Por Álvaro Antonio Costa
A dialética é a arte de esclarecer através das idéias. E esclarecer, porque a alétheia, a verdade dos gregos (que não deve ser confundida com o nosso conceito fáustico de verdade, nem com o aristotélico de adequação) significava iluminar o que está em trevas. Revelar a verdade era vê-la, penetrar por entre suas sombras e ver com os olhos do espírito a beleza real das coisas.Mário Ferreira dos Santosem “Lógica e Dialética”
Tese I
A abstração separa os diversos entes considerados, o conceito os une numa síntese inteligível.
A filosofia deve ser concreta como o mundo real é concreto 1. A experiência onipresente da presença infinita do ser é o que articula e torna possível a unidade do mundo real. Se a realidade sempre se apresenta por inteiro, e os entes do mundo real se apresentam sempre em sua singularidade, é porque há algo que existe para além e que é a garantia mesma da permanência da estrutura da realidade. Estrutura da realidade essa que nada tem a ver com o puro pensamento.
Por outro lado, a experiência real da eterna mudança do ser, que se dá sob um pano de fundo de permanência, vai definindo, de acordo com a proporcionalidade intrínseca de cada ser, as possibilidades do real que, por sua vez, é um composto de elementos misteriosamente organizados. Esse mistério da concreção permanente do real e a guerra amorosa entre a permanência e a mudança compõem a teatralidade ontológica do ser. Essa teatralidade se oferece somente assim ao nosso pensamento.
Como contemplar esse espetáculo? Ele se apresenta por inteiro, mas, passado o trabalho da percepção natural, das sensações, da imaginação e memória, resta o da classificação e definição do drama vivenciado para articulá-lo concretamente no pensamento. Essa concreção no pensamento, veremos no presente ensaio, ocorre singularmente e dialeticamente à atividade natural do espírito, que é a abstração. É o espírito que procura amorosamente a unidade do mundo concreto para captar uma imagem deste, imagem que será amadurecida no conceito. Mas a atividade de abstrair e conceituar possui suas próprias características: a abstração separa os diversos entes considerados, o conceito os une numa síntese inteligível.
Tese II
Conceituar é sempre abstrair no início até o espírito encontrar a unidade na diversidade.
O filósofo é aquele que busca sempre absorver a unidade do real. O espírito se inspira na concreção do real porque o horror à dispersão é compensado pelo amor à integridade física e espiritual de uma filosofia sistemicamente organizada. Organizada e única como o corpo, que é o testemunho visível da virtude do filósofo. Um só corpo e uma só vontade que, assim como sua filosofia, é concreta.
Se a atividade do espírito, que é a abstração, trabalha dialeticamente para o conceito 2 é porque a concreção é a perfeição do espírito. A abstração aqui não é entendida como a vulgar dispersão, mas a abstração que duplica gradativamente os níveis de atenção até objetivar a concreção do real.
Ao mesmo tempo em que o nosso espírito vai separando e organizando as imagens captadas do espetáculo da vida, também vai formando o conceito que traz consigo o resumo vivo e orgânico da concreção do real. Todo conceito provém de uma imagem. Mas o conceito une concretamente todos os entes que, porventura, na imaginação poderiam estar separados; e esta reunião é a síntese e unidade do inteligível. Conceituar é sempre abstrair no início até o espírito encontrar a unidade na diversidade.
Tese III
O concreto pode se tornar abstrato e o abstrato pode se tornar concreto.
A filosofia deve ser concreta como a unidade do real é concreta. Entre inúmeros aspectos da multiplicidade do real se destaca o uno. Mas o ser uno, de acordo com a variação do nosso olhar, existe sempre numa cadeia de inúmeras conexões e tensões que, no entanto, suavemente se harmonizam. A suavidade do olhar curioso, que está sempre buscando ver as coisas, já é a luminosidade que testemunha a mesma unidade concreta e visível do mundo real.
Mas é uma visibilidade completada pela imaginação que transcende a opacidade do mundo. O ser é algo que ora se oculta, ora se revela. A imaginação preenche a concreção do mundo que reúne o um e o múltiplo. Esses entes não são meramente quantitativos, mas ontologicamente significativos 3.
O fato do ser se ocultar e revelar é uma condição para a existência da realidade que, por sua vez, oferece uma condição para a existência do pensamento e do espírito: o concreto pode se tornar abstrato e o abstrato pode se tornar concreto.
Tese IV
A abstração e o conceito são dialéticos entre si.
Assim como Pitágoras, em seus Versos Áureos 4 eu sigo a exposição jurando por “Aquele que nos deu o Quaternário” 5. O quaternário é o que, entre outras coisas, pode representar o dinamismo e o fluxo da realidade. Conforme está sendo dito, a abstração e o conceito possuem uma afinidade entre si. A primeira separa e classifica, o segundo reúne e agrupa.
Para que haja uma possibilidade de analogia concreta entre o ato de abstrair e o de conceituar é necessário localizar o seu fundamento comum. E este fundamento é o movimento dinâmico do espírito em busca da inteligibilidade real, não da inteligibilidade pensada. O filósofo não vive num mundo de pensamentos, mas vive no mundo concreto. Sua filosofia não é meramente pensada, mas é vivida.
A filosofia é a biografia conscientemente assumida. A consciência autoral do filósofo o conduz à objetividade daquilo que ele não pode negar. O filósofo concreto é o centro para o qual converge toda a inteligibilidade do real, mas é um centro consciente. É por isso que, mediados por um mesmo espírito, a abstração e o conceito são dialéticos entre si.
Tese V
Na demonstração lógica, a abstração e o conceito possuem suas respectivas identidades.
A filosofia deve ser concreta como a vida do filósofo é concreta. Se o mesmo espírito media a abstração e o conceito em busca da concreção do mundo da vida, esse mesmo espírito, a não ser que traia a sua percepção, jamais irá trocar as respectivas categorias. Essas categorias já são predicados dos seres mesmos e estão muito além das camadas verbais ou do falatório da quase totalidade do que se entende por “filosofia” hoje em dia 6.
Passado o trabalho da percepção e imaginação, nota-se que o espírito sabe em tudo reconhecer sua identidade e princípio. Operar com a realidade, e não apenas operar com esquemas, é a síntese espiritual que a filosofia concreta oferece. E operar com a realidade não é apenas lidar com as semelhanças e diferenças, mas é lidar com o múltiplo jogo das identidades, que, mesmo sendo múltiplas, permanecem sempre as mesmas.
A fidelidade à percepção e à imaginação como formadora do senso do real é a primeira condição do espírito filosófico. O espírito recebe a imagem do mundo concreto e devolve essa imagem em forma de conceito em que a abstração trabalhou e ordenou. Mas para que isso aconteça é necessário que, na demonstração lógica, a abstração e o conceito possuam suas respectivas identidades.
Tese VI
A identidade do mundo da vida é o seu próprio critério de classificação.
O princípio ontológico e universal da identidade é, justamente, um ponto de partida fundamental para a filosofia concreta. Isso se deve ao fato do princípio universal de identidade ser um dos elementos que tornam o real concreto. E ter fidelidade contínua à identidade é um caminho seguro para se chegar à verdade.
Fidelidade à identidade e fidelidade à verdade não são exatamente a mesma coisa. A identidade expressa o ser e, ao mesmo tempo, forma a possibilidade de oposição a esse ser. Nessa relação entre identidade e oposição entram, por mediação, as semelhanças e diferenças.
Mas a identidade dos seres concretos existentes no mundo da vida fornece ainda a matéria prima para o espírito objetivo. A abstração e o ato de conceituar o espetáculo do ser têm na identidade a sua única garantia 7. Sem a identidade, a abstração torna-se impossível, a formação do conceito também, e a filosofia desaparece. E por isso a identidade do mundo da vida é o seu próprio critério de classificação.
Tese VII
A abstração é a marcha do pensamento em direção ao conceito.
A filosofia deve ser concreta como a experiência da verdade é concreta. Reconhecer a identidade do mundo da vida 8 não é uma dificuldade real. A dificuldade reside no salto que vai da percepção do concreto ao concreto pensado. A maioria dos filósofos se perde no caminho que vai da experiência vivida ao pensamento. É necessário direcionar o esforço filosófico para que este diga respeito sempre aos objetos da experiência real.
Uma filosofia concreta só é digna de nome se, para cada conceito formado, houver a possibilidade de apontar na realidade mesma onde a matéria deste conceito está presente. Sem a presença do ser não se pode falar em filosofia concreta. A filosofia concreta reconhece a unidade e integridade do ser em sua presença e é um testemunho deste. Presença e conhecimento concreto são absolutamente inseparáveis 9.
Se a abstração é o algoritmo do pensamento, se a formação do conceito concreto ocorre por meio de abstração, então o caminho está dado no mundo da vida e é muito bem conhecido. Da experiência ao pensamento há a mediação do espírito. É por isso que a abstração é a marcha do pensamento ao conceito.
Tese VIII
A ordem de inteligibilidade é um princípio que rege a abstração e a concreção.
Já se sabe que tanto a abstração quanto a concreção do conceito dizem respeito ao mesmo principio de inteligibilidade. Mas, ao tornar a opacidade do real inteligível, a filosofia concreta apreende a ordem do ser. Essa ordem, como tudo que de fato existe, é concreta.
Na ordem do ser existem ainda as possibilidades múltiplas de causalidades e nexos acidentais. Uma vez que a ordem do ser é transpassada infinitamente, e uma vez que a realidade move-se o tempo inteiro, o movimento do mundo real só é possível de acordo com a existência daquilo que, no plano da realidade concreta, não se transforma.
A ordem do real implica em sucessivas transformações temporais em que as categorias vão se alternando; percebemos a realidade justamente de acordo com a oposição entre o movimento e a ausência dele. Mas, mesmo nesta tensão dialética real, existe a possibilidade da abstração e da concreção mediadas desde o princípio pela inteligibilidade universal. É por isso que a ordem de inteligibilidade é um princípio que rege a abstração e a concreção.
Tese IX
Entre a abstração e a concreção reina a oposição.
A filosofia deve ser concreta como a ordem do real é concreta. As atividades fundamentais do espírito filosófico podem, muitas vezes, estar fragmentadas. Cabe ao filósofo concreto articular sempre os níveis de suas próprias atividades, que são uma reprodução dos próprios níveis de realidade existentes 10.
Mas é justamente no meio destas atividades filosóficas que reina a oposição, porque a oposição é o que torna o ser concreto. A diversidade de aspectos sob os quais um determinado ser pode se apresentar, e a diversidade de pontos de vistas que se podem ter quanto a um mesmo ser, é uma conseqüência dos diversos planos de oposição que formam um ser finito. A infinitude que atravessa o ser finito é o que o torna concreto.
Entre os elementos que ajudam a integrar o ser concreto, o principal é a infinitude. O ser torna-se concreto perante o infinito. E a filosofia concreta coloca o filósofo perante o infinito, que é o fundamento primeiro e último da concreção da existência. A finitude se estabelece no mundo pela oposição. Por isso se diz que entre a abstração e a concreção reina a oposição.
Tese X
A oposição torna o abstrato concreto e torna o concreto ainda mais concreto.
O que se deve dizer ainda sobre a oposição é que, sem ela, não existe movimento, transformação, evolução, nem nenhuma lei característica do ser finito. Mas todas as leis que regem o ser finito concorrem sempre e simultaneamente para a sua assunção 11. É verdade que há corrupção e destruição das coisas neste mundo. Mas a corrupção não chega a formar uma lei, é apenas uma condição. A destruição pode ser considerada uma primeira etapa da transformação, que é algo muito mais amplo do que a própria destruição. A transformação implica também em criação de novos seres.
A faculdade abstrativa do espírito ocorre diretamente sobre as coisas. A abstração retira das coisas apenas algumas de suas propriedades que podem ser ditas como essenciais. Mas a conexão essencial na estrutura real de um ser concreto não é, obviamente, abstrata. Quando se fala em conexão essencial dos seres se fala em realidade e não necessariamente em pensamento.
Mas o pensamento concreto, que se inspira na concreção do real, é o que forma a unidade entre o filósofo e o mundo. Nesse sentido, filosofar é, por oposição, tomar parte da realidade; não para substituí-la, e sim para integrar no binômio natureza/sociedade humana a inteligibilidade que está no centro do coração humano. Assim, cada vez mais o filosofar é um filosofar concreto. É por isso que a oposição torna o abstrato concreto e torna o concreto ainda mais concreto.
Tese XI
A abstração é a singularidade na diversidade, o conceito é a unidade na diversidade.
A filosofia deve ser concreta como a totalidade do ser é concreta. A realidade não se faz por fragmentos, ela se faz na relação entre a singularidade e a diversidade. O real é único e múltiplo ao mesmo tempo 12. Porém, não sob o mesmo ponto de vista. O ponto de vista do filósofo é o de decifrar na totalidade do ser as marcas de sua própria consciência concreta.
Captar a singularidade na diversidade é o mesmo que abstrair. Encontrar a unidade na diversidade é o mesmo que conceituar. A singularidade e a diversidade estão presentes o tempo todo na totalidade do real. As faculdades fundamentais do espírito se integram também na totalidade da própria experiência humana.
Há mesmo, inclusive, uma tendência inevitável da possibilidade humana à transcendência. A assunção do espírito humano à universalidade é o resultado final do filosofar concreto, plenamente realizado. Este filosofar reúne no pensamento as condições reais e existentes para o exercício da liberdade humana. É por isso que a abstração é a singularidade na diversidade, e o conceito é a unidade na diversidade.
Tese XII
A realidade é concreta (e o real sempre se apresenta por inteiro). A abstração se separa da totalidade do real para regressar depois à essência do mundo.
A conclusão de que existe uma efetiva separação e um efetivo retorno à essência do mundo é dada pelo caráter reflexivo da consciência humana. A consciência não é a realidade, mas a consciência existe na medida em que ela tende para a realidade. Já se sabe que, para a realidade concreta, é necessária a consciência concreta do mundo. Somente a filosofia concreta pode se referir à realidade concreta.
Na organização do real existem ainda muitas sugestões para a organização do pensamento. O filosofar penetra na estrutura do cosmos e recebe deste o influxo permanente de sua integridade. O filósofo passa a ser ele mesmo uma imagem do Supremo Bem, e a integridade do cosmos passa a ser a integridade do próprio filósofo.
O filosofar implica numa ascensão gradativa, não-linear, numa tomada de consciência da estrutura e da totalidade do real. O filosofar concreto busca a unidade do mundo na unidade da própria vida. A integração entre o sujeito e o objeto, como identidade única, é o início e o fim da filosofia concreta.
É por isso que a filosofia deve ser concreta como o mundo real é concreto.
Notas
1. Este ensaio trata de um breve sistema filosófico que eu escrevi especialmente para a revista Filosofia Concreta. Nessas doze teses eu proponho, em linhas gerais, a fundamentação de uma gnoseologia concreta inspirada na cosmologia e no simbolismo tradicional. Eu procuro também combater um dos pecados da filosofia contemporânea, que é o abstracionismo, a fuga da realidade. Eu apresento o que penso ser o verdadeiro lugar da abstração no método científico, como técnica fundamental para a formação do conceito filosófico. Estou bastante próximo de considerar como interesse do método a ser seguido uma curiosa “abstração concreta”. Agradeço ao professor e filósofo Olavo de Carvalho, com quem venho aprendendo imensamente. Agradeço aos alunos e colegas do Curso Online de Filosofia, em especial aos amigos do Recife. Agradeço, oportunamente, ao Renan Santos, que me convidou para escrever no presente número da revista.
2. Concordo com Mário Ferreira dos Santos quanto à impossibilidade de um conceito, qualquer que o seja, esgotar a totalidade da experiência real. Mas é sempre bom lembrar que a filosofia de formação de conceitos, desde a dialética socrática, possui o objetivo de captar a essência do ser e, com alguma variação, articular matéria, forma e proporção. Digo isso porque há um pecado original na epistemologia e método das Ciências Sociais, na sociedade moderna, de que o conceito é um modelo que não é capaz de abarcar a realidade como ela é; mas de apenas fazer medições ou comparações aproximadas do real. Isso parece ser uma boa intenção da filosofia moderna, mas é uma desculpa para manter o ser oculto entre as trevas do desespero ante a presença infinita do ser; de onde nasce o medo de conhecer a realidade. Penso que toda essa série de limitações e inibições começou com o Sr. Immanuel Kant e suas Categorias. A filosofia de Kant criou um buraco negro na realidade, e quase todos os filósofos posteriores, com raras exceções, ficaram com medo de perguntar o que existe dentro deste buraco.
3. O sistema filosófico que apresento não pretende ser exaustivo. Mas é muitíssimo interessante a perspectiva pitágorica resgatada por Mário Ferreira dos Santos para iluminar o problema dos números, que deixam de ser entendidos apenas como símbolos de quantidade ou como classes que relacionam e agrupam outras classes, para serem compreendidos em sua universalidade ontológica, que rege ordens de realidade e pela qual concrecionam um ser finito. Inspirado nessa imensa perspectiva aberta por Mário Ferreira dos Santos, eu pretendo ter criado um novo método para conectar a matemática à ontologia, concrecionando a abstração matemática ante a infinitude metafísica, e ter resolvido um problema filosófico antigo: como a matemática expressa a realidade? Minha investigação, neste sentido, é sobretudo heurística e aporética, e serve como técnica para a resolução de problemas matemáticos. Num futuro número de nossa Filosofia Concreta eu prometo oferecer os fundamentos expostos do meu método.
4. Na verdade, os versos são atribuídos ao filósofo pitagórico Lysis. Transcrevo alguns desses versos áureos aqui: “Que se não passe um dia, amigo, sem buscares/Saber: Que fiz eu hoje? E, hoje, que olvidei?/ Se foi o mal, abstém-se; e, se o bem, persevera./ Meus conselhos medita; e os estima; e os pratica:/ E te conduzirão às divinas verdades. (…) A seu dever, invoque, e com fervor, os Deuses,/Cujo socorro imenso e valioso e forte/Te fará concluir as obras começadas/ Segue-lhes o ensino, e não te iludirás:/ Dos seres sondarás, a mais estranha essência;/ Conhecerás de Tudo o princípio e o termo./ E, se o Céu permitir, saberás que a Natura,/ Em tudo semelhante, é a mesma em toda parte;/ (…) O Erro discernir, e saber a Verdade./A Natureza os serve. E tu que a penetraste,/ Homem sábio e ditoso, a paz esteja contigo!” Para mais versos, consultar Pitágoras e o Tema do Número, de Mário Ferreira dos Santos.
5. Ao dar essa conotação ao Quaternário de Pitágoras, é necessário que eu faça algumas distinções:
1) A acepção mais comum do termo pode ser ilustrada pelo seguinte simbolismo de ordem cósmica: 1 + 2 + 3 + 4 = 10. O dez é o que representa a perfeição e a totalidade;
2) O Quaternário da figura geométrica do quadrado que, em oposição ao círculo, representa o quaternário estático e imóvel;
3) O simbolismo do Quaternário da cruz, que é o quaternário dinâmico unificador da totalidade do real. O simbolismo da cruz, nesse caso, representa a própria estrutura da realidade e integra a ordem humana e divina; a horizontal e a vertical, a temporalidade analógica e dinâmica das 4 estações do ano, das 4 fases da lua, das 4 direções no espaço com os quatro pontos cardeais. Os 4 elementos dinâmicos da Alquimia tradicional. As doze teses, assim, são como os doze signos do zodíaco que, por sua vez, são integrados pelos 4 elementos, conforme a imagem do céu na Astrologia tradicional. Dividindo os doze signos pelos 4 vértices da cruz, sempre encontraremos o ternário fundamental, uma analogia com a Trindade.
Neste caso, juro por aquele que nos deu o Quartenário dinâmico, isto é: por Nosso Senhor Jesus Cristo.
6. São as “filosofias do desespero”, na acepção de Mário. Não é coincidência que boa parte da filosofia contemporânea, ao mesmo tempo em que tentou suprimir a presença do ser, se fragmentou e terminou por perder de vista o senso de unidade do real. O que sobrou, apenas e em muitos casos, foi o desespero e a fuga da realidade.
7. Mário costumava dizer que o problema da abstração e de seu excesso no mundo moderno possui umtopos bem definido. A classe acadêmica, o “clericalismo científico” (palavras minhas), as “coletividades pensantes”, tendem sempre ao abstrato, à fuga da realidade, à fabricação de ideologias. O filosofar autêntico só pode ser uma atividade do indivíduo concreto. É claro que há indivíduos intoxicados pela moral de rebanho e indivíduos que representam papéis sociais quando filosofam. Há os intelectuais orgânicos, praga do mundo moderno e traidores de sua condição ontológica. Suas filosofias são tão abstratas e mentirosas quanto as suas próprias vidas.
8. O mundo da vida não é uma evocação fantasmática que escraviza o homem. O filósofo, com o olhar atento, pode transfigurar poeticamente os objetos do seu dia a dia e transcender o seu cotidiano. O problema da abstração filosófica é conduzido pela imaginação até o problema da inteligibilidade. Um cão não é capaz de tirar o vermelho de uma maçã apenas com os olhos. Mesmo abstrações terríveis como mulas-sem-cabeça e lobisomens têm suas origens em mulas, homens e lobos. Isto é: em alguma experiência real.
9. Mário Ferreira dos Santos está certíssimo quando coloca o ser como o objeto do conhecimento. A origem deste pequeno sistema filosófico que proponho aqui está articulada com a presença total do Ser, sem a qual qualquer filosofia não passa de um abstracionismo, um algo vazio e sem vida. Eu apenas acrescento que o Ser não é apenas objeto do conhecimento, mas ele é o próprio sujeito sem o qual não existe conhecimento algum. O Ser infinito é a origem de todo o conhecimento possível, e muitos erros filosóficos poderiam ser evitados se houvesse a aceitação simples deste dado onipresente e absolutamente incontornável da realidade.
10. A pergunta que se faz necessária é: como articular um problema filosófico?
A resposta que eu dou é a seguinte: é no mundo da vida que se deve recolher as premissas para o trabalho científico. É no mundo da vida que os verdadeiros problemas filosóficos surgem.
Se “problema”, na definição precisa de Ortega y Gasset, é a “consciência de uma contradição”, o primeiro passo para resolver um problema filosófico é perceber se esta consciência da contradição foi colocada pela própria vida, ou se foi algo que o filósofo simplesmente inventou.
Caso seja um problema colocado pelo próprio mundo da vida, isso já é sinal de que o problema requer atenção e é digno de contemplação amorosa. Se o filósofo simplesmente inventou o problema, caiu no pecado filosófico de desprezar a essência e multiplicar os acidentes desnecessariamente, algo que deve ser deixado de lado para sua própria saúde.
O filósofo concreto deve perceber como o fundamento da ordem de realidade que vivencia todos os dias é tensional. O universo é tensional, o “todo” é tensional, a “parte” é tensional, absolutamente toda estrutura geral do ser finito se define pela tensão, este é o mundo da vida.
O filósofo concreto deve procurar sempre a unidade por trás das tensões do seu dia e verificar qual a exata contradição que o problema lhe revela. O filósofo concreto deve andar com um lápis e um pequeno caderno no bolso e anotar todas as tensões do dia, todo o lusco-fusco, a cintilação cósmica presente no seu dia-a-dia, todas as contradições do seu cotidiano, e verificar qual é a unidade por trás dessas tensões. Essa unidade dará o sentido subjacente aos seus problemas e será a sua bússola para navegar no mundo da vida.
No dia-a-dia, o próprio simbolismo natural vai lembrando e inspirando o filósofo concreto. Quando o sol vai se pondo, a lua vai ascendendo, impera o reino da analogia que é o reino da lógica poética. A metodologia para contemplar espetáculos como esse está dado no presente sistema filosófico.
Então, o filósofo concreto segue os seguintes passos na articulação do problema filosófico: 1. Elimina qualquer possibilidade de contradição virtual e potencial, ficando sempre com as insolúveis contradições reais; 2.Depois da investigação dialética, ingressa com o problema clarificado na apodíctica universalidade.
1. Aqui, obviamente, há mais um diálogo de consciência meu com o grande filósofo Mário Ferreira dos Santos. Tratam-se das Leis Eternas. Desde as formas de assunção ou evolução da matéria à forma concreta, do particular ao universal, do ser finito ao Ser infinito, está presente na atividade do filósofo concreto a tensão dialética real, uma vez que ele é finito e situa-se perante a totalidade cósmica. Há várias dessas leis implícitas neste ensaio, mas o centro deste sistema filosófico que proponho, assim como o centro da Árvore da Vida, assim também como o centro das Leis Eternas do próprio Mário Ferreira dos Santos, é, sobretudo, a beleza. Cf. A Sabedoria das Leis Eternas de Mário Ferreira dos Santos.
12. O real, por sua vez, é um conjunto infinito de conexões acidentais e, ao mesmo tempo, um emaranhado complexo de múltiplas causalidades e determinações que são sustentadas por uma essência concreta. A base de toda realidade possível é a concreção. O ser, se é real, é concreto. A abstração complementa o ser real concrecionando-o no pensamento, e se separa do ser real por um certo período de tempo para contemplá-lo melhor e para voltar a ele amorosamente.
Por tornar a habitar nas múltiplas cadeias dos nexos lógicos e na imprevisibilidade de seus acidentes, a abstração sempre fará parte da realidade e abrirá a expansão das possibilidades como expressão simbólica do Ser.
Abstrair é criar símbolos para futuras manifestações da verdade. Esta é a boa abstração. Por meio dela, o ser pode ser pensado e apreendido em conceito, explicado, contemplado desde a sua essência, à qual retornaremos.
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