, 7, 288A.

[75] — Tem significado de contraposição. Aparece em Aristóteles, Física VIII, 10, 267A, com o sentido tomado usual de “mudança em sentido contrário”.

[76] — Original: acqua regia.

[77] — Original: acquafortis.

[78] — Vide Aforismo 11, supra.

[79] — Original: secundum analogiam.

[80] — Original: vitrum graduum sive calendare.

[81] — O experimento reaparece no Aforismo 38, Livro II.

[82] — Original: inflamationibus spiritus. De Mas traduz por “inflamações respiratórias”

[83] — Foi de uma molêstia, adquirida em uma experiência sobre a conservação da carne pelo frio, que Bacon veio a falecer.

[84] — Bacon não deixou qualquer trabalho sistemático sobre o frio, salvo o fragmento Calor et Frigus, in Works, III, pp. 641-652.

[85] — Original: comparentia ad intellectum.

[86] — Original: ipsissima res, com sentido de a coisa em si mesma, considerada em sua essência singular.

[87] — Original: in ordine ad hominem et in ordine ad universum.

[88] — Original: petrolaeum.

[89] — Cf. Aforismos 11, 18, Livro II.

[90] — Cf. Aforismos 12, 30.

[91] — Original: animalcula. A putrefação era entendida como um processo de geração e copulação.

[92] — Constâncio II, filho de Constantino.

[93]Canícula ou Cão Menor.

[94] — Termos usuais na astronomia anterior a Copérnico.

[95] — O chamado fogo grego era conhecido no Oriente muito antes da pólvora.

[96] — Em contraposição ao indicado nos Aforismos 12, 9.

[97] — Ou com foles (flatu).

[98] — Ver nota 84.

[99] — A idéia de “irritação” é considerada fantástica pelos comentadores.

[100] — Original: in vitris calendaribus.

[101] — O espírito é a parte mais sutil do corpo, dele são dotadas mesmo as coisas inanimadas.

[102] — Original: calidum, quatenus ad sensum et tactum humanum, res varia est et respectiva.

[103] — Original: Comparentiam instantiarum ad intellectum.

[104] — Distinção escolástica.

[105] — Referência ao sistema escolástico de defesa dos dois lados de uma questão.

[106] — Original: inditor et opifex formarum.

[107] — Segundo De Mas, falta ao homem o intelecto intuitivo, op. cit. página 381.

[108] — Original: ignem divinum.

[109] — Referência às formas platônicas.

[110] — Original: de formis copulatis.

[111] — Ainda referência às idéias platônicas.

[112] — Original: Lex Calidi sive Lex Luminis.

[113] — Original: integralitate.

[114] — Original: Lucem aut lumen.

[115] — Original: in vitris calendariis.

[116] — Original: Naturam principalem.

[117] — Original: naturarum simplicium.

[118] — Original: notio tenuitatis.

[119] — Original: fiat permissio intellectui.

[120] — Original: in affirmativa.

[121] — Original: Permissionem Inteilectus sive Interpretationem Inchoatam, sive Vindemiationem Primam.

[122] — Original: elucescentias vel instantias ostensivas.

[123] — Original: ipsissimus calor.

[124] — Original: quid ipsum caloris.

[125] — Aforismo 48, 11.

[126] — Linguagem escolástica, a diferença limita o gênero e constitui a espécie.

[127] — Original: ex repercussione irritatum.

[128] — Original: qualis competit sensui.

[129] — Original: Prerogativis Instantiarum.

[130] — Original: Adminiculis Inductionis.

[131] — Original: Rectificatione Inductionis.

[132] — Original: Variatione Inquisitionis pro Natura Subjecti.

[133] — Original: Prerogativis Naturarum.

[134] — Original: Terminis Inquisitionis.

[135] — Original: Deductione ad Praxim.

[136] — Original: Parascevis ad Inquisitionem.

[137] — Original: Scala Ascensoria et Descensoria Axiomatum.

[138] — Original: Ferinas.

[139] — Original: Instantias Migrantes.

[140] — Original: adgenerationem.

[141] — Original: cum efficiente aut privante.

[142] — Como já foi indicado, Bacon distingue a forma da causa eficiente.

[143] — Original: Instantias Liberatas et Predominantes.

[144] — Original: substantivam.

[145] — Original: maxime ostensivae formae.

[146] — Original: Instantias Clandestinas.

[147] — Original: Instantias Crepusculi.

[148] — Original: Liquidum et Consistens.

[149] — Original: plebeas et ad sensum.

[150] — Original: Attractio, sive Coitio Corporum.

[151] — Original: Instantias Constitutivas.

[152] — Original: Manipulares.

[153] — Original: inventionem legitimam Formae Magnae.

[154] — Original: Laci.

[155] — Original: Mnemotécnica. — Era uma arte muito difundida no Renascimento.

[156] — Original: abscyssio infiniti.

[157] — Original: deducat intellectuale ad ferendum sensum.

[158] — Original: in affectu forti.

[159] — Platão, Fedro, 266B.

[160] — Original: Instantias Conformes, sive Proportionatas.

[161] — Original: Similitudines Physicas.

[162] — Concepçâo difundida por Telésio e recolhida em Galeno.

[163] — Aristóteles, História dos Animais, I, 5, 490A.

[164] — “Iludir a espera.”

[165] — “Escorregar na cadência.”

[166] — Original: Instantias Monadicas.

[167] — Original: Irregulares sive Heteroclitas.

[168] — Original: pro secretis et magnalibus naturae.

[169] — Original: Instantias Deviantes.

[170] — Aristóteles, Ética a Nicômaco, VI, 4, 1140A.

[171] — Original: Instantias Limitaneas, Participia.

[172] — Ênio, apud De Mas. op. cit. página 411.

[173]Instantias Potestatis, sive Fascium.

[174] — Cf. Aforismo 109, Livro 1.

[175] — Cf. Aforismo 3, Livro II.

[176] — Deve ser lembrado tratar-se de uma época de prestígio para a magia e coisas semelhantes.

[177] — Original: Deductionibus ad Praxim.

[178] — Original: Instantias Comitatus atque Hostiles.

[179] — Cf. Aforismo 23, supra.

[180] — Original: circumscriptiones formarum.

[181] — Original: Instantias Subjunctivas.

[182] — Original: Instantias Ultimitatis.

[183] — Original: Instantias Foederis sive Unionis.

[184] — Aristóteles, Meteorologia I, 14, 35 lA.

[185] — Gerolamo Fracastoro (1483-1553), físico, médico e poeta italiano conhecido.

[186] — Teoria de Aristóteles, De coelo, 1, 2. 268B, 269B, Física VIII, 9, 265A-B.

[187] — Meteoros I, 7, 344.

[188] — Cícero, De Fato (O Destino) 20,46.

[189] — Gilbert explica a gravitação como resultado do magnetismo.

[190] — Original: discursus Ingenii.

[191] — Aviano, Fabulae, XXVII, apud De Mas, op. cit. página 422.

[192] — Original: Instantias Crucis.

[193] — Original: Instantias Decisorias et Judiciales.

[194] — Original: Instantias Oraculi et Mandati.

[195] — Refere-se Bacon ao Padre José de Acosta, S.J. (1539-1600) que escreveu uma difundidíssima Historia Natura ly Moral de las Índias (1590).

[196] — Era opinião corrente na época.

[197] — É assunto controverso a posição de Bacon em relação à teoria de Copérnico. De que lhe era contrário parece não haver dúvidas. A discussão se desenvolve em torno dos motivos reais.

[198] — Por esse exemplo pretendeu-se ter Bacon antecipado a explicação sobre a atração, como Voltaire; mas certamente utilizou a obra de Gilbert, que bem conhecia.

[199] — Bacon conheceu diretamente pelo menos suas obras sobre fisica e medicina.

[200] — Original: spiritus crudi. Substãncias aeroformes, como a água, em oposição às inflamáveis.

[201] — Original: et non per rationes probabiles

[202] — Original: Instantias Divortii.

[203] — Cf. Aforismo 33, supra.

[204] — Cf. Aforismo 104, Livro I.

[205] — Original: contubernales.

[206] — Original: actio naturalis.

[207] — Original: secundum sensum philosophanti.

[208] — Original: Instantias Lampadis.

[209] — Original: Instantias Januae sive Portae.

[210] — Seriam os primeiros microscópios.

[211] — Aristóteles, Da Geração e Corrupção, I, 8, 325A.

[212] — O telescópio foi construído em 1608 por Galileu, a partir de um modelo do holandês H. Lippershey.

[213] — Essa passagem parece mostrar que Bacon conhecia o Sidereus Nuncius de Galileu.

[214] — Original: Instantias Citantes.

[215] — Original: Insiantias Evocantes.

[216] — Original: spiritus abscissi.

[217] — Conhecidas expressões originadas em Parmênides e muito difundidas no Renascimento.

[218] — Antiga medida, também usada em Portugal, e correspondente a mais ou menos dois litros.

[219] — Original: latitantiae.

[220] — Assunto tratado no De Augmentis Scientiarum, IV, 3.

[221] — Original: per rationem et philosophiam universalem.

[222] — Original: Instantias Viae.

[223] — Original: Instantias Articulatas.

[224] — Bacon não chegou a desenvolver esse assunto.

[225] — Original: Instantias Supplementi.

[226] — Original: Instantias Perfugii.

[227] — Original: Instantias Persecantes, Instantias Vellicantes

[228]Cf. Aforismo 51, Livro 1.

[229] — Original: Instantiae Persecationis.

[230] — Original: Instantias Mathematicas e Instantias Mensurae.

[231] — Original: Instantias Propitias sive Benevolas.

[232] — Original: Instantias Virgae.

[233] — Original: Radii.

[234] — Original: Instantias Perlationis.

[235] — Original: Non Ultra.

[236] — Heródoto, História, I, 179.

[237] — Original: Instantias Curriculi.

[238] — Original: Instantias ad Acquam.

[239] — Para Galileu a maré é produzida pela diferença de velocidade dos vários pontos da terra, devido à composição dos dois movimentos, de rotação e de revolução.

[240] — Original: sed hoc commentus est concesso non concessibili.

[241] — Original: Instantias Quanti.

[242] — Original: Doses Naturae.

[243] — Essa passagem indicaria o conhecimento de Bacon das experiências de Galileu feitas na torre de Pisa.

[244] — Original: Instantias Luctae.

[245] — Original: Instantias Praedominantiae.

[246] — Original: motus antitypiae.

[247] — Original: motus hyles.

[248] — Original: spiritus emortuus ou mortualis, em contraposição ao spiritus vitalis, próprio dos corpos animados.

[249] — O rejuvenescimento é uma preocupação constante na obra de Bacon (senectutis refociliatio).

[250] — Original: vacuum, sive coacervatum sive permistum.

[251] — Aristóteles, Física, IV, 6, 213B.

[252] — Original: iste enim plane plica materiae.

[253] — Original: Instantias Innuentes.

[254] — Original: Chartae humanae ou Chartae optativae.

[255] — Original: Instantias Polychrestas.

[256] — Original: lutum sapientiae, mistura empregada para fechar recipientes.

[257] — Fato relatado por Marco Polo.

[258] — Original: menstrua seria uma substância geradora dos metais.

[259] — Ordem fundada por Jean de La Barrière, em 1573, derivada da Ordem de Cister.

[260] — Original: Instantias Magicas.

[261]Gênesis, 3, 19.

ACRÓPOLIS
Versão eletrônica do livro “Novum Organum ou Verdadeiras Indicações Acerca da Interpretação da Natureza”
Autor: Francis Bacon
Tradução e notas: José Aluysio Reis de Andrade
Créditos da digitalização:
Membros do grupo de discussão Acrópolis (Filosofia)
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A distribuição desse arquivo (e de outros baseados nele) é livre, desde que se dê os créditos da digitalização aos membros do grupo Acrópolis e se cite o endereço da homepage do grupo no corpo do texto do arquivo em questão, tal como está acima.

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Dezembro 2002
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