terça-feira, 28 de maio de 2013

Chomsky, objetividade e realismo reformista


Octavio Alberola

[Originalmente publicado na revista enciclopédica, No. 39, enciclopédico Ateneo Popular de Barcelona, ​​em abril de 2013.]

Dois Chomsky respostas para as perguntas que você fez Ángel Ferrero para uma entrevista publicada na edição 37 da revista Enciclopèdic novembro de 2011, sou solicitado para escrever o seguinte. Primeiro, é uma questão de "objetividade" e, segundo, porque se referia a um artigo meu (1). Duas respostas que parecem contraditórias e obrigar-me a manter-me questionando sobre a objetividade no pensamento deste intelectual de prestígio nos últimos anos.

Quanto à primeira questão, depois de ter lembrado que em 1969 tinha publicado em castelhano um ensaio de seu direito "Objetividade e pensamento liberal" (2), é perguntado se ele se lembra de como a mídia dos EUA cobriu a guerra Civil e Revolução Espanhola. Chomsky respondeu que, na época, tinha 7 anos e que foi depois, quando soube da hostilidade apaixonado da mídia e do governo americano para a Revolução. Cobertura hostilidade que fez evento quase completamente revolucionário desta perspectiva, ea partir de uma posição ambivalente em relação à Guerra Civil. 

falta de objetividade da mídia e do governo americano, neste caso, era óbvio e Chomsky fez bem para denunciá-la. Pois, embora esse viés poderia ser explicado pelo medo de que eles despertaram na Revolução Espanhola, era irrelevante que os "democratas" americanos não defender a democracia na Espanha. E, especialmente, quando se trata de "intelectuais de esquerda" (3). Como, então, Chomsky não aplaudir denunciando a falta de objetividade da intelligentsia "progressista" que mais guerra justificada e política colonialista do Governo dos Estados Unidos no Vietnã? E obrigado também incluiu uma análise do polêmico livro A República Espanhola ea Guerra Civil (1931-1939), no qual seu autor, Gabriel Jackson, não escondeu o seu compromisso com a democracia liberal encarnada pelas principais figuras da República espanhol? (4) Para Chomsky restabelecendo a verdade e era consistente com a atitude ética que tinha realizado até então:. Nenhum compromisso com a injustiça ea mentira  

Objetividade ao pé da letra ...

Agora, por que não culpar sua objetividade carta normal considerar ter encontrado o Coronel eo presidente Hugo Chávez e ter aprovado o seu "socialismo pretoriana"? Pois, embora a resposta ao meu comentário diz Ferrero em sua viagem de poucas horas estava acompanhando seu amigo Michael Albert ", a fim de fornecer alguns dos seus objectivos a longo prazo libertários", prevendo o vídeo da entrevista (maio ) pode ser visto como "improvisado" dele e do doloroso deslizamento Chomsky está lá ouvindo as palhaçadas de Chávez. Um pedaço de papel que Chomsky não era obrigado a fazer, e, menos ainda, a acrescentar, depois de agradecer o acolhimento Chávez, o seguinte comentário: "Falar de paz é algo fácil o difícil é criar um novo mundo, um mundo diferente. Para mim é muito emocionante ver a Venezuela como eles estão construindo um outro mundo possível aqui e veja um dos homens que inspiraram esta situação. " Bem, se você pensou, eu não deveria ter colocado o rosto assustado de pronunciar tais palavras (parecia estar em um funeral), e, se eles achavam que teria sido o suficiente para agradecer por suas palavras de boas-vindas e um aperto de mão com os militares tendeu ...



Chomsky não podia ignorar o "show" que ele tinha montado o seu "amigo" Albert e Chavez (transmissão ao vivo pela televisão pública venezuelana) para jogar em cima de sua visita à Venezuela. É por isso que você não pode ter emprestado desculpa de comédia grotesca. Nem mesmo pelo fato de que logo após comentários feitos mais contido sobre Chávez e seu suposto "socialismo do século XXI". Desculpe, nem que, em 2011, assinaram uma carta aberta pedindo a libertação da juíza Maria Lourdes Afiuni, presa por ordem de Chávez, e que, em conexão com o caso, escreveu: "A concentração do poder executivo, a menos que muito temporária e para circunstâncias específicas, tais como a luta contra a Segunda Guerra Mundial, é uma agressão à democracia Pode-se discutir se as circunstâncias (da Venezuela) assim o exigir, tais como:. circunstâncias internas ea ameaça externa de ataque, que é um debate legítimo. Mas na minha opinião, no caso em discussão, não é isso "(6). Ou nunca voltou para levá-lo de "um novo mundo diferente" referindo-se a Chávez e agora acabou de dizer, como ele faz na entrevista Ferrero, que "a Venezuela modelo Chávez é um modelo ... mista ", com" elementos positivos ... " 

Não, você não pode desculpá-lo por ter dado a tal palhaçada, porque é o único que justifica a "desculpa" de que há "elementos positivos ..." Quem pode esquecer o caloroso aperto de mão com Fidel Castro no final de 2003? Apenas seis meses após a execução sumária de três jovens Havana negro que havia tentado sequestrar uma costa de passageiros de barco para fugir da ilha. Uma das piores crimes da história da Revolução Cubana. E apesar do fato de que ele havia assinado um documento público protestando contra a matança desses jovens, que não tinham matado ou mesmo machucar ninguém.  

A "anarquista" Chomsky ...

O problema com Chomsky, é que nos últimos anos para dar uma de cal e areia. Como se ele não perceber as contradições que muitas vezes cai. Contradições ambos foram acusados ​​e critica os intelectuais que estão embolsando a objetividade e dignidade quando se trata de . comportamentos relacionados juiz ideológicas 

Curiosamente ter esquecido o que ele escreveu sobre a subordinação intelectual: "Os intelectuais estão em uma posição para expor as mentiras dos governos, analisar as causas e as razões para os fatos e intenções, muitas vezes ocultos. Pelo menos no mundo ocidental, tem o poder que lhes dá a liberdade política, o acesso à informação e à liberdade de expressão "(7). Bem, se você continuar a pensar como eu pensava, então, que é o que eu deveria ter feito em Cuba e na Venezuela, e não para se pronunciar sobre a "perspectiva" de poder, como fizeram depois e ainda fazer todos os intelectuais que se atrevem a expor "as mentiras dos governos." Além disso, é o que eu deveria ter feito intelectual governou para a maioria de sua vida contra a autoridade, hierarquia e dominação, e explicou-o assim: "O anarquismo me atraiu desde que eu era adolescente, comecei a pensar sobre o mundo para além dos limites bastante estreitos, e desde então eu não encontrei nenhuma razão maior de rever os primeiros atitudes. Acho que só faz sentido para procurar e identificar estruturas de autoridade, hierarquia e dominação em todos os aspectos da vida, e desafiá-los. A menos que houvesse justificativa para eles, são ilegítimas e deveriam ser desmanteladas, para aumentar o alcance da liberdade humana. Isso inclui poder político, propriedade e gestão, as relações entre homens e mulheres, pais e filhos, o nosso controle sobre o destino das futuras gerações (o imperativo moral básico por trás do movimento ambiental, na minha opinião), e muito mais. Naturalmente, isso significa um desafio de coerção e controle de grandes instituições: o Estado, as tiranias privadas que controlam a maior parte da economia nacional e internacional, e assim por diante. Mas não é só isso. O que eu sempre entendida como a essência do anarquismo é a crença de que a autoridade deve levantar um teste para assumir o comando, e que ela (a autoridade) devem ser desmontados se pode alcançar essa responsabilidade. Às vezes, você pode conseguir a responsabilização. "(8) 

Claro que ele disse que em 1995, mas 15 anos mais tarde, não diz nada na entrevista que faz Ferrero, porque a qualquer momento, há um começo por causa do que havia dito anteriormente sobre o anarquismo. assim à pergunta "Qual é o efeito do anarquismo no século XXI?, Chomsky diz:" O presente é o que fazemos com ele. Oportunidades existem. Se você vai usar e desenvolver ou Não é uma questão de vontade, escolha e compromisso. " 

o anarquista Chomsky "sincero" e reformista ...
Então, se Chomsky continua a ver proposta anarquista atual, por que nos últimos tempos tem caucionado (por meio de ação ou omissão ) propostas e experiências autoritárias descaradamente totalitários? Como é possível que, depois de ter denunciado a falta de objetividade dos meios de comunicação ocidentais e ter escrito que eles devem ter "a obrigação de encontrar a verdade e relatório, e não pura e simplesmente refletir a percepção do mundo que gostariam grupos de poder "(9), foi pago para ser manipulado de maneira que estão servindo ou governos totalitários meramente burocráticas? Como podia conciliar a sua defesa da "verdade e relatá-lo" emocionado chefes de governo apoiado da censura e perseguir aqueles que denunciá-lo? (10) 

É verdade que, em 1976, declarou: "Eu realmente não me considero um pensador anarquista Vamos dizer que eu sou uma espécie de companheiro de viagem." (11). E, mais recentemente, tem falado - como Ferrero lembre-se - para um "fortalecimento de certos aspectos da autoridade do Estado", e aprovou um slogan dos sem-terra no Brasil, diz, "é preciso ampliar a caixa até que possamos quebrar as barras "(12). Ou seja, o próprio Chomsky estava numa perspectiva de realismo político: "O ideal anarquista, qualquer que seja a sua forma, tende sempre, por definição, ao desmantelamento do poder do Estado Eu compartilho esse ideal ainda.. Muitas vezes, este está em conflito direto com os meus objetivos imediatos, que são para defender, mesmo reforçar certos aspectos da autoridade do Estado (...) Hoje, como parte da nossa sociedade, eu acho que a tragédia de anarquistas sinceros deve ser certas instituições estatais se defender contra os ataques de que são alvo, embora os esforços para forçá-los a se abrir para a participação popular e mais eficaz. Tal abordagem não é extraído a partir do interior por uma aparente contradição entre estratégia e ideal, é o resultado nidificação dos ideais e práticas de avaliação, igualmente prática, os meios de ação "(13). 

Se você ficar com essa explicação como justificativa, Chomsky considera a si mesmo como um anarquista "sincera", na qual o "hierarquia" entre "ideal" e "meios de acção", leva-o a praticar um "realismo reforma" quando se trata de "vida e as aspirações legítimas das pessoas que sofrem", e esquecer as atrocidades da ditadura , que se destinam imperialista, acreditando que o pior do imperialismo dos EUA. 

's estratégia de "mal menor" ...

A única maneira de entender porque a posição de Chomsky no conflito que surge entre o ideal e os objectivos imediatos é que o ideal (o desmantelamento do Estado) deve estar fora de contato e que deve prevalecer contra a estratégia de "mal menor" ... Mar para tentar reformar o feio da realidade para não "fazer o jogo certo" para expor as mentiras e abusos de falsos revolucionários. Ou seja, a ética de lado e assumindo uma estratégia de ação social reformista pragmático. Na Espanha de hoje resultaria atacando Rubalcaba Rajoy e apoio, e esqueceu o que ele fez quando os socialistas estavam no poder. 

Obviamente, para qualquer anarquista "sincero" (e, portanto, deve ser entendido: não dogmática) Há momentos em que é preciso escolher entre enfrentar uma prioridade inimigo em vez de outra.Defender, por exemplo, os serviços públicos aos apetites das grandes empresas privadas. Mas todos os anarquistas são muito claro que isso não deve levar a sacralizarlos, para justificar a burocracia que administra (gerenciamento hierárquico não muito diferente das empresas privadas), e muito menos cair na ilusão de que é proceder de modo que eles se "quebrar as barras" do "caixa" em que o Estado eo capital temos fechados. E estamos muito clara, porque tem sido muito onde eles levam a reforma é a crença no comprometimento e na prática tão ingênuo ou realismo cínico. Próprio Chomsky não foi impedido de reconhecê-lo. Mesmo no caso da teoria marxista-leninista sobre o "desaparecimento progressivo do Estado." Além disso, como lembrou o anarco-americano James Herond:. "Os predadores não estão fora da caixa, a caixa que eles e suas práticas A caixa em si é mortal e quando percebemos que a caixa tem as dimensões. mundo, e que não há mais "fora" onde escapar, então podemos ver que não há nenhuma maneira de não ser morto, brutalizados e oprimidos do que destruir a caixa. " 

Como todo mundo, Chomsky também tem o direito de tomar o partido ele gosta de verdade, mas eu ainda acho que, se você quiser continuar a denunciar a falta de objetividade de intelectuais subordinados ao imperialismo dos EUA não se deve esquecer o que ele escreveu em 2003: "Não há uma definição famosa de hipócrita nos Evangelhos é uma pessoa que se recusa a aplicar a si mesmo os padrões que se aplicam para o outro "(14). 

Doze teses para uma Filosofia Concreta

Por Álvaro Antonio Costa
A dialética é a arte de esclarecer através das idéias. E esclarecer, porque a alétheia, a verdade dos gregos (que não deve ser confundida com o nosso conceito fáustico de verdade, nem com o aristotélico de adequação) significava iluminar o que está em trevas. Revelar a verdade era vê-la, penetrar por entre suas sombras e ver com os olhos do espírito a beleza real das coisas.
Mário Ferreira dos Santos
em “Lógica e Dialética”
Tese I
A abstração separa os diversos entes considerados, o conceito os une numa síntese inteligível.
A filosofia deve ser concreta como o mundo real é concreto 1. A experiência onipresente da presença infinita do ser é o que articula e torna possível a unidade do mundo real. Se a realidade sempre se apresenta por inteiro, e os entes do mundo real se apresentam sempre em sua singularidade, é porque há algo que existe para além e que é a garantia mesma da permanência da estrutura da realidade. Estrutura da realidade essa que nada tem a ver com o puro pensamento.
Por outro lado, a experiência real da eterna mudança do ser, que se dá sob um pano de fundo de permanência, vai definindo, de acordo com a proporcionalidade intrínseca de cada ser, as possibilidades do real que, por sua vez, é um composto de elementos misteriosamente organizados. Esse mistério da concreção permanente do real e a guerra amorosa entre a permanência e a mudança compõem a teatralidade ontológica do ser. Essa teatralidade se oferece somente assim ao nosso pensamento.
Como contemplar esse espetáculo? Ele se apresenta por inteiro, mas, passado o trabalho da percepção natural, das sensações, da imaginação e memória, resta o da classificação e definição do drama vivenciado para articulá-lo concretamente no pensamento. Essa concreção no pensamento, veremos no presente ensaio, ocorre singularmente e dialeticamente à atividade natural do espírito, que é a abstração.  É o espírito que procura amorosamente a unidade do mundo concreto para captar uma imagem deste, imagem que será amadurecida no conceito. Mas a atividade de abstrair e conceituar possui suas próprias características: a abstração separa os diversos entes considerados, o conceito os une numa síntese inteligível.
Tese II
Conceituar é sempre abstrair no início até o espírito encontrar a unidade na diversidade.
O filósofo é aquele que busca sempre absorver a unidade do real. O espírito se inspira na concreção do real porque o horror à dispersão é compensado pelo amor à integridade física e espiritual de uma filosofia sistemicamente organizada. Organizada e única como o corpo, que é o testemunho visível da virtude do filósofo. Um só corpo e uma só vontade que, assim como sua filosofia, é concreta.
Se a atividade do espírito, que é a abstração, trabalha dialeticamente para o conceito 2  é porque a concreção é a perfeição do espírito. A abstração aqui não é entendida como a vulgar dispersão, mas a abstração que duplica gradativamente os níveis de atenção até objetivar a concreção do real.
Ao mesmo tempo em que o nosso espírito vai separando e organizando as imagens captadas do espetáculo da vida, também vai formando o conceito que traz consigo o resumo vivo e orgânico da concreção do real. Todo conceito provém de uma imagem. Mas o conceito une concretamente todos os entes que, porventura, na imaginação poderiam estar separados; e esta reunião é a síntese e unidade do inteligível. Conceituar é sempre abstrair no início até o espírito encontrar a unidade na diversidade.
Tese III
O concreto pode se tornar abstrato e o abstrato pode se tornar concreto.
A filosofia deve ser concreta como a unidade do real é concreta.  Entre inúmeros aspectos da multiplicidade do real se destaca o uno. Mas o ser uno, de acordo com a variação do nosso olhar, existe sempre numa cadeia de inúmeras conexões e tensões que, no entanto, suavemente se harmonizam. A suavidade do olhar curioso, que está sempre buscando ver as coisas, já é a luminosidade que testemunha a mesma unidade concreta e visível do mundo real.
Mas é uma visibilidade completada pela imaginação que transcende a opacidade do mundo. O ser é algo que ora se oculta, ora se revela. A imaginação preenche a concreção do mundo que reúne o um e o múltiplo. Esses entes não são meramente quantitativos, mas ontologicamente significativos 3.
O fato do ser se ocultar e revelar é uma condição para a existência da realidade que, por sua vez, oferece uma condição para a existência do pensamento e do espírito: o concreto pode se tornar abstrato e o abstrato pode se tornar concreto.
Tese IV
A abstração e o conceito são dialéticos entre si.
Assim como Pitágoras, em seus Versos Áureos 4 eu sigo a exposição jurando por “Aquele que nos deu o Quaternário” 5. O quaternário é o que, entre outras coisas, pode representar o dinamismo e o fluxo da realidade. Conforme está sendo dito, a abstração e o conceito possuem uma afinidade entre si. A primeira separa e classifica, o segundo reúne e agrupa.
Para que haja uma possibilidade de analogia concreta entre o ato de abstrair e o de conceituar é necessário localizar o seu fundamento comum. E este fundamento é o movimento dinâmico do espírito em busca da inteligibilidade real, não da inteligibilidade pensada. O filósofo não vive num mundo de pensamentos, mas vive no mundo concreto. Sua filosofia não é meramente pensada, mas é vivida.
A filosofia é a biografia conscientemente assumida. A consciência autoral do filósofo o conduz à objetividade daquilo que ele não pode negar. O filósofo concreto é o centro para o qual converge toda a inteligibilidade do real, mas é um centro consciente. É por isso que, mediados por um mesmo espírito, a abstração e o conceito são dialéticos entre si.
Tese V
Na demonstração lógica, a abstração e o conceito possuem suas respectivas identidades.
A filosofia deve ser concreta como a vida do filósofo é concreta.  Se o mesmo espírito media a abstração e o conceito em busca da concreção do mundo da vida, esse mesmo espírito, a não ser que traia a sua percepção, jamais irá trocar as respectivas categorias. Essas categorias já são predicados dos seres mesmos e estão muito além das camadas verbais ou do falatório da quase totalidade do que se entende por “filosofia” hoje em dia 6.
Passado o trabalho da percepção e imaginação, nota-se que o espírito sabe em tudo reconhecer sua identidade e princípio. Operar com a realidade, e não apenas operar com esquemas, é a síntese espiritual que a filosofia concreta oferece. E operar com a realidade não é apenas lidar com as semelhanças e diferenças, mas é lidar com o múltiplo jogo das identidades, que, mesmo sendo múltiplas, permanecem sempre as mesmas.
A fidelidade à percepção e à imaginação como formadora do senso do real é a primeira condição do espírito filosófico.  O espírito recebe a imagem do mundo concreto e devolve essa imagem em forma de conceito em que a abstração trabalhou e ordenou. Mas para que isso aconteça é necessário que, na demonstração lógica, a abstração e o conceito possuam suas respectivas identidades.
Tese VI
A identidade do mundo da vida é o seu próprio critério de classificação.
O princípio ontológico e universal da identidade é, justamente, um ponto de partida fundamental para a filosofia concreta. Isso se deve ao fato do princípio universal de identidade ser um dos elementos que tornam o real concreto. E ter fidelidade contínua à identidade é um caminho seguro para se chegar à verdade.
Fidelidade à identidade e fidelidade à verdade não são exatamente a mesma coisa. A identidade expressa o ser e, ao mesmo tempo, forma a possibilidade de oposição a esse ser. Nessa relação entre identidade e oposição entram, por mediação, as semelhanças e diferenças.
Mas a identidade dos seres concretos existentes no mundo da vida fornece ainda a matéria prima para o espírito objetivo. A abstração e o ato de conceituar o espetáculo do ser têm na identidade a sua única garantia 7. Sem a identidade, a abstração torna-se impossível, a formação do conceito também, e a filosofia desaparece. E por isso a identidade do mundo da vida é o seu próprio critério de classificação.
Tese VII
A abstração é a marcha do pensamento em direção ao conceito.
A filosofia deve ser concreta como a experiência da verdade é concreta. Reconhecer a identidade do mundo da vida 8 não é uma dificuldade real. A dificuldade reside no salto que vai da percepção do concreto ao concreto pensado. A maioria dos filósofos se perde no caminho que vai da experiência vivida ao pensamento. É necessário direcionar o esforço filosófico para que este diga respeito sempre aos objetos da experiência real.
Uma filosofia concreta só é digna de nome se, para cada conceito formado, houver a possibilidade de apontar na realidade mesma onde a matéria deste conceito está presente. Sem a presença do ser não se pode falar em filosofia concreta. A filosofia concreta reconhece a unidade e integridade do ser em sua presença e é um testemunho deste. Presença e conhecimento concreto são absolutamente inseparáveis 9.
Se a abstração é o algoritmo do pensamento, se a formação do conceito concreto ocorre por meio de abstração, então o caminho está dado no mundo da vida e é muito bem conhecido. Da experiência ao pensamento há a mediação do espírito. É por isso que a abstração é a marcha do pensamento ao conceito.
Tese VIII
A ordem de inteligibilidade é um princípio que rege a abstração e a concreção.
Já se sabe que tanto a abstração quanto a concreção do conceito dizem respeito ao mesmo principio de inteligibilidade. Mas, ao tornar a opacidade do real inteligível, a filosofia concreta apreende a ordem do ser. Essa ordem, como tudo que de fato existe, é concreta.
Na ordem do ser existem ainda as possibilidades múltiplas de causalidades e nexos acidentais. Uma vez que a ordem do ser é transpassada infinitamente, e uma vez que a realidade move-se o tempo inteiro, o movimento do mundo real só é possível de acordo com a existência daquilo que, no plano da realidade concreta, não se transforma.
A ordem do real implica em sucessivas transformações temporais em que as categorias vão se alternando; percebemos a realidade justamente de acordo com a oposição entre o movimento e a ausência dele. Mas, mesmo nesta tensão dialética real, existe a possibilidade da abstração e da concreção mediadas desde o princípio pela inteligibilidade universal. É por isso que a ordem de inteligibilidade é um princípio que rege a abstração e a concreção.
Tese IX
Entre a abstração e a concreção reina a oposição.
A filosofia deve ser concreta como a ordem do real é concreta. As atividades fundamentais do espírito filosófico podem, muitas vezes, estar fragmentadas. Cabe ao filósofo concreto articular sempre os níveis de suas próprias atividades, que são uma reprodução dos próprios níveis de realidade existentes 10.
Mas é justamente no meio destas atividades filosóficas que reina a oposição, porque a oposição é o que torna o ser concreto.  A diversidade de aspectos sob os quais um determinado ser pode se apresentar, e a diversidade de pontos de vistas que se podem ter quanto a um mesmo ser, é uma conseqüência dos diversos planos de oposição que formam um ser finito. A infinitude que atravessa o ser finito é o que o torna concreto.
Entre os elementos que ajudam a integrar o ser concreto, o principal é a infinitude. O ser torna-se concreto perante o infinito. E a filosofia concreta coloca o filósofo perante o infinito, que é o fundamento primeiro e último da concreção da existência. A finitude se estabelece no mundo pela oposição. Por isso se diz que entre a abstração e a concreção reina a oposição.
Tese X
A oposição torna o abstrato concreto e torna o concreto ainda mais concreto.
O que se deve dizer ainda sobre a oposição é que, sem ela, não existe movimento, transformação, evolução, nem nenhuma lei característica do ser finito. Mas todas as leis que regem o ser finito concorrem sempre e simultaneamente para a sua assunção 11. É verdade que há corrupção e destruição das coisas neste mundo. Mas a corrupção não chega a formar uma lei, é apenas uma condição. A destruição pode ser considerada uma primeira etapa da transformação, que é algo muito mais amplo do que a própria destruição. A transformação implica também em criação de novos seres.
A faculdade abstrativa do espírito ocorre diretamente sobre as coisas. A abstração retira das coisas apenas algumas de suas propriedades que podem ser ditas como essenciais. Mas a conexão essencial na estrutura real de um ser concreto não é, obviamente, abstrata. Quando se fala em conexão essencial dos seres se fala em realidade e não necessariamente em pensamento.
Mas o pensamento concreto, que se inspira na concreção do real, é o que forma a unidade entre o filósofo e o mundo. Nesse sentido, filosofar é, por oposição, tomar parte da realidade; não para substituí-la, e sim para integrar no binômio natureza/sociedade humana a inteligibilidade que está no centro do coração humano. Assim, cada vez mais o filosofar é um filosofar concreto. É por isso que a oposição torna o abstrato concreto e torna o concreto ainda mais concreto.
Tese XI
A abstração é a singularidade na diversidade, o conceito é a unidade na diversidade.
A filosofia deve ser concreta como a totalidade do ser é concreta. A realidade não se faz por fragmentos, ela se faz na relação entre a singularidade e a diversidade. O real é único e múltiplo ao mesmo tempo 12. Porém, não sob o mesmo ponto de vista. O ponto de vista do filósofo é o de decifrar na totalidade do ser as marcas de sua própria consciência concreta.
Captar a singularidade na diversidade é o mesmo que abstrair. Encontrar a unidade na diversidade é o mesmo que conceituar. A singularidade e a diversidade estão presentes o tempo todo na totalidade do real. As faculdades fundamentais do espírito se integram também na totalidade da própria experiência humana.
Há mesmo, inclusive, uma tendência inevitável da possibilidade humana à transcendência. A assunção do espírito humano à universalidade é o resultado final do filosofar concreto, plenamente realizado. Este filosofar reúne no pensamento as condições reais e existentes para o exercício da liberdade humana. É por isso que a abstração é a singularidade na diversidade, e o conceito é a unidade na diversidade.
Tese XII
A realidade é concreta (e o real sempre se apresenta por inteiro). A abstração se separa da totalidade do real para regressar depois à essência do mundo.
A conclusão de que existe uma efetiva separação e um efetivo retorno à essência do mundo é dada pelo caráter reflexivo da consciência humana. A consciência não é a realidade, mas a consciência existe na medida em que ela tende para a realidade. Já se sabe que, para a realidade concreta, é necessária a consciência concreta do mundo. Somente a filosofia concreta pode se referir à realidade concreta.
Na organização do real existem ainda muitas sugestões para a organização do pensamento. O filosofar penetra na estrutura do cosmos e recebe deste o influxo permanente de sua integridade. O filósofo passa a ser ele mesmo uma imagem do Supremo Bem, e a integridade do cosmos passa a ser a integridade do próprio filósofo.
O filosofar implica numa ascensão gradativa, não-linear, numa tomada de consciência da estrutura e da totalidade do real. O filosofar concreto busca a unidade do mundo na unidade da própria vida. A integração entre o sujeito e o objeto, como identidade única, é o início e o fim da filosofia concreta.
É por isso que a filosofia deve ser concreta como o mundo real é concreto.
Notas
1. Este ensaio trata de um breve sistema filosófico que eu escrevi especialmente para a revista Filosofia Concreta. Nessas doze teses eu proponho, em linhas gerais, a fundamentação de uma gnoseologia concreta inspirada na cosmologia e no simbolismo tradicional. Eu procuro também combater um dos pecados da filosofia contemporânea, que é o abstracionismo, a fuga da realidade. Eu apresento o que penso ser o verdadeiro lugar da abstração no método científico, como técnica fundamental para a formação do conceito filosófico. Estou bastante próximo de considerar como interesse do método a ser seguido uma curiosa “abstração concreta”. Agradeço ao professor e filósofo Olavo de Carvalho, com quem venho aprendendo imensamente. Agradeço aos alunos e colegas do Curso Online de Filosofia, em especial aos amigos do Recife. Agradeço, oportunamente, ao Renan Santos, que me convidou para escrever no presente número da revista.
2. Concordo com Mário Ferreira dos Santos quanto à impossibilidade de um conceito, qualquer que o seja, esgotar a totalidade da experiência real. Mas é sempre bom lembrar que a filosofia de formação de conceitos, desde a dialética socrática, possui o objetivo de captar a essência do ser e, com alguma variação, articular matéria, forma e proporção. Digo isso porque há um pecado original na epistemologia e método das Ciências Sociais, na sociedade moderna, de que o conceito é um modelo que não é capaz de abarcar a realidade como ela é; mas de apenas fazer medições ou comparações aproximadas do real. Isso parece ser uma boa intenção da filosofia moderna, mas é uma desculpa para manter o ser oculto entre as trevas do desespero ante a presença infinita do ser; de onde nasce o medo de conhecer a realidade. Penso que toda essa série de limitações e inibições começou com o Sr. Immanuel Kant e suas Categorias. A filosofia de Kant criou um buraco negro na realidade, e quase todos os filósofos posteriores, com raras exceções, ficaram com medo de perguntar o que existe dentro deste buraco.
3. O sistema filosófico que apresento não pretende ser exaustivo. Mas é muitíssimo interessante a perspectiva pitágorica resgatada por Mário Ferreira dos Santos para iluminar o problema dos números, que deixam de ser entendidos apenas como símbolos de quantidade ou como classes que relacionam e agrupam outras classes, para serem compreendidos em sua universalidade ontológica, que rege ordens de realidade e pela qual concrecionam um ser finito.  Inspirado nessa imensa perspectiva aberta por Mário Ferreira dos Santos, eu pretendo ter criado um novo método para conectar a matemática à ontologia, concrecionando a abstração matemática ante a infinitude metafísica, e ter resolvido um problema filosófico antigo: como a matemática expressa a realidade? Minha investigação, neste sentido, é sobretudo heurística e aporética, e serve como técnica para a resolução de problemas matemáticos. Num futuro número de nossa Filosofia Concreta eu prometo oferecer os fundamentos expostos do meu método.
4. Na verdade, os versos são atribuídos ao filósofo pitagórico Lysis. Transcrevo alguns desses versos áureos aqui: “Que se não passe um dia, amigo, sem buscares/Saber: Que fiz eu hoje? E, hoje, que olvidei?/ Se foi o mal, abstém-se; e, se o bem, persevera./ Meus conselhos medita; e os estima; e os pratica:/ E te conduzirão às divinas verdades. (…) A seu dever, invoque, e com fervor, os Deuses,/Cujo socorro imenso e valioso e forte/Te fará concluir as obras começadas/ Segue-lhes o ensino, e não te iludirás:/ Dos seres sondarás, a mais estranha essência;/ Conhecerás de Tudo o princípio e o termo./ E, se o Céu permitir, saberás que a Natura,/ Em tudo semelhante, é a mesma em toda parte;/ (…) O Erro discernir, e saber a Verdade./A Natureza os serve. E tu que a penetraste,/ Homem sábio e ditoso, a paz esteja contigo!” Para mais versos, consultar Pitágoras e o Tema do Número, de Mário Ferreira dos Santos.
5. Ao dar essa conotação ao Quaternário de Pitágoras, é necessário que eu faça algumas distinções:
1) A acepção mais comum do termo pode ser ilustrada pelo seguinte simbolismo de ordem cósmica: 1 + 2 + 3 + 4 = 10. O dez é o que representa a perfeição e a totalidade;
2) O Quaternário da figura geométrica do quadrado que, em oposição ao círculo, representa o quaternário estático e imóvel;
3) O simbolismo do Quaternário da cruz, que é o quaternário dinâmico unificador da totalidade do real.  O simbolismo da cruz, nesse caso, representa a própria estrutura da realidade e integra a ordem humana e divina; a horizontal e a vertical, a temporalidade analógica e dinâmica das 4 estações do ano, das 4 fases da lua, das 4 direções no espaço com os quatro pontos cardeais. Os 4 elementos dinâmicos da Alquimia tradicional. As doze teses, assim, são como os doze signos do zodíaco que, por sua vez, são integrados pelos 4 elementos, conforme a imagem do céu na Astrologia tradicional. Dividindo os doze signos pelos 4 vértices da cruz, sempre encontraremos o ternário fundamental, uma analogia com a Trindade.
Neste caso, juro por aquele que nos deu o Quartenário dinâmico, isto é: por Nosso Senhor Jesus Cristo.
6. São as “filosofias do desespero”, na acepção de Mário. Não é coincidência que boa parte da filosofia contemporânea, ao mesmo tempo em que tentou suprimir a presença do ser, se fragmentou e terminou por perder de vista o senso de unidade do real. O que sobrou, apenas e em muitos casos, foi o desespero e a fuga da realidade.
7. Mário costumava dizer que o problema da abstração e de seu excesso no mundo moderno possui umtopos bem definido. A classe acadêmica, o “clericalismo científico” (palavras minhas), as “coletividades pensantes”, tendem sempre ao abstrato, à fuga da realidade, à fabricação de ideologias. O filosofar autêntico só pode ser uma atividade do indivíduo concreto. É claro que há indivíduos intoxicados pela moral de rebanho e indivíduos que representam papéis sociais quando filosofam. Há os intelectuais orgânicos, praga do mundo moderno e traidores de sua condição ontológica. Suas filosofias são tão abstratas e mentirosas quanto as suas próprias vidas.
8. O mundo da vida não é uma evocação fantasmática que escraviza o homem.  O filósofo, com o olhar atento, pode transfigurar poeticamente os objetos do seu dia a dia e transcender o seu cotidiano. O problema da abstração filosófica é conduzido pela imaginação até o problema da inteligibilidade. Um cão não é capaz de tirar o vermelho de uma maçã apenas com os olhos. Mesmo abstrações terríveis como mulas-sem-cabeça e lobisomens têm suas origens em mulas, homens e lobos. Isto é: em alguma experiência real.
9. Mário Ferreira dos Santos está certíssimo quando coloca o ser como o objeto do conhecimento. A origem deste pequeno sistema filosófico que proponho aqui está articulada com a presença total do Ser, sem a qual qualquer filosofia não passa de um abstracionismo, um algo vazio e sem vida. Eu apenas acrescento que o Ser não é apenas objeto do conhecimento, mas ele é o próprio sujeito sem o qual não existe conhecimento algum. O Ser infinito é a origem de todo o conhecimento possível, e muitos erros filosóficos poderiam ser evitados se houvesse a aceitação simples deste dado onipresente e absolutamente incontornável da realidade.
10. A pergunta que se faz necessária é: como articular um problema filosófico?
A resposta que eu dou é a seguinte: é no mundo da vida que se deve recolher as premissas para o trabalho científico. É no mundo da vida que os verdadeiros problemas filosóficos surgem.
Se “problema”, na definição precisa de Ortega y Gasset, é a “consciência de uma contradição”, o primeiro passo para resolver um problema filosófico é perceber se esta consciência da contradição foi colocada pela própria vida, ou se foi algo que o filósofo simplesmente inventou.
Caso seja um problema colocado pelo próprio mundo da vida, isso já é sinal de que o problema requer atenção e é digno de contemplação amorosa. Se o filósofo simplesmente inventou o problema, caiu no pecado filosófico de desprezar a essência e multiplicar os acidentes desnecessariamente, algo que deve ser deixado de lado para sua própria saúde.
O filósofo concreto deve perceber como o fundamento da ordem de realidade que vivencia todos os dias é tensional. O universo é tensional, o “todo” é tensional, a “parte” é tensional, absolutamente toda estrutura geral do ser finito se define pela tensão, este é o mundo da vida.
O filósofo concreto deve procurar sempre a unidade por trás das tensões do seu dia e verificar qual a exata contradição que o problema lhe revela. O filósofo concreto deve andar com um lápis e um pequeno caderno no bolso e anotar todas as tensões do dia, todo o lusco-fusco, a cintilação cósmica presente no seu dia-a-dia, todas as contradições do seu cotidiano, e verificar qual é a unidade por trás dessas tensões. Essa unidade dará o sentido subjacente aos seus problemas e será a sua bússola para navegar no mundo da vida.
No dia-a-dia, o próprio simbolismo natural vai lembrando e inspirando o filósofo concreto. Quando o sol vai se pondo, a lua vai ascendendo, impera o reino da analogia que é o reino da lógica poética. A metodologia para contemplar espetáculos como esse está dado no presente sistema filosófico.
Então, o filósofo concreto segue os seguintes passos na articulação do problema filosófico: 1. Elimina qualquer possibilidade de contradição virtual e potencial, ficando sempre com as insolúveis contradições reais; 2.Depois da investigação dialética, ingressa com o problema clarificado na apodíctica universalidade.
1. Aqui, obviamente, há mais um diálogo de consciência meu com o grande filósofo Mário Ferreira dos Santos. Tratam-se das Leis Eternas. Desde as formas de assunção ou evolução da matéria à forma concreta, do particular ao universal, do ser finito ao Ser infinito, está presente na atividade do filósofo concreto a tensão dialética real, uma vez que ele é finito e situa-se perante a totalidade cósmica. Há várias dessas leis implícitas neste ensaio, mas o centro deste sistema filosófico que proponho, assim como o centro da Árvore da Vida, assim também como o centro das Leis Eternas do próprio Mário Ferreira dos Santos, é, sobretudo, a beleza. Cf. A Sabedoria das Leis Eternas de Mário Ferreira dos Santos.
12. O real, por sua vez, é um conjunto infinito de conexões acidentais e, ao mesmo tempo, um emaranhado complexo de múltiplas causalidades e determinações que são sustentadas por uma essência concreta. A base de toda realidade possível é a concreção. O ser, se é real, é concreto. A abstração complementa o ser real concrecionando-o no pensamento, e se separa do ser real por um certo período de tempo para contemplá-lo melhor e para voltar a ele amorosamente.
Por tornar a habitar nas múltiplas cadeias dos nexos lógicos e na imprevisibilidade de seus acidentes, a abstração sempre fará parte da realidade e abrirá a expansão das possibilidades como expressão simbólica do Ser.

Abstrair é criar símbolos para futuras manifestações da verdade. Esta é a boa abstração. Por meio dela, o ser pode ser pensado e apreendido em conceito, explicado, contemplado desde a sua essência, à qual retornaremos.

Conceito e Juízo

Por Rafael Sandoval

Certamente um dos maiores problemas da Idade Média, os universais foram para os escolásticos o centro de acirradas discussões. O grande filósofo Mario Ferreira dos Santos disseca o tema dos conceitos em sua obra Lógica e Dialética, e é sob a sua ótica que abordaremos o assunto.
“A simples apreensão que é a primeira operação do espírito é o ato pelo qual ele capta, noeticamente, alguma coisa. E o que a mente capta (decapio, ceptum, daí cumceptum) é o conteúdo do conceito, que é construído pela mente e expresso na mente. Assim quando mentamos casa, pedra, sapiente, realizamos atos de simples apreensão.”
O conceito possui em si as generalidades dos indivíduos e, à medida que abarca maior número de seres de uma espécie a que se refere, passa a ter significado próprio. Ora, a partir do momento em que o conceito adquire seu próprio significado, se torna um conceito em si, fechando-se em si mesmo. Desta forma, ele praticamente perde o seu conteúdo material; torna-se um ente lógico e passa a ter identidade. É evidente que o conceito é ideal e intemporal, possuindo em si todas as contingências dos seres em grau de generalização.
Ou seja, o conceito é um ato da mente que contempla o que os seres têm em comum e também, de certa forma, toda as suas contingências, porém generalizadas e em possibilidade. Os conceitos possuem algo de si e do outro (ser-na-espécie no sentido do realismo moderado tomista), sendo indiferentes quanto aos indivíduos em suas contingências estritas, pois são síntese, por assim dizer, de “individual e não-individual.”
Mário Ferreira dos Santos em sua obra discute a distinção entre ato visto como funções da consciência, isto é, processos psíquicos reais e temporais, e os conteúdos que dizem respeito ao significado do conceito que transcende as funções da consciência. Enquanto que o ato concerne à psique, é estudado pela Psicologia, o conteúdo, por outro lado, diz respeito á Lógica. Há, no entanto, correlação e condicionamento entre os atos e o conteúdo: para que o espírito apreenda o significado no conceito são necessários processos psíquicos.
O conceito, como já abordado no início do artigo, despoja-se das características sui generisdo objeto, dotando-se de seus aspectos gerais. São os conceitos os elementos da lógica. A partir do momento que há um maior grau de abstração, o conceito perde as características dos objetos a que corresponde, passando a ter significação própria. Vejamos o exemplo que Mário apresenta:
“Se dermos o exemplo do conceito casa, verificamos que ele já não reproduz as notas essenciais do objeto a que corresponde. Para o lógico formal, o conceito casa é distinto do objeto casa. Não é difícil de compreender-se a razão. Se perguntarmos a uma criança o que é uma casa, ela logo terá imagens diversas de casas que conhece ou conheceu. E se procurar definir, dirá logo “ora, é onde a gente vive.” Finalmente, após mostrar-se que a gente vive também em outros lugares, que não são casas, a criança dirá que são lugares cobertos, onde temos a possibilidade de habitar. Enfim, ela chegará a dar um conteúdo delimitado ao conceito casa. Mas este conceito, embora se refira a um objeto, porque todo conceito se refere a objetos, no desenvolvimento culto da humanidade, vai tomando cada vez mais uma significação própria, formal. (SANTOS M. F. Lógica e Dialética 1959 pág. 27.).
Com efeito, o conceito perde em si mesmo seu aspecto material e se torna puramenteformal. Isto é, o conceito possui implícito em seu conteúdo generalidades que dizem respeito aos objetos da classe que o conteúdo representa. Desta forma, quando se dizhomem, este homem enquanto conceito implica em si todas as características gerais dohomem enquanto ente real e também as suas possibilidades. O conceito assim fecha-se em si mesmo, contendo todas as generalidades e possibilidades dos seres a que se refere: torna-se um ente lógico.
O conceito nasce da abstração do particular, parte da coisa é in re (segundo o realismo aristotélico, em oposição à concepção platônica) e se torna, devido à identificação com atributos dos outros seres, conceito. É, portanto, ente de razão que possui fundamento físico, fundamento in re. É um processo natural, fruto do desenvolvimento culto da humanidade donde não se há espaço para ligar de imediato ao conceito o conteúdo material.
Mário coloca-nos a diferença entre a imagem e o conceito, pois enquanto que o conceito é geral, perde, por assim dizer, seu conteúdo material, obscurecendo a sua concreção, por outro lado, a sua imagem “é individual e concreta, composta de dados sensíveis”. O conceito é confuso; a imagem é clara. O conceito é uma mescla de imagens de objetos que, quando de um grau mais elevado de abstração, perde o seu conteúdo material. No entanto, parte do concreto se fundamenta in re.
O conceito, segundo Mario, possui em seu conteúdo “notas do objeto”, referências a partir da imagem do objeto. Não obstante, há uma seleção de atributos para a formação do conceito desde a percepção simples até mesmo a intuição eidética. Com efeito, é abstraído para a formação do conceito somente aquilo de comum aos outros objetos, isto é, é abstraída somente aquela propriedade (e negligenciando outras) que os outros objetos também possuem para assim classificar o conceito. Desta forma, quando se diz que determinado objeto é um livro, se está levando em conta que este objeto possui atributos que o identificam como tal, possui predicados que o identifica como um livro. Poderia ter se considerado o livro como objeto, como corpo, como ente, etc. Houve, portanto, identificação do eidético com a res ou coisa; com o significado do conceito e o conteúdo objetivo do objeto. É feito, assim, um “recorte” no objeto, destacando somente o que interessa; é, com efeito, oobjeto formal, porquanto se trata de uma abstração daquilo que os outros objetos da mesma espécie também têm.
O CONCEITO INDIVIDUAL
Se o conceito é geral, o que dizer dos conceitos individuais, como América ou Napoleão? Este é um problema brilhantemente tratado por Mário. No início deste artigo se afirmou que o conceito, a partir do momento que passa a abarcar maior número de seres, passa também a ter significado próprio. Sendo assim, pode-se dizer que o conceito individual não abarca objetos ou seres, mas abarca características, e por isso possui significado próprio. Usando do exemplo de Mário: “Napoleão Bonaparte é a denominação comum de uma série de fatos ligados a uma individualidade que lhe dá denominação comum.”.
Trata-se, dessa forma, de um tipo de abstração onde há uma pluralidade de notas, que se formam da individualidade, isto é, há o singular, representado tanto por uma concordância de características quanto por uma discordância delas entre os sujeitos.
Assim, o conceito Napoleão Bonaparte diz respeito a várias características dele como a de militar, imperador, etc, algumas de acordo entre os sujeitos e outras não. O conceito individual de Napoleão abrange todas estas características, dando-lhe, portanto, um “significado próprio.” Os atributos desprendem-se do indivíduo (enquanto realidade e singularidade) criando perspectivas, algumas concordantes e outras não, mas se referindo ao mesmo indivíduo. Devido a esse desprendimento, acaba por se tornar o indivíduo uma idéia, isto é, um conceito.
CLASSIFICAÇÃO DOS CONCEITOS
Mario faz, por fim, uma classificação geral de conceitos. Cabe-nos, portanto, elencá-los para assim discuti-los. 
Conceito específico
No conteúdo deste conceito, que corresponde à espécie, estão os seres com as mesmas possibilidades, de forma generalizada. Assim, o ser-na-espécie gato possui as possibilidades e atributos gerais implícitos aos outros seres da sua espécie. Quando se diz que determinado animal é um gato (ser-na-espécie) se está levando em conta que para que este animal seja considerado como pertencendo à classe dos gatos ele deve ter todos os atributos e possibilidades que o identificam como um. Com efeito, ele necessita ter as características gerais de um gato e todas suas potencialidades. Deve parecer com um gato, ter sido amamentado, ter pêlos de um gato, tamanho, etc, e necessita também poder desenvolver todas as habilidades que identificam a espécie dos gatos.
Conceito genérico
Este conceito corresponde ao gênero, abarcando o conceito de espécie. Enquanto a espécie no sentido estrito é especificação, o gênero, por sua vez, corresponde a um grau mais geral de características em comum, excetuando-se as possibilidades dos seres contidos nas espécies abarcadas, que não são exatamente as mesmas: as possibilidades do gato não são exatamente as mesmas do cão.
Conceito geral (universal)
São os conceitos que possuem significado próprio devido à sua alta abstração – mesmo eles sendo específicos. O conceito animal, por exemplo, possui significado próprio mesmo se fundando no real. Com efeito, animal não se refere a algo, mas classifica algo.
Conceitos concretos e abstratos
Segundo Mario, os conceitos concretos são conceitos “intuitivamente representáveis”. Isto é, está implícito um conteúdo material ligado a este conceito como no caso do conceito casa. Ele possui identidade com o que é concreto, sendo, portanto, ente real (entia quae), e por último obtendo significação própria, tornando-se assim ente lógico, objeto puro do intelecto.
Os conceitos abstratos, por outro lado, não são intuitivamente representáveis como, por exemplo, “paixão”, “amor”, “raiva”, etc. Estes conceitos não possuem identidade com nenhum objeto existente, não existem por si na realidade.
Conceitos Coletivos
Para Mário, de maneira simples, são os conceitos que dizem respeito ao coletivo que, mesmo enquanto unidades, significam pluralidades. Estes conceitos fecham-se em si mesmos em seus significados, isto é, são singulares e com definição própria, porém concernem ao que é plural.
Características fundamentais
Como ressaltado no início, os conceitos possuem um conteúdo que se fundamenta no real. A experiência, até mesmo a experiência de um objeto único, é responsável pela formação do conceito; a repetição de experiências, por sua vez, levará a uma “adequação do conceito à realidade”. Assim, uma pessoa que conhece carros, motos e ônibus, possivelmente terá como conceito de veículo somente estes veículos; entretanto, quando do conhecimento de que caminhões possuem também todas as características que os identificam como veículos, logo ele também será considerado veículo. Haverá, portanto, uma ampliação do conceito.
Mário apresenta-nos as características fundamentais dos conceitos: conteúdo, extensão e compreensão. Ao se aumentar a extensão do conceito, se diminui a sua compreensão, pois o conceito perde em significado.  Com efeito, um conceito de maior extensão, de maior generalidade, acaba por possui menor notas no que diz respeito ao seu conteúdo, porque o conceito, por assim dizer, visa menos características que identificam os indivíduos pertencentes ao conceito. Ora, utilizando os exemplos e a linguagem do próprio autor, é evidente que o conceito animal possui menos notas que o conceito homem e que, por conseguinte, homem elicita uma compreensão maior do que o conceito animal, pois nele estão implícitos somente os atributos identificadores e limitadores do homem. Vejamos o que o Mário nos diz:
“Por exemplo: o conceito animal tem maior extensão que homem, porque tem maior generalidade, inclui todos os seres animais, classificados pela zoologia, inclusive o homem. Mas as notas que selecionamos é de número menor que o conceito homem, que, contudo, tem uma extensão menor, mas uma compreensão maior, pois quando consideramos animal como generalidade zoológica, já retiramos a nota racional que pertence ao homem. Para formarmos o conceito animal, o número de notas é menor; isto é, menor o número daquelas notas que podemos assinalar”(Lógica e Dialética, pág. 31)
Ele aponta, assim, para o fato de conteúdo e extensão serem inversamente proporcionais; isto é, aumentando-se o conteúdo do conceito (pois o conteúdo é flexível), se terá uma maior compreensão e uma menor extensão, porquanto as contingências e individualidades do conceito estarão distintas e evidenciadas. Assim, homem ou mulher têm maior extensão porque abarcam todos os indivíduos que possuem atributos que os identificam comohomens ou mulheres; mas o conceito de mulher oriental ou de “homem branco” (exemplo dado por Mario) tem maior conteúdo, maior compreensão e menor extensão do que apenas o conceito específico mulher ou homem. Semelhante não ocorre com os conceitos singulares, pois não possuem extensão. “É o conteúdo que dirige a extensão.”
Relações entre os conceitos
Os conceitos se relacionam como subordinantes e subordinados, conforme bem acentuado anteriormente quando da sua classificação. O conceito que maior abarca e, por conseguinte, é o subordinante, possui menos notas do que o conceito subordinado. O conceito subordinado possui todas as características do subordinante, no entanto mais específicas, isto é, possui mais notas do que o conceito subordinante. Assim, o conceito de gênero (conceito subordinante) possui menos notas que o conceito de espécie (conceito subordinado): o conceito homem possui mais notas que o conceito animal. O conceito polígono (exemplo de Mario), que é o conceito subordinante de triângulo, possui menos notas que o conceito de triângulo, cuja característica é possuir três lados. Bem, passemos agora aos tipos de relação entre os conceitos.
Relação de coordenação
Trata-se da relação dos conceitos que se encontram em uma mesma ordem, mesmo os conceitos específicos, já que estes podem estar na mesma ordem de generalidade, ainda que dizendo respeito a classes diferentes. Exemplo: o Cão é o Canis lupus familiaris(“Canis” dizendo respeito ao gênero) e o Lobo é o Canis lupus.
Relação de dependência ou correlação
Por outro lado, temos os conceitos dependentes ou correlativos, isto é, conceitos que dependem um do outro como mãe e filho, pai e filho, neto e avô. Há uma relação de dependência, porque um necessita do outro para se efetuar.
A dependência correlativa é a dependência recíproca, quando nem um nem o outro pode se efetuar sem a relação: só pode haver o filho porque há o pai e só pode haver o pai porque existe o filho (relação de dependência correlativa).
Relação de disjunção
Já os conceitos disjuntivos são aqueles subordinados a um mesmo conceito mas que não têm entre suas extensões nada de comum. Conceitos coordenados, como as espécies de um gênero, são também disjuntivos.
Relação de contradição e contrariedade
Os conceitos contraditórios negam o conteúdo um do outro, como branco e não-branco. Por sua vez, há os conceitos antagônicos ou contrários, cuja oposição é uma oposição polar, onde dois conceitos fazem parte do mesmo gênero e diferem maximamente entre si (havendo também relação de dependência), como Bem e Mal.
Considerações Finais
Em sua obra, Mário Ferreira dos Santos disseca a concepção de conceito, isto é, apresenta-nos análises por demais significativas e profundas sobre este tema.  Podemos concluir, com este breve estudo sobre sua abordagem, que o conceito correlaciona-se com a própria linguagem da mente. Ou seja, os conceitos se associam, mesclam, se ordenam e, por fim, dissociam-se. A natureza das idéias é, por assim dizer, um ordenamento de conceitos que possuem em seu conteúdo significados implícitos e misteriosos correlacionados com as representações, não sendo possível diferenciar estes significados introspectivamente devido à própria substância do significado, que se limita somente à linguagem fechada. Todo o conteúdo das idéias enquanto operação mental é conceitual, pois é de significação. Sendo assim, o conteúdo dos conceitos são outros conceitos, podendo se subtrair partindo de uma generalização até o “átomo lingüístico” figurativo que, devido a correlação com o real, possui também conteúdo real.
Partindo da teoria dos conceitos, podemos chegar ao conceito de Absoluto, o que existe per se. Ora, tendo em vista que todo conceito se fundamenta no real, o limite do homem será, portanto, o limite de sua conceituação. Dessa forma, o conceito que possui significado per senão pode ser conhecido. O homem apenas conhece o que conceitua, pois dá próprio significado à realidade, que já possui significado através da conceituação correlacionada com as operações mentais. Assim, esta realidade anterior à sua conceituação existe de forma inefável e independente da existência do homem. Ora, o Absoluto é puro e desprovido de qualquer conteúdo. Mesmo que a consciência conceituadora do homem deixe de existir, ainda haverá o Absoluto, anterior a qualquer conceituação.
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Referências Bibliográficas
SANTOS M. F. Lógica e Dialética. São Paulo: Logos, 1959.
_____________,Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais. São Paulo: Matese, 1962.
WITTGEINSTEIN, Ludwig. Investigações Filosóficas. Trad. José Carlos Bruni. São Paulo: Abril Cultural, 1979.
RUSSEL, Bertrand. Ensaios Escolhidos            . Trad. Pablo Rúben Mariconda. São Paulo: Abril Cultural, 1978.

Conceito e Juízo

Por Rafael Sandoval
Certamente um dos maiores problemas da Idade Média, os universais foram para os escolásticos o centro de acirradas discussões. O grande filósofo Mario Ferreira dos Santos disseca o tema dos conceitos em sua obra Lógica e Dialética, e é sob a sua ótica que abordaremos o assunto.
“A simples apreensão que é a primeira operação do espírito é o ato pelo qual ele capta, noeticamente, alguma coisa. E o que a mente capta (decapio, ceptum, daí cumceptum) é o conteúdo do conceito, que é construído pela mente e expresso na mente. Assim quando mentamos casa, pedra, sapiente, realizamos atos de simples apreensão.”
O conceito possui em si as generalidades dos indivíduos e, à medida que abarca maior número de seres de uma espécie a que se refere, passa a ter significado próprio. Ora, a partir do momento em que o conceito adquire seu próprio significado, se torna um conceito em si, fechando-se em si mesmo. Desta forma, ele praticamente perde o seu conteúdo material; torna-se um ente lógico e passa a ter identidade. É evidente que o conceito é ideal e intemporal, possuindo em si todas as contingências dos seres em grau de generalização.
Ou seja, o conceito é um ato da mente que contempla o que os seres têm em comum e também, de certa forma, toda as suas contingências, porém generalizadas e em possibilidade. Os conceitos possuem algo de si e do outro (ser-na-espécie no sentido do realismo moderado tomista), sendo indiferentes quanto aos indivíduos em suas contingências estritas, pois são síntese, por assim dizer, de “individual e não-individual.”
Mário Ferreira dos Santos em sua obra discute a distinção entre ato visto como funções da consciência, isto é, processos psíquicos reais e temporais, e os conteúdos que dizem respeito ao significado do conceito que transcende as funções da consciência. Enquanto que o ato concerne à psique, é estudado pela Psicologia, o conteúdo, por outro lado, diz respeito á Lógica. Há, no entanto, correlação e condicionamento entre os atos e o conteúdo: para que o espírito apreenda o significado no conceito são necessários processos psíquicos.
O conceito, como já abordado no início do artigo, despoja-se das características sui generisdo objeto, dotando-se de seus aspectos gerais. São os conceitos os elementos da lógica. A partir do momento que há um maior grau de abstração, o conceito perde as características dos objetos a que corresponde, passando a ter significação própria. Vejamos o exemplo que Mário apresenta:
“Se dermos o exemplo do conceito casa, verificamos que ele já não reproduz as notas essenciais do objeto a que corresponde. Para o lógico formal, o conceito casa é distinto do objeto casa. Não é difícil de compreender-se a razão. Se perguntarmos a uma criança o que é uma casa, ela logo terá imagens diversas de casas que conhece ou conheceu. E se procurar definir, dirá logo “ora, é onde a gente vive.” Finalmente, após mostrar-se que a gente vive também em outros lugares, que não são casas, a criança dirá que são lugares cobertos, onde temos a possibilidade de habitar. Enfim, ela chegará a dar um conteúdo delimitado ao conceito casa. Mas este conceito, embora se refira a um objeto, porque todo conceito se refere a objetos, no desenvolvimento culto da humanidade, vai tomando cada vez mais uma significação própria, formal. (SANTOS M. F. Lógica e Dialética 1959 pág. 27.).
Com efeito, o conceito perde em si mesmo seu aspecto material e se torna puramenteformal. Isto é, o conceito possui implícito em seu conteúdo generalidades que dizem respeito aos objetos da classe que o conteúdo representa. Desta forma, quando se dizhomem, este homem enquanto conceito implica em si todas as características gerais dohomem enquanto ente real e também as suas possibilidades. O conceito assim fecha-se em si mesmo, contendo todas as generalidades e possibilidades dos seres a que se refere: torna-se um ente lógico.
O conceito nasce da abstração do particular, parte da coisa é in re (segundo o realismo aristotélico, em oposição à concepção platônica) e se torna, devido à identificação com atributos dos outros seres, conceito. É, portanto, ente de razão que possui fundamento físico, fundamento in re. É um processo natural, fruto do desenvolvimento culto da humanidade donde não se há espaço para ligar de imediato ao conceito o conteúdo material.
Mário coloca-nos a diferença entre a imagem e o conceito, pois enquanto que o conceito é geral, perde, por assim dizer, seu conteúdo material, obscurecendo a sua concreção, por outro lado, a sua imagem “é individual e concreta, composta de dados sensíveis”. O conceito é confuso; a imagem é clara. O conceito é uma mescla de imagens de objetos que, quando de um grau mais elevado de abstração, perde o seu conteúdo material. No entanto, parte do concreto se fundamenta in re.
O conceito, segundo Mario, possui em seu conteúdo “notas do objeto”, referências a partir da imagem do objeto. Não obstante, há uma seleção de atributos para a formação do conceito desde a percepção simples até mesmo a intuição eidética. Com efeito, é abstraído para a formação do conceito somente aquilo de comum aos outros objetos, isto é, é abstraída somente aquela propriedade (e negligenciando outras) que os outros objetos também possuem para assim classificar o conceito. Desta forma, quando se diz que determinado objeto é um livro, se está levando em conta que este objeto possui atributos que o identificam como tal, possui predicados que o identifica como um livro. Poderia ter se considerado o livro como objeto, como corpo, como ente, etc. Houve, portanto, identificação do eidético com a res ou coisa; com o significado do conceito e o conteúdo objetivo do objeto. É feito, assim, um “recorte” no objeto, destacando somente o que interessa; é, com efeito, oobjeto formal, porquanto se trata de uma abstração daquilo que os outros objetos da mesma espécie também têm.
O CONCEITO INDIVIDUAL
Se o conceito é geral, o que dizer dos conceitos individuais, como América ou Napoleão? Este é um problema brilhantemente tratado por Mário. No início deste artigo se afirmou que o conceito, a partir do momento que passa a abarcar maior número de seres, passa também a ter significado próprio. Sendo assim, pode-se dizer que o conceito individual não abarca objetos ou seres, mas abarca características, e por isso possui significado próprio. Usando do exemplo de Mário: “Napoleão Bonaparte é a denominação comum de uma série de fatos ligados a uma individualidade que lhe dá denominação comum.”.
Trata-se, dessa forma, de um tipo de abstração onde há uma pluralidade de notas, que se formam da individualidade, isto é, há o singular, representado tanto por uma concordância de características quanto por uma discordância delas entre os sujeitos.
Assim, o conceito Napoleão Bonaparte diz respeito a várias características dele como a de militar, imperador, etc, algumas de acordo entre os sujeitos e outras não. O conceito individual de Napoleão abrange todas estas características, dando-lhe, portanto, um “significado próprio.” Os atributos desprendem-se do indivíduo (enquanto realidade e singularidade) criando perspectivas, algumas concordantes e outras não, mas se referindo ao mesmo indivíduo. Devido a esse desprendimento, acaba por se tornar o indivíduo uma idéia, isto é, um conceito.
CLASSIFICAÇÃO DOS CONCEITOS
Mario faz, por fim, uma classificação geral de conceitos. Cabe-nos, portanto, elencá-los para assim discuti-los. 
Conceito específico
No conteúdo deste conceito, que corresponde à espécie, estão os seres com as mesmas possibilidades, de forma generalizada. Assim, o ser-na-espécie gato possui as possibilidades e atributos gerais implícitos aos outros seres da sua espécie. Quando se diz que determinado animal é um gato (ser-na-espécie) se está levando em conta que para que este animal seja considerado como pertencendo à classe dos gatos ele deve ter todos os atributos e possibilidades que o identificam como um. Com efeito, ele necessita ter as características gerais de um gato e todas suas potencialidades. Deve parecer com um gato, ter sido amamentado, ter pêlos de um gato, tamanho, etc, e necessita também poder desenvolver todas as habilidades que identificam a espécie dos gatos.
Conceito genérico
Este conceito corresponde ao gênero, abarcando o conceito de espécie. Enquanto a espécie no sentido estrito é especificação, o gênero, por sua vez, corresponde a um grau mais geral de características em comum, excetuando-se as possibilidades dos seres contidos nas espécies abarcadas, que não são exatamente as mesmas: as possibilidades do gato não são exatamente as mesmas do cão.
Conceito geral (universal)
São os conceitos que possuem significado próprio devido à sua alta abstração – mesmo eles sendo específicos. O conceito animal, por exemplo, possui significado próprio mesmo se fundando no real. Com efeito, animal não se refere a algo, mas classifica algo.
Conceitos concretos e abstratos
Segundo Mario, os conceitos concretos são conceitos “intuitivamente representáveis”. Isto é, está implícito um conteúdo material ligado a este conceito como no caso do conceito casa. Ele possui identidade com o que é concreto, sendo, portanto, ente real (entia quae), e por último obtendo significação própria, tornando-se assim ente lógico, objeto puro do intelecto.
Os conceitos abstratos, por outro lado, não são intuitivamente representáveis como, por exemplo, “paixão”, “amor”, “raiva”, etc. Estes conceitos não possuem identidade com nenhum objeto existente, não existem por si na realidade.
Conceitos Coletivos
Para Mário, de maneira simples, são os conceitos que dizem respeito ao coletivo que, mesmo enquanto unidades, significam pluralidades. Estes conceitos fecham-se em si mesmos em seus significados, isto é, são singulares e com definição própria, porém concernem ao que é plural.
Características fundamentais
Como ressaltado no início, os conceitos possuem um conteúdo que se fundamenta no real. A experiência, até mesmo a experiência de um objeto único, é responsável pela formação do conceito; a repetição de experiências, por sua vez, levará a uma “adequação do conceito à realidade”. Assim, uma pessoa que conhece carros, motos e ônibus, possivelmente terá como conceito de veículo somente estes veículos; entretanto, quando do conhecimento de que caminhões possuem também todas as características que os identificam como veículos, logo ele também será considerado veículo. Haverá, portanto, uma ampliação do conceito.
Mário apresenta-nos as características fundamentais dos conceitos: conteúdo, extensão e compreensão. Ao se aumentar a extensão do conceito, se diminui a sua compreensão, pois o conceito perde em significado.  Com efeito, um conceito de maior extensão, de maior generalidade, acaba por possui menor notas no que diz respeito ao seu conteúdo, porque o conceito, por assim dizer, visa menos características que identificam os indivíduos pertencentes ao conceito. Ora, utilizando os exemplos e a linguagem do próprio autor, é evidente que o conceito animal possui menos notas que o conceito homem e que, por conseguinte, homem elicita uma compreensão maior do que o conceito animal, pois nele estão implícitos somente os atributos identificadores e limitadores do homem. Vejamos o que o Mário nos diz:
“Por exemplo: o conceito animal tem maior extensão que homem, porque tem maior generalidade, inclui todos os seres animais, classificados pela zoologia, inclusive o homem. Mas as notas que selecionamos é de número menor que o conceito homem, que, contudo, tem uma extensão menor, mas uma compreensão maior, pois quando consideramos animal como generalidade zoológica, já retiramos a nota racional que pertence ao homem. Para formarmos o conceito animal, o número de notas é menor; isto é, menor o número daquelas notas que podemos assinalar”(Lógica e Dialética, pág. 31)
Ele aponta, assim, para o fato de conteúdo e extensão serem inversamente proporcionais; isto é, aumentando-se o conteúdo do conceito (pois o conteúdo é flexível), se terá uma maior compreensão e uma menor extensão, porquanto as contingências e individualidades do conceito estarão distintas e evidenciadas. Assim, homem ou mulher têm maior extensão porque abarcam todos os indivíduos que possuem atributos que os identificam comohomens ou mulheres; mas o conceito de mulher oriental ou de “homem branco” (exemplo dado por Mario) tem maior conteúdo, maior compreensão e menor extensão do que apenas o conceito específico mulher ou homem. Semelhante não ocorre com os conceitos singulares, pois não possuem extensão. “É o conteúdo que dirige a extensão.”
Relações entre os conceitos
Os conceitos se relacionam como subordinantes e subordinados, conforme bem acentuado anteriormente quando da sua classificação. O conceito que maior abarca e, por conseguinte, é o subordinante, possui menos notas do que o conceito subordinado. O conceito subordinado possui todas as características do subordinante, no entanto mais específicas, isto é, possui mais notas do que o conceito subordinante. Assim, o conceito de gênero (conceito subordinante) possui menos notas que o conceito de espécie (conceito subordinado): o conceito homem possui mais notas que o conceito animal. O conceito polígono (exemplo de Mario), que é o conceito subordinante de triângulo, possui menos notas que o conceito de triângulo, cuja característica é possuir três lados. Bem, passemos agora aos tipos de relação entre os conceitos.
Relação de coordenação
Trata-se da relação dos conceitos que se encontram em uma mesma ordem, mesmo os conceitos específicos, já que estes podem estar na mesma ordem de generalidade, ainda que dizendo respeito a classes diferentes. Exemplo: o Cão é o Canis lupus familiaris(“Canis” dizendo respeito ao gênero) e o Lobo é o Canis lupus.
Relação de dependência ou correlação
Por outro lado, temos os conceitos dependentes ou correlativos, isto é, conceitos que dependem um do outro como mãe e filho, pai e filho, neto e avô. Há uma relação de dependência, porque um necessita do outro para se efetuar.
A dependência correlativa é a dependência recíproca, quando nem um nem o outro pode se efetuar sem a relação: só pode haver o filho porque há o pai e só pode haver o pai porque existe o filho (relação de dependência correlativa).
Relação de disjunção
Já os conceitos disjuntivos são aqueles subordinados a um mesmo conceito mas que não têm entre suas extensões nada de comum. Conceitos coordenados, como as espécies de um gênero, são também disjuntivos.
Relação de contradição e contrariedade
Os conceitos contraditórios negam o conteúdo um do outro, como branco e não-branco. Por sua vez, há os conceitos antagônicos ou contrários, cuja oposição é uma oposição polar, onde dois conceitos fazem parte do mesmo gênero e diferem maximamente entre si (havendo também relação de dependência), como Bem e Mal.
Considerações Finais
Em sua obra, Mário Ferreira dos Santos disseca a concepção de conceito, isto é, apresenta-nos análises por demais significativas e profundas sobre este tema.  Podemos concluir, com este breve estudo sobre sua abordagem, que o conceito correlaciona-se com a própria linguagem da mente. Ou seja, os conceitos se associam, mesclam, se ordenam e, por fim, dissociam-se. A natureza das idéias é, por assim dizer, um ordenamento de conceitos que possuem em seu conteúdo significados implícitos e misteriosos correlacionados com as representações, não sendo possível diferenciar estes significados introspectivamente devido à própria substância do significado, que se limita somente à linguagem fechada. Todo o conteúdo das idéias enquanto operação mental é conceitual, pois é de significação. Sendo assim, o conteúdo dos conceitos são outros conceitos, podendo se subtrair partindo de uma generalização até o “átomo lingüístico” figurativo que, devido a correlação com o real, possui também conteúdo real.
Partindo da teoria dos conceitos, podemos chegar ao conceito de Absoluto, o que existe per se. Ora, tendo em vista que todo conceito se fundamenta no real, o limite do homem será, portanto, o limite de sua conceituação. Dessa forma, o conceito que possui significado per senão pode ser conhecido. O homem apenas conhece o que conceitua, pois dá próprio significado à realidade, que já possui significado através da conceituação correlacionada com as operações mentais. Assim, esta realidade anterior à sua conceituação existe de forma inefável e independente da existência do homem. Ora, o Absoluto é puro e desprovido de qualquer conteúdo. Mesmo que a consciência conceituadora do homem deixe de existir, ainda haverá o Absoluto, anterior a qualquer conceituação.
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Referências Bibliográficas
SANTOS M. F. Lógica e Dialética. São Paulo: Logos, 1959.
_____________,Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais. São Paulo: Matese, 1962.
WITTGEINSTEIN, Ludwig. Investigações Filosóficas. Trad. José Carlos Bruni. São Paulo: Abril Cultural, 1979.
RUSSEL, Bertrand. Ensaios Escolhidos            . Trad. Pablo Rúben Mariconda. São Paulo: Abril Cultural, 1978.