Errico Malatesta
ERRICO MALATESTA
(1853 – 1932)
Errico
Malatesta nasceu em 14 de dezembro de 1853 na pequena cidade de Santa Maria de
Capua Vetere, na província de Caserta. Seu pai, “um homem de idéias liberais”,
segundo Luigi Fabbri, era um rico proprietário de terras.
Aos 14 anos
de idade, Malatesta inicia sua atividade política ao protestar contra uma
injustiça local, através de carta que envia ao rei Vittorio Emmanuele II,
considerada por Fabbri como “insolente e ameaçadora”. As autoridades levaram a
sério e ordenaram sua prisão, em 25 de março de 1868. Seu pai conseguiu
libertá-lo recorrendo a amigos. Dois anos mais tarde (1870), segundo angiolini,
ele foi novamente preso em Nápoles, por liderar uma manifestação e “suspenso”
por um ano da Universidade de Nápoles, onde estudava medicina.
No ano de
1871, Errico adere à Internacional, por influência de Fanelli e Palladino.
Ingressa na seção napolitana da Associação Internacional dos Trabalhadores,
onde inicia uma nova fase de atividades. Anos mais tarde descreveria a vida de
um militante naqueles dias de “entusiasmo”, quando os internacionalistas
estavam “sempre dispostos a qualquer sacrifício pela causa e estavam animados
pelas mais arrebatadas esperanças”.
“Todos
entregavam para a propaganda tudo o que podiam, e também o que não podiam, pois
quando o dinheiro escasseava, vendiam tranqüilamente os objetos de suas casas,
aceitando com resignação as censuras das respectivas famílias. Pela propaganda
esquecíamos o trabalho e os estudos! Enfim, a Revolução estava a ponto de
eclodir a qualquer momento, e teria arrumado tudo. Alguns acabavam com
freqüência na cadeia, todavia, saíam dali com mais energias do que antes: as
perseguições não tinham outro efeito senão consolidar nosso entusiasmo. É
verdade que as perseguições daquele momento eram fracas comparadas com as que
viriam mais tarde. Naquela época, o regime saído de uma série de revoluções: e
as autoridades, rígidas desde o início com os trabalhadores, em particular no
campo, mostravam certo respeito pela liberdade na luta política, uma espécie de
indisposição parecida com a dos governantes austríacos e a dos Bourbons, que,
todavia, se desfez tão rápido quanto se consolidou o regime, e a luta pela
independência nacional foi relegada a um segundo plano”.
Nessa
época, Malatesta se dedica de corpo e alma à Federação Italiana, e colabora com
Carlo Cafiero em L’Ordine e La Campana de Nápoles, tendo
abandonado seu curso de medicina.
Em 1872,
por ocasião do Congresso de Saint-Imier, conhece Bakunin e participa dos
trabalhos da Aliança. Ouçamos a comovente descrição do primeiro encontro de
Malatesta com Bakunin, feita pelo primeiro, em 1926, aos 73 anos de idade:
“... e
assim fui para a Suíça com Cafiero. Encontrava-me enfermo, cuspia sangue e
tinha em mente a idéia de que estava tuberculoso...
Enquanto
atravessava à noite o Gotardo (naquela época ainda não havia o túnel, sendo
necessário atravessar a montanha coberta de neve em diligência) resfriei-me e
cheguei à casa de Zurique, onde vivia Bakunin, tiritando de febre.
“Depois das
primeiras saudações, Bakunin me preparou uma cama e me convidou – ou melhor, me
forçou – a deitar-me, cobriu-me com todos os cobertores que pôde encontrar e
insistiu para que eu descansasse e dormisse. Tudo isso com um cuidado e uma
ternura maternal que me chegaram diretos ao coração.
“Quando me
encontrava envolto nos cobertores e todos pensavam que eu dormia, ouvi Bakunin
dizer coisas admiráveis sobre mim e comentava melancolicamente: “É uma pena que
tenha ficado tão enfermo, em breve o perderemos; não lhe restam sequer seis
meses!”
Entre as
influências que determinaram o desenvolvimento de Malatesta, a de Bakunin foi a
mais importante. Errico se refere a ele como: “O grande revolucionário, aquele
a quem todos nós vemos como nosso pai espiritual”. Sua maior qualidade era a
capacidade de “comunicar fé, desejo de ação e sacrifício a todos aqueles que
tinham a oportunidade de encontrá-lo. Costumava dizer que era preciso ter o
diabo no corpo, e sem dúvida o tinha em seu corpo e sua mente”.
Em 1873,
Malatesta passa sem motivo seis meses na prisão em Trani, e atrai a simpatia do
diretor pelo interesse de suas discussões.
No ano
seguinte eclodem os movimentos insurrecionais preparados por Bakunin e Cafiero.
A polícia, advertida, faz fracassar esses movimentos. Malatesta se encontra em
Pouilles, foge numa carroça de feno, mas é reconhecido, preso e novamente
encarcerado na prisão de Trani. No processo, em 1875, a propaganda pela Internacional
não cessa e ele é absolvido. Junta-se então a Bakunin e Cafiero na Suíça. Nesse
mesmo ano, 1875, apesar dos conselhos de Bakunin, parte para a Hungria a fim de
participar da insurreição de Herzegovina contra os turcos. É preso e entregue à
polícia italiana.
Em 1877,
Malatesta e Cafiero preparam o movimento “o bando de Benevento”. Angariam
dinheiro, encontram-se com Kropotkin, sem resultado. Finalmente Cafiero vendo o
que lhe restava de bens. Esse movimento tinha um valor de exemplo. O
revolucionário russo, Sergei Stepniak, dele participou. Apesar da ação da
polícia, Cafiero, Stepniak e Malatesta, assim como uns trinta
internacionalistas, armados, bandeira vermelha à frente, tomaram a vida de
Lentino. Foram distribuídas armas à população, os documentos oficiais
queimados. Em seguida, foram a Gallo. Em todos os lugares faziam discursos, a
população escutava, mas não participava. O exército interveio, a situação era
desesperadora, Malatesta e Cafiero, ainda que sabendo como fugir permaneceram in
loco e foram presos. A aventura durou doze dias, um policial foi morto, um
outro foi ferido.
No
processo, todos declararam ter disparado contra os policiais, mas o júri os
absolveu.
Malatesta
volta a Nápoles em 1878 e é constantemente vigiado pela polícia. Gasta sua
herança em propaganda. Parte por um tempo para o Egito. Lá, o cônsul italiano o
expulsa para Beirute, o de Beirute o envia para Esmirna. A bordo de um navio
francês, torna-se amigo do capitão, que o conserva no navio até a Itália. Em
Livorno, a polícia quer prendê-lo, mas o capitão se recusa a entregá-lo.
Finalmente, Malatesta desce para Marselha e, dali, vai para Genebra onde ajuda
Kropotkin a publicar Le Revolté. Expulso, dirige-se à Romênia, em
seguida, à França (1879). De novo expulso, vai para a Bélgica, depois para
Londres. Fixa-se, enfim, em Londres, onde trabalha como vendedor de sorvetes e
de bombons antes de abrir uma nova oficina mecânica.
Empreende
várias viagens clandestinas à França, Bélgica, Espanha, Itália. Incógnito na
Itália polemiza com Merlino em L’Agitazione, em conseqüência da passagem
deste ao parlamentarismo. Graças a isso Merlino não é seguido por quase nenhum
anarquista italiano. Malatesta ataca os individualistas e os marxistas, o
esponteneísmo de Kropotkin, insiste “sobre a necessidade de organizar o
anarquismo em partido e propaga, pela primeira vez na Itália, o método sindical
e a ação direta operária”. O jornal era apreciado mesmo por seus adversários.
Preso de novo por agitações sociais é enviado para a prisão da ilha de Nistica,
depois para a de Lampedusa. Foge com dois camaradas em 1899, alcança Malta,
Londres, em seguida Paterson nos Estados Unidos. Lá, dá continuidade à
publicação do jornal La Questione Sociale. Profere conferências, redige Il
nostro programma, vai a Cuba e retorna a Londres (1900). Retoma sua oficina
mecânica (e de eletricidade) no bairro de Islingston. Publica vários jornais: L’Internazionale,
Lo Schiopero Generale, etc. Participa do Congresso Internacional de
Amsterdã, em 1907, onde se opõe a Monatte sobre a questão sindicalista.
Em 1913,
vai à Itália, encontra-se com Mussolini, diretor do jornal Avanti
(jornal operário mais importante). Acalma as querelas pessoais entre os
anarquistas, entra em contato com as outras organizações revolucionárias, faz
conferências, encoraja os sindicalistas (1914).
Em Ancona,
durante as manifestações antimilitaristas das quais participava Malatesta, a
polícia dispara, o povo se apodera da cidade. Os sindicatos decretam a greve
geral. É a “semana vermelha”. Porém, o exército intervém. Mussolini apóia o
movimento em palavra, mas nada faz. Malatesta foge não sem declarar:
“Continuaremos a preparar a revolução libertadora que deverá assegurar a todos
a justiça, a liberdade e o bem-estar”.
Volta uma
vez mais para Londres onde critica, entre outros, Kropotkin, por ter se
manifestado a favor da guerra. Em 1919, regressa uma vez mais à Itália, onde é
recebido em Gênova por uma multidão. Inicia uma série de conferências sobre a
necessidade da revolução. O jornal tradicional italiano Corriere de la Sera,
a 20 de janeiro de 1920, retrata-o como se segue: O anarquista Malatesta é
hoje uma das maiores personagens da vida italiana. As multidões das cidades
correm a seu encontro, e só não lhe entregam as chaves das portas, como era o
costume outrora, unicamente porque não há mais chaves nas portas.
Inicia,
então, negociações com os socialistas para fazer a revolução. A polícia tenta
provocar desordens e assassina-lo. Apesar dos obstáculos legais, Umanità
Nova, jornal de Malatesta, tem uma tiragem inicial de 50.000 exemplares.
Impulsiona a União Sindicalista Italiana (U.S.I.) de influência anarquista.
Em 1920, em
Ancona, eclode uma insurreição e as fábricas são ocupadas. Mas, o movimento é
traído pela atitude dos social-democratas da C.G.T. que devolvem as fábricas.
Após um
encontro anarquista na cidade de Bolonha, em que Malatesta toma a palavra,
eclodem incidentes, há vítimas e feridos do lado dos operários e da polícia.
Malatesta e equipe do Umanità Nova são presos. Os protestos se
multiplicam, ocorrem atentados fascistas.
O fascismo,
financiado pela burguesia, ajudado pelo governo, avança. Em contrapartida,
Malatesta favorece a formação dos grupos armados.
Em julho de
1922, a greve geral é proclamada pela Aliança do Trabalho (união de diversos
sindicatos sobre o impulso de Malatesta), mas o fascismo a dizima pela força.
Em seguida, em outubro, acontece a “marcha sobre Roma”, e a sobre a praça
Cavour os fascistas queimam um retrato de Malatesta. Umanitá Nova é proibido.
Malatesta, aos sessenta e nove anos, retoma sua profissão de eletricista. A
polícia o vigia em todos os seus movimentos.
Em 1924,
surge Pensiero e Volontà. O fascismo, em seu começo, permite a liberdade
de imprensa, mas a censura se faz cada vez mais severa até a proibição da
revista em 1926. A oficina de malatesta é destruída pelos fascistas. É obrigado
a sobreviver da ajuda dos camaradas, assim como sua companheira, Elena Mulli e
a filha desta última, Gemma.
Sua saúde
se debilita. Ele consegue enviar artigos para Le Réveil de Genebra e L’Adunata
Del Refratari de Nova Iorque. Os ataques brônquio-pulmonares se sucedem.
Malatesta morre em 22 de julho de 1932.
Apud. Vernon Richards – Malatesta, Vida e Idéias e
Artigos Políticos.
ESCRITOS REVOLUCIONÁRIOS
PROGRAMA ANARQUISTA
1903
O texto
que segue foi publicado em 1903, sob o título Nosso Programa, por um
grupo italiano dos Estados Unidos. Em 1920, ele foi inteiramente aceito pelo
congresso da Unione Anarchica Italiana de 1 a 4 de julho. O primeiro parágrafo
não aparece em 1920 e os subtítulos são, ao contrário, dessa época.
Nada temos
a dizer de novo. A propaganda não é, e não pode ser, senão a repetição
contínua, incansável, dos princípios que devem nos servir de guia na conduta
que devemos seguir nas diferentes circunstâncias da vida.
Repetiremos,
portanto, com termos mais ou menos diferentes, mas no fundo constantes, nosso
velho programa socialista-anarquista-revolucionário.
O programa
da União Anarquista Italiana é o programa anarquista-comunista revolucionário.
Há meio século ele foi proposto na Itália, no seio da Internacional, sob o nome
de programa socialista. Mais tarde, tomou o nome de socialista-anarquista, como
reação contra a degenerescência, autoritária e parlamentar, crescente do movimento
socialista. Em seguida, finalmente, denominaram-no anarquista.
- O
que queremos
Acreditamos que a maioria dos males que afligem os homens
decorre da má organização social; e que os homens, por sua vontade e seu saber,
podem fazê-los desaparecer.
A sociedade atual é o resultado das lutas seculares que
os homens empreenderam entre si. Desconheceram as vantagens que podiam resultar
para todos da cooperação e da solidariedade. Viram em cada um de seus
semelhantes (exceto, no máximo, os membros de sua família) um concorrente e um
inimigo. E procuraram açambarcar, cada um por si, a maior quantidade de
prazeres possível, sem se preocuparem com os interesses alheios.
Nesta luta, é óbvio, os mais
fortes e os mais afortunados deviam vencer, e, de diferentes maneiras, explorar
e oprimir os vencidos.
Enquanto o homem não foi capaz de
produzir mais do que o estritamente necessário para sua sobrevivência, os
vencedores só podiam afugentar e massacrar os vencidos, e se apoderar dos
alimentos colhidos.
Em seguida – quando, com a
descoberta da pecuária e da agricultura, o homem soube produzir mais do que
precisava para viver – os vencedores acharam mais cômodo reduzir os vencidos à
servidão e fazê-los trabalhar para eles.
Mais tarde, os vencedores acharam
mais vantajoso, mais eficaz e mais seguro explorar o trabalho alheio por outro
sistema: conservar para si a propriedade exclusiva da terra e de todos os
instrumentos de trabalho, e conceder uma liberdade aparente aos deserdados.
Estes, não tendo os meios para viver, eram obrigados a recorrer aos
proprietários e a trabalhar para eles, sob as condições que eles lhes fixavam.
Deste modo, pouco a pouco,
através de uma rede complicada de lutas de todos os tipos, invasões, guerras,
rebeliões, repressões, concessões feitas e retomadas, associação dos vencidos,
unidos para se defenderem, e dos vencedores, para atacarem, chegou-se ao estado
atual da sociedade, em que alguns homens detêm hereditariamente a terra e todas
as riquezas sociais, enquanto a grande massa, privada de tudo, é frustrada e
oprimida por um punhado de proprietários.
Disto depende o estado de miséria
em que se encontram geralmente os trabalhadores, e todos os males decorrentes:
ignorância, crime, prostituição, definhamento físico, abjeção moral, morte
prematura. Daí a constituição de uma classe especial (o governo) que, provida
dos meios materiais de repressão, tem por missão legalizar e defender os
proprietários contra as reivindicações do proletariado. Ele se serve, em
seguida, da força que possui para arrogar-se privilégios e submeter, se ela
pode fazê-lo, à sua própria supremacia, a classe dos proprietários. Disso
decorre a formação de outra classe especial (o clero), que por uma série de
fábulas relativas à vontade de Deus, à vida futura, etc, procura conduzir os
oprimidos a suportarem docilmente o opressor, o governo, os interesses dos
proprietários e os seus próprios. Daí decorre a formação de uma ciência oficial
que é, em tudo o que pode servir os interesses dos dominadores, a negação da
verdadeira ciência. Daí o espírito patriótico, os ódios raciais, as guerras e
as pazes armadas, mais desastrosas do que as próprias guerras. O amor
transformado em negócio ignóbil. O ódio mais ou menos latente, a rivalidade, a
desconfiança, a incerteza e o medo entre os seres humanos.
Queremos mudar radicalmente tal
estado de coisas. E visto que todos estes males derivam da busca do bem-estar
perseguido por cada um por si e contra todos, queremos dar-lhe uma solução,
substituindo o ódio pelo amor, a concorrência pela solidariedade, a busca
exclusiva do bem-estar pela cooperação, a opressão pela liberdade, a mentira
religiosa e pseudocientífica pela verdade.
Em conseqüência:
1) Abolição
da propriedade privada da terra, das matérias-primas e dos instrumentos de
trabalho – para que ninguém disponha de meio de viver pela exploração do
trabalho alheio –, e que todos, assegurados dos meios de produzir e de viver,
sejam de fato independentes e possam associar-se livremente, uns aos outros, no
interesse comum e conforme as simpatias pessoais.
2) Abolição
do governo e de todo poder que faça a lei para impô-la aos outros: portanto,
abolição das monarquias, repúblicas, parlamentos, exércitos, polícias,
magistraturas e toda instituição que possua meios coercitivos.
3) Organização
da vida social por meio das associações livres e das federações de produtores e
consumidores, criadas e modificadas segundo a vontade dos membros, guiadas pela
ciência e pela experiência, liberta de toda obrigação que não derive das
necessidades naturais, às quais todos se submetem de bom grado quando
reconhecem seu caráter inelutável.
4) Garantia
dos meios de vida, de desenvolvimento, de bem-estar às crianças e a todos
aqueles que são incapazes de prover sua existência.
5) Guerra
às religiões e todas as mentiras, mesmo que elas se ocultem, sob o manto da
ciência. Instrução científica para todos, até os graus mais elevados.
6) Guerra
ao patriotismo. Abolição das fronteiras, fraternidade entre todos os povos.
7) Reconstrução
da família, de tal forma que ela resulte da prática do amor, liberto de todo
laço legal, de toda opressão econômica ou física, de todo preconceito
religioso.
Tal é o nosso ideal.
- Vias
e meios
Até
agora expusemos qual é o objetivo que queremos atingir, o ideal pelo qual
lutamos.
Mas não
basta desejar uma coisa: se se quer obtê-la, é preciso, sem dúvida, empregar os
meios adaptativos à sua realização. E esses meios não são arbitrários: derivam
necessariamente dos fins a que nos propomos e das circunstâncias nas quais
lutamos. Enganando-nos na escolha dos meios, não alcançamos o objetivo
contemplado, mas, ao contrário, afastamo-nos dele rumo a realidades freqüentes
opostas, e que são a conseqüência natural e necessária aos métodos que
empregamos. Quem se opõe a caminho e se engana de estrada, não vai aonde quer,
mas aonde o conduz o caminho tomado.
É preciso dizer, portanto, quais
são os meios que, segundo nossa opinião, conduzem ao nosso ideal, e que
intencionamos empregar.
Nosso ideal não é daqueles cuja
plena realização depende do indivíduo considerado de modo isolado. Trata-se de
mudar o modo de viver em sociedade: estabelecer entre os homens relações de
amor e solidariedade, realizar a plenitude do desenvolvimento material, moral e
intelectual, não para o indivíduo isolado, não para os membros de certa classe
ou de certo partido, mas para todos os seres humanos. Esta transformação não é
medida que se possa impor pela força; deve surgir da consciência esclarecida de
cada um, para se manifestar, de fato, pelo livre consentimento de todos.
Nossa primeira tarefa deve ser,
portanto, persuadir as pessoas.
É necessário atrair a atenção dos
homens para os males que sofrem, e para a possibilidade de destruí-los. É
preciso que suscitemos em cada um a simpatia pelos sofrimentos alheios, e o
vivo desejo pelo bem de todos.
A quem tem fome e frio,
mostraremos que seria possível e fácil assegurar a todos a satisfação das
necessidades materiais. A quem é oprimido e desprezado, diremos como se pode
viver de modo feliz em uma sociedade de livres e iguais. A quem é atormentado
pelo ódio e pelo rancor, indicaremos o caminho para encontrar o amor por seus
semelhantes, a paz e a alegria do coração.
E
quando tivermos obtido êxito em disseminar na alma dos homens o sentimento da
revolta contra os males injustos e inevitáveis, dos quais se sofre na sociedade
atual, e em fazer compreender quais são suas causas e como depende da vontade
humana eliminá-las; quando tivermos inspirado o desejo vivo e ardente de
transformar a sociedade para o bem de todos, então os convictos, por impulso
próprio e pela persuasão daqueles que os precederam na convicção, se unirão,
desejarão e poderão por em prática o ideal comum.
Seria – já o dissemos – absurdo e
em contradição com nosso objetivo querer impor a liberdade, o amor entre os
homens, o desenvolvimento integral de todas as faculdades humanas pela força. É
preciso contar com a livre vontade dos outros, e a única coisa que podemos
fazer é provocar a formação e a manifestação desta vontade. Mas seria da mesma
forma absurdo e em contradição com nosso objetivo admitir que aqueles que não
pensam como nós impedem-nos de realizar nossa vontade, visto que não os
privamos do direito a uma liberdade igual à nossa.
Liberdade, portanto, para todos,
de propagar e experimentar suas próprias idéias, sem outros limites senão os
que resultam naturalmente da igual liberdade de todos.
Mas a isto se opõem, pela força
brutal, os beneficiários dos privilégios atuais, que dominam e regulam toda a
vida social presente.
Eles controlam todos os meios de
produção: suprimem, assim, não somente a possibilidade de aplicar novas formas
de vida social, o direito dos trabalhadores de viverem livremente de seu
trabalho, mas também o próprio direito à existência. Obrigam os não-proprietários
a se deixarem explorar e oprimir, se não quiserem morrer de fome.
Os privilegiados têm as polícias,
as magistraturas, os exércitos, criados de propósito para defendê-los, e para
perseguir, encarcerar, massacrar os oponentes.
Mesmo deixando de lado a
experiência histórica, que nos demonstra que nunca uma classe privilegiada
despojou-se, total ou parcialmente, de seus privilégios e que nunca um governo
abandonou o poder sem ser obrigado a fazê-lo pela força, os fatos
contemporâneos bastam para convencer quem quer que seja de que os governos e os
burgueses procuram usar a força material para sua defesa, não somente contra a
expropriação total, mas contra as mínimas reivindicações populares, e estão
sempre prontos a recorrer às perseguições mais atrozes, aos massacres mais
sangrentos.
Ao povo que quer se emancipar, só
resta uma saída: opor violência a violência.
Disso resulta que devemos
trabalhar para despertar nos oprimidos o vivo desejo de uma transformação
radical da sociedade, e persuadi-los de que, unindo-se possuem a força de
vencer. Devemos propagar nosso ideal e preparar as forças morais e materiais
necessárias para vencer as forças inimigas e organizar a nova sociedade. Quando
tivermos força suficiente, deveremos, aproveitando as circunstâncias favoráveis
que se produzirão, ou que nós mesmos provocaremos, fazer a revolução social:
derrubar pela força o governo, expropriar pela força os proprietários, tornar
comuns os meios de subsistência e de produção, e impedir que novos governantes
venham impor sua vontade e opor-se à reorganização social, feita diretamente
pelos interessados.
Tudo isso é, entretanto, menos
simples do que parece à primeira vista. Relacionamo-nos com os homens tais como
são na sociedade atual, em condições morais e materiais muito desfavoráveis; e
nos enganaríamos ao pensar que a propaganda é suficiente para elevá-los ao
nível de desenvolvimento intelectual e moral necessário à realização de nosso
ideal.
Entre o homem e a ambiência
social há uma ação recíproca. Os homens fazem a sociedade tal como é, e a
sociedade faz os homens tais como são, resultando disso um tipo de círculo
vicioso: para transformar a sociedade é preciso transformar os homens, e para
transformar os homens é preciso transformar a sociedade.
A miséria embrutece o homem e,
para destruir a miséria, é preciso que os homens possuam a consciência e a
vontade. A escravidão ensina os homens a serem servis, e para se libertar da
escravidão é preciso homens que aspirem à liberdade. A ignorância faz com que
os homens não conheçam as causas de seus males e não saibam remediar esta
situação; para destruir a ignorância, seria necessário que os homens tivessem
tempo e meios de se instruírem.
O governo habitua as pessoas a
sofrerem a lei e a crerem que ela é necessária à sociedade; para abolir o
governo é preciso que os homens estejam persuadidos da inutilidade e da
nocividade dele.
Como sair deste impasse?
Felizmente, a sociedade atual não
foi formada pela clara vontade de uma classe dominante que teria sabido reduzir
todos os dominados ao estado de instrumentos passivos, inconscientes de seus
interesses. A sociedade atual é a resultante de mil lutas intestinas, de mil
fatores naturais e humanos, agindo ao acaso, sem direção consciente; enfim, não
há nenhuma divisão clara, absoluta, entre indivíduos, nem entre classes.
As variedades das condições
materiais são infinitas; infinitos os graus de desenvolvimento moral e
intelectual. É até mesmo muito raro que a função de cada um na sociedade
corresponda às suas faculdades e às suas aspirações. Com freqüência, homens
caem em condições inferiores àquelas que eram as suas; outros, por
circunstâncias particularmente favoráveis, conseguem elevar-se acima do nível
em que nasceram. Uma parte considerável do proletariado já conseguiu sair do
estado de miséria absoluta, embrutecedora, a que nunca deveria ter sido
reduzido. Nenhum trabalhador, ou quase nenhum, encontra-se em estado de
inconsciência completa, de aquiescência total às condições criadas pelos
patrões. E as próprias instituições, que são produtos da história, contêm
contradições orgânicas que são como germes letais, cujo desenvolvimento traz a
dissolução da estrutura social e a necessidade de sua transformação.
Assim, a possibilidade de
progresso existe. Mas não a possibilidade de conduzir, somente pela propaganda,
todos os homens ao nível necessário para que possamos realizar a anarquia, sem
uma transformação gradual prévia do meio.
O progresso deve caminhar
simultânea e paralelamente entre os indivíduos e no meio social. Devemos aproveitar
todos os meios, todas as possibilidades, todas as ocasiões que o meio atual nos
deixa para agir sobre os homens e desenvolver sua consciência e suas
aspirações. Devemos utilizar todos os progressos realizados na consciência dos
homens para levá-los a reclamar e a impor as maiores transformações sociais
hoje possíveis, ou aquelas que melhor servirão para abrir caminho a progressos
ulteriores.
Não devemos somente esperar poder
realizar a anarquia; e, enquanto esperamos, limitar-nos à propaganda pura e
simples. Se agirmos assim, teremos, em breve, esgotado nosso campo de ação.
Teremos convencido, sem dúvida, todos aqueles a que as circunstâncias do meio
atual tornam suscetíveis de compreender e aceitar nossas idéias, todavia, nossa
propaganda ulterior permaneceria estéril. E, mesmo que as transformações do
meio elevassem novas camadas populares à possibilidade de conceber novas
idéias, isto aconteceria sem nosso trabalho, e mesmo contra, em prejuízo, como
conseqüência, de nossas idéias.
Devemos fazer com que o povo, em
sua totalidade e em suas diferentes frações, exija, imponha e realize, ele
próprio, todas as melhorias, todas as liberdades que deseja, na medida em que
concebe a necessidade disso e que adquire a força para impô-las. Assim,
propagando sempre nosso programa integral e lutando de forma incessante por sua
completa realização, devemos incitar o povo a reivindicar e impor cada vez
mais, até que ele consiga a sua emancipação definitiva.
- A
luta econômica
A opressão que hoje pesa de uma forma mais direta sobre
os trabalhadores, e que é a causa principal de todas as sujeições morais e
materiais que eles sofrem, é a opressão econômica, quer dizer, a exploração que
os patrões e os comerciantes exercem sobre o trabalho, graças ao açambarcamento
de todos os grandes meios de produção e de troca.
Para suprimir radicalmente e sem
retorno possível esta exploração, é preciso que o povo, em seu conjunto, esteja
convencido de que possui o uso dos meios de produção, e de que aplica este
direito primordial explorando aqueles que monopolizam o solo e a riqueza
social, para colocá-los à disposição de todos.
Todavia, é possível passar
direto, sem graus intermediários, do inferno onde vive hoje o proletariado, ao
paraíso da propriedade comum? A prova de que o povo ainda não é capaz, é que
ele não o faz. O que fazer para chegar à expropriação?
Nosso objetivo é preparar o povo,
moral e materialmente, para esta expropriação necessária; é tentar renovar a
tentativa, tantas vezes quantas a agitação revolucionária nos der a ocasião
para fazê-lo, até o triunfo definitivo. Mas de que maneira podemos preparar o
povo? De que maneira podemos realizar as condições que tornarão possível, não
somente o fato material da expropriação, mas a utilização, em vantagem de
todos, da riqueza comum?
Nós dissemos mais acima que a
propaganda, oral ou escrita, sozinha, é impotente para conquistar para as
nossas idéias toda a grande massa popular. É preciso uma educação prática, que
seja alternadamente causa e resultado da transformação gradual do meio. Deve-se
desenvolver pouco a pouco nos trabalhadores o senso da rebelião contra as
sujeições e os sofrimentos inúteis dos quais são vítimas, e o desejo de
melhorar suas condições. Unidos e solidários, lutarão para obter o que desejam.
E nós, como anarquistas e como
trabalhadores, devemos incitá-los e encorajá-los à luta, e lutar com eles.
Mas estas melhorias são possíveis
em regime capitalista? Elas são úteis do ponto de vista da futura emancipação
integral pela revolução?
Quaisquer que sejam os resultados
práticos da luta pelas melhorias imediatas, sua principal utilidade reside na
própria luta. É por ela que os trabalhadores aprendem a defender seus
interesses de classe, compreendem que os patrões e os governantes têm
interesses opostos aos seus, e que não podem melhorar suas condições, e ainda
menos se emancipar, senão unindo-se entre si e tornando-se mais fortes do que
os patrões. Se conseguirem obter o que desejam, viverão melhor. Ganharão mais,
trabalharão menos, terão mais tempo e força para refletir sobre as coisas que
os interessam; e eles sentirão de repente desejos e necessidades maiores. Se
não obtiverem êxito, serão levados a estudar as causas de seu fracasso e a
reconhecer a necessidade de uma união maior, de maior energia; e compreenderão,
enfim, que para vencer, segura e definitivamente, é preciso destruir o
capitalismo. A causa da revolução, a causa da elevação moral dos trabalhadores
e de sua emancipação só pode ganhar, visto que os operários unem-se e lutam por
seus interesses.
Todavia, uma vez mais, é possível
que os trabalhadores consigam, no estado atual em que as coisas se encontram,
melhorar de fato suas condições? Isto depende do concurso de uma infinidade de
circunstâncias. Apesar do que dizem alguns, não existe nenhuma lei natural (lei
dos salários) que determine a parte que vai para o trabalhador sobre o produto
de seu trabalho. Ou, se se quiser formular uma lei, ela não poderia ser senão a
seguinte: o salário não pode descer normalmente abaixo do que é
necessário à conservação da vida, e não pode normalmente se elevar a
ponto de não dar mais nenhum lucro ao patrão. É óbvio que, no primeiro caso, os
operários morreriam, e, assim, não receberiam mais salário; no segundo caso, os
patrões deixariam de fazer trabalhar e, em conseqüência, não pagariam mais
nada. Mas entre estes dois extremos impossíveis, há uma infinidade de graus,
que vão das condições quase animais de muitos trabalhadores agrícolas, até
aquelas quase decentes dos operários, em boas profissões, nas grandes cidades.
O salário, a duração da jornada
de trabalho e todas as outras condições de trabalho são o resultado das lutas
entre patrões e operários. Os primeiros procuram pagar aos trabalhadores o
mínimo possível e fazê-los trabalhar até o esgotamento completo; os outros se
esforçam – ou deveriam se esforçar – em trabalhar o mínimo e ganhar o máximo
possível. Onde os trabalhadores se contentam com qualquer coisa e, mesmo
descontentes, não sabem opor resistência válida aos patrões, são em pouco tempo
reduzidos à condição de vida quase animal. Ao contrário, onde eles têm uma
elevada idéia do que deveriam ser as condições de existência dos seres humanos;
onde sabem se unir e, pela recusa ao trabalho e pela ameaça latente ou
explícita da revolta, impor que os patrões os respeitem, eles são tratados de
maneira relativamente suportável. Assim, pode-se dizer que, em certa medida, o
salário é o que o operário exige, não enquanto indivíduo, mas enquanto classe.
Lutando, portanto, resistindo aos
patrões, os assalariados podem opor-se, até certo ponto, à agravação de sua
situação, e, até mesmo, obter melhorias reais. A história do movimento operário
já demonstrou esta verdade.
Não se deve, entretanto, exagerar
o alcance destas lutas entre explorados e exploradores no terreno
exclusivamente econômico. As classes dirigentes podem ceder, e cedem amiúde, às
exigências operárias expressadas com energia, enquanto não são muito grandes.
Contudo, quando os assalariados começam – e é urgente que eles o façam – a
reivindicar aumentos tais que absorveriam todo o lucro patronal e
constituiriam, assim, uma expropriação indireta, é certo que os patrões
apelariam ao governo e procurariam reconduzir os operários, pela violência, às
condições de todos os escravos assalariados.
E antes, bem antes que os
operários possam reivindicar receber em compensação ao seu trabalho o
equivalente a tudo que produziram, a luta econômica se torna impotente para
assegurar destino melhor.
Os operários produzem tudo, e sem
seu trabalho não se pode viver. Parece, portanto, que recusando trabalhar, os
trabalhadores poderiam impor todas as suas vontades. Mas a união de todos os
trabalhadores, mesmo de uma única profissão, em um único país, e dificilmente
realizável: à união dos operários se opõe a união dos patrões. Os primeiros
vivem com o mínimo para sobreviver no dia a dia e, se fazem greve, falta-lhes o
pão logo a seguir. Os outros dispõem, por meio do dinheiro, de tudo o que foi
produzido; podem esperar que a fome reduza os assalariados à sua mercê. A
invenção ou a introdução de novas máquinas torna inútil o trabalho de grande
número de trabalhadores, aumentando o exército de desempregados, que a fome
obriga a se venderem a qualquer preço. A imigração traz, de repente, nos países
onde as condições são mais favoráveis, multidões de trabalhadores famintos que,
bem ou mal, dão ao patronato o meio de reduzir os salários. E todos estes
fatos, resultando necessariamente do sistema capitalista, conseguem
contrabalançar o progresso que eles detêm e destroem. Desta forma, resta sempre
este fato primordial segundo o qual a produção no sistema capitalista está
organizada por cada empregador para seu proveito pessoal, não para satisfazer
as necessidades dos trabalhadores.
A desordem, o desperdício das forças
humanas, a penúria organizada, os trabalhos nocivos e insalubres, o desemprego,
o abandono das terras, a subutilização das máquinas etc, são tantos males que
não se podem evitar senão retirando dos capitalistas os meios de produção, e,
por via de conseqüência, a direção da produção.
Os operários que se esforçam em
se emancipar, ou aqueles que de fato procuram melhorar suas condições, devem
rapidamente se defender do governo, atacá-lo, pois ele legitima e sustenta,
pela força brutal, o direito de propriedade, ele é obstáculo ao progresso,
obstáculo que deve ser destruído se não se quiser permanecer indefinidamente
nas atuais condições, ou em outras ainda piores.
Da luta econômica deve-se passar
para a luta política, quer dizer, contra o governo. Ao invés de opor aos
milhões dos capitalistas os poucos centavos reunidos penosamente pelos
operários, é preciso opor aos fuzis e aos canhões que defendem a propriedade os
melhores meios que o povo encontrar para vencer pela força.
- A
luta política
Por luta política entendemos a
luta contra o governo. O governo é o conjunto dos indivíduos que detêm o
poder de fazer a lei e de impô-la aos governados, isto é, ao público.
O governo é a conseqüência do
espírito de dominação e de violência que homens impuseram a outros homens, e,
ao mesmo tempo, é a criatura e o criador dos privilégios, e também seu defensor
natural.
É falso dizer que o governo
desempenha hoje o papel de protetor do capitalismo, e que este último tendo
sido abolido, ele se tornaria o representante dos interesses de todos. Antes de
mais nada, o capitalismo não será destruído enquanto os trabalhadores, tendo se
livrado do governo, não tiverem se apoderado de toda a riqueza social e
organizado, eles próprios, a produção e o consumo, no interesse de todos, sem
esperar que a iniciativa venha do governo, que, de resto, é incapaz de fazê-lo.
Se a exploração capitalista fosse
destruída, e o princípio governamental conservado, então, o governo,
distribuindo todos os tipos de privilégios, não deixaria de restabelecer um
novo capitalismo. Não podendo contentar todo mundo, o governo necessitaria de
uma classe economicamente poderosa para sustentá-lo, em troca da produção legal
e material que ela receberia dele.
Não se pode, portanto, abolir os
privilégios e estabelecer de modo definitivo a liberdade e a igualdade social
sem por fim ao Governo, não a este ou àquele governo, mas à própria instituição
governamental.
Nisso, assim como em tudo o que
concerne ao interesse geral, e mais ainda este último, é preciso o consentimento
de todos. Eis porque devemos nos esforçar em persuadir as pessoas de que o
governo é inútil e nocivo, e de que se vive melhor sem ele. Mas, como já o
dissemos, a propaganda sozinha é impotente para alcançar tudo isso; e se nos
contentássemos em pregar contra o governo, esperando, de braços cruzados, o dia
em que as pessoas estariam convencidas da possibilidade e da utilidade de
abolir por completo toda espécie de governo, este dia nunca chegaria.
Denunciando sempre esta espécie
de governo, exigindo sempre a liberdade integral, devemos favorecer todo
combate por liberdades parciais, convictos de que é pela luta que se aprende a
lutar. Começando a provar a liberdade, acaba-se por desejá-la inteiramente.
Devemos sempre estar com o povo; e quando não conseguirmos fazer com que queira
muito, devemos fazer com que, pelo menos, ele comece a exigir alguma coisa. E
devemos nos esforçar a que aprenda a obter por si mesmo o que quer – pouco ou
muito –, e a odiar e a desprezar quem quer que vá ou queira fazer parte do
governo.
Visto que o governo detém, hoje,
o poder de regular, por leis, a vida social, ampliar ou restringir a liberdade
dos cidadãos, e visto que ainda não podemos arrancar-lhe esse poder, devemos
procurar enfraquecê-lo e obrigá-lo a fazer uso dele o menos perigosamente
possível. Mas, esta ação, devemos fazê-la sempre de fora e contra o governo,
pela agitação na rua, ameaçando tomar pela força o que se exige. Jamais
deveremos aceitar uma função legislativa, seja ela nacional ou local, pois,
assim agindo, diminuiríamos a eficácia de nossa ação e trairíamos o futuro de
nossa causa.
A luta contra o governo consiste,
em última análise, em luta física e material.
O governo faz a lei. Deve,
portanto, dispor de força material (exército e polícia) para impor a lei. De
outra forma, obedeceria quem quisesse, e não existiria mais lei, mas uma
simples proposição, que qualquer um seria livre para aceitar ou recusar. Os
governos possuem esta força e servem-se dela para reforçar sua dominação, no
interesse das classes privilegiadas, oprimindo e explorando os trabalhadores.
O único limite à opressão
governamental é a força que o povo se mostra capaz de lhe opor. Pode haver
conflito, aberto ou latente, mas sempre há conflito. Isso se dá porque o
governo não para diante do descontentamento e da resistência populares senão
quando sente o perigo de uma insurreição.
Quando o povo se submete
docilmente à lei, ou o protesto permanece fraco e platônico, o governo se
acomoda, sem se preocupar com as necessidades do povo. Quando o protesto é
vivo, insiste e ameaça, o governo, segundo seu humor, cede ou reprime. Mas é
preciso sempre chegar à insurreição, porque, se o governo não cede, o povo
acaba por se rebelar; e, se ele cede, o povo adquire confiança em si mesmo e
exige cada vez mais, até que a incompatibilidade entre a liberdade e a
autoridade seja evidente e desencadeie o conflito.
É, portanto, necessário
preparara-se moral e materialmente para que, quando a luta violenta eclodir, a
vitória fique com o povo.
A insurreição vitoriosa é o fato
mais eficaz para a emancipação popular, porque o povo, depois de ter destruído
o jugo, torna-se livre para se entregar às instituições que ele crê (sempre
retardatária) e o nível de civismo que a massa da população alcançou, pode ser
superada com um salto. A insurreição determina a revolução, isto é, a atividade
rápida das forças latentes acumuladas durante a evolução precedente.
Tudo depende do que o povo é
capaz de querer.
Nas insurreições passadas, o
povo, inconsciente das verdadeiras causas de seus males, sempre quis bem pouco,
e conseguiu bem pouco.
O que desejará nas próximas
insurreições?
Isso depende em grande parte do
valor de nossa propaganda e da energia que formos capazes de mostrar.
Devemos incitar o povo a
expropriar os proprietários e a tornar comuns seus bens, organizar, ele
próprio, a vida social, por associações livremente constituídas, sem esperar
ordens de ninguém, recusar nomear ou reconhecer qualquer governo e qualquer
corpo constituído (Assembléia, Ditadura, etc) que se atribuíssem, mesmo a
título provisório, o direito de fazer a lei e impor aos outros sua vontade,
pela força.
Se a massa popular não responde
ao nosso apelo, deveremos, em nome do direito que temos de ser livres, mesmo se
os outros desejarem permanecer escravos, para dar o exemplo, aplicar o máximo
possível nossas idéias: não reconhecer o novo governo, manter viva a
resistência, fazer com que as comunas, onde nossas idéias são recebidas com
simpatia, rejeitem toda ingerência governamental e continuem a viver de seu
modo.
Deveremos, sobretudo, nos opormos
por todos os meios à reconstituição da polícia e do exército, e aproveitar toda
ocasião propícia para incitar os trabalhadores a utilizar a falta de forças
repressivas para impor o máximo de reivindicações.
Qualquer que seja o resultado da
luta, é preciso continuar a combater, sem trégua, os proprietários, os
governantes, tendo sempre em vista a completa emancipação econômica e moral de
toda a humanidade.
5. Conclusão
Desejamos,
portanto, abolir de forma radical a dominação e a exploração do homem pelo
homem. Queremos que os homens, unidos fraternalmente por uma solidariedade
consciente, cooperem de modo voluntário com o bem-estar de todos. Queremos que
a sociedade seja constituída com o objetivo de fornecer a todos os meios de
alcançar igual bem-estar possível, o maior desenvolvimento possível, moral e
material. Desejamos para todos pão, liberdade, amor e saber.
Para isso,
estimamos necessário que os meios de produção estejam à disposição de todos e
que nenhum homem, ou grupo de homens, possa obrigar outros a obedecerem à sua
vontade, nem exercer sua influência de outra forma senão pela argumentação e
pelo exemplo.
Em
conseqüência: expropriação dos detentores do solo e do capital em proveito de
todos e abolição do governo.
Enquanto se
espera: propaganda do ideal: organização das forças populares; combate
contínuo, pacífico ou violento, segundo as circunstâncias, contra o governo e
contra os proprietários, para conquistar o máximo possível de liberdade e de bem-estar
para todos.
UM POUCO DE TEORIA
1892
Sopra um
vento de revolta em todos os lugares. A revolta é aqui a expressão de uma
idéia, lá o resultado de uma necessidade; com mais freqüência ela é a
conseqüência de uma mistura de necessidades e de idéias que se engendram e se
reforçam umas às outras. Ela se desencadeia contra a causa dos males ou a ataca
de modo indireto, ela é consciente e instintiva, humana ou brutal, generosa ou
muito egoísta, mas de qualquer modo, é a cada dia maior e se amplia incessantemente.
É a marcha
da história. É, portanto, inútil perder tempo a lamentar quanto aos caminhos
que ela escolheu, pois estes são traçados por toda a evolução anterior.
Mas a
história é feita pelos homens. Tendo em vista que não queremos permanecer simples
espectadores indiferentes à tragédia histórica, que queremos participar com
todas as nossas forças das escolhas dos eventos que nos parecem mais favoráveis
à nossa causa, é-nos preciso um critério que sirva de guia na apreciação dos
fatos que se desenrolam, sobretudo para poder escolher o posto que devemos
ocupar na batalha.
O fim
justifica os meios. Denegriu-se muito esta máxima: ela é, entretanto, uma regra
universal de conduta. Seria melhor dizer: todo fim requer seus meios, visto que
a moral deve ser buscada no objetivo, os meios são fatais.
Uma vez
determinado o objetivo que se quer atingir, voluntária ou necessariamente, o
grande problema da vida consiste em encontrar o meio que, segundo as
circunstâncias, conduzirá de forma mais segura e econômica ao objetivo fixado.
O modo como se resolve o problema – desde que isso dependa da vontade humana –
determina que um homem ou um partido atinja ou não seu objetivo, sirva sua
causa ou, sem querer, a do inimigo. Encontrar o bom meio, tal é o segredo dos grandes
homens e dos grandes partidos que deixaram marcas na história.
O objetivo
dos jesuítas é, para os místicos, a glória de Deus, para os outros a glória da
Companhia. Eles se esforçam, portanto, em embrutecer as massas, aterrorizá-las
e subjugá-las.
O objetivo
dos jacobinos e de todos os partidos autoritários – que pensam estar de posse
da verdade absoluta – é impor suas idéias à massa dos profanos. Eles devem,
portanto, se esforçar para tomar o poder, dominar as massas e coagir a
humanidade a sofrer as torturas de suas concepções.
Quanto a
nós, o problema é diferente: nosso objetivo sendo muito distinto, nossos meios
devem sê-lo da mesma forma.
Nós não
lutamos para tomar o lugar dos exploradores, tampouco para o triunfo de uma
abstração vazia. Nada temos de comum com o patriota italiano que dizia: “Que
importa que todos os italianos morram de fome se a Itália se torna grande e
gloriosa!”; tampouco com o camarada que reconhecia ser-lhe indiferente que se
massacrassem três quartos da humanidade, desde que a humanidade fosse livre e
feliz.
Nós
desejamos a liberdade e o bem-estar de todos os homens, de todos os homens sem
exceção. Queremos que cada ser humano possa se desenvolver e viver do modo mais
feliz possível. E acreditamos que esta liberdade e este bem-estar não poderão
ser dados nem por um homem, nem por um partido, mas todos deverão descobrir
neles mesmos suas condições, e conquistá-las. Consideramos que somente a mais
completa aplicação do princípio da solidariedade pode destruir a luta, a opressão
e a exploração, e a solidariedade só pode nascer do livre acordo, da
harmonização espontânea e desejada dos interessados.
Segundo
nosso ponto de vista, tudo o que tende a destruir a opressão econômica e
política, tudo o que serve para elevar o nível moral e intelectual dos homens,
para lhes dar consciência de seus direitos e de suas forças, e para
persuadi-los a fazer uso deles, tudo o que provoca o ódio contra o opressor e
suscita o amor entre os homens, aproxima-nos de nosso objetivo e é, portanto, um
bem, sujeito a um cálculo quantitativo a fim de obter, com uma dada força, o
máximo de efeito positivo. Ao contrário, o mal consiste no que está em
contradição com nosso objetivo, tudo o que tende a conservar o Estado atual,
tudo o que tende a sacrificar, contra a sua vontade, um homem ao triunfo de um
princípio.
Nós
queremos o triunfo da liberdade e do amor.
Devemos,
todavia, renunciar ao emprego de meios violentos? De forma alguma! Nossos meios
são aqueles que as circunstâncias nos permitem e nos impõem.
Evidentemente,
não queremos tocar sequer num fio de cabelo de alguém, enxugando as lágrimas de
todos, sem fazer verter nenhuma. Mas é necessário combater no mundo tal como
ele é, sob pena de permanecermos sonhadores estéreis.
Virá o dia,
estamos intimamente persuadidos, em que será possível fazer o bem aos homens
sem fazer o mal, nem a si mesmo, nem ao próximo; mas hoje é impossível. Mesmo o
mais puro e o mais dócil dos mártires, aquele que se deixaria levar ao
cadafalso pelo triunfo do bem, sem resistir, abençoando seus perseguidores como
o Cristo da lenda, mesmo ele faria mal. Além do mal que ele faria a si mesmo,
mas é assim, faria verter lágrimas amargas a todos aqueles que o amassem.
Trata-se,
portanto, sempre, em cada ato, de escolher o menor mal, tentar fazer o mínimo
de mal pela maior quantidade de bem possível.
A
humanidade arrasta-se penosamente sob o peso da opressão política e econômica;
ela é embrutecida, degenerada e morta (nem sempre de forma lenta) pela miséria,
pela escravidão, pela ignorância e seus efeitos. Esta situação é mantida por
poderosas organizações militares e policiais, que respondem pela prisão, pelo
cadafalso e pelo massacre a toda tentativa de mudança. Não há meios pacíficos,
legais, para sair desta situação. É natural, porque a lei é feita pelos
privilegiados para defender expressamente seus privilégios. Contra a força
física que barra o caminho, não há outra saída para vencer senão a força
física, a revolução violenta.
Sem nenhuma
dúvida, a revolução produzirá numerosas infelicidades, muitos sofrimentos; mas,
mesmo que ela produzisse cem vezes mais, seria uma bênção em relação a todas as
dores hoje engendradas pela má formação da sociedade.
Sabe-se que
numa única batalha morrem mais pessoas do que na mais sangrenta das revoluções;
que milhões de crianças morrem anualmente muito cedo, por falta de cuidados;
que milhões de proletários morrem a cada ano, prematuramente, em conseqüência
da miséria. Conhece-se a vida raquítica, sem alegrias e sem esperanças que leva
a maioria dos homens. Mesmo os mais ricos e os mais poderosos são menos felizes
do que poderiam ser numa sociedade igualitária. Este estado de coisas perdura
desde tempos imemoriais. Isto duraria, portanto, sem a revolução que combate
resolutamente os males em suas raízes e pode colocar de uma vez por todas a
humanidade no caminho de seu bem-estar.
Boas-vindas,
portanto, à revolução: cada dia de atraso inflige à humanidade mais uma enorme
massa de sofrimentos. Esforcemo-nos e trabalhemos para que ela chegue rapidamente
e consiga acabar para sempre com todas as opressões e explorações.
É por amor
aos homens que somos revolucionários: não é nossa culpa se a história nos
obriga a esta dolorosa necessidade.
Portanto,
para nós anarquistas, ou pelo menos (visto que as palavras são, em definitivo,
convencionais) entre os anarquistas que pensam como nós, todo ato de propaganda
ou de realização, pelo discurso ou pelos fatos, individual ou coletivo, é bom
se lhe assegura o apoio consciente das massas e lhe dá caráter de libertação
universal; sem estes aspectos poderia ocorrer uma revolução, mas não a que
desejamos. É principalmente no fato revolucionário que é preciso utilizar os
meios econômicos, pois o gasto se dá em vidas humanas.
Conhecemos
bem as condições materiais e morais dolorosas em que se encontra o proletariado
para nos explicarmos os atos de ódio, de vingança, e até mesmo de ferocidade,
que poderão ocorrer. Compreendemos que haverá oprimidos que – tendo sido sempre
tratados pelos burgueses com a mais ignóbil dureza e tendo sempre visto que
tudo é permitido para o mais forte – dirão um dia depois de se terem tornado os
mais fortes: “Ajamos também como burgueses”. Compreendemos que isso possa
ocorrer, na febre da batalha, em naturezas generosas, mas necessitadas de
preparação moral – muito difícil de adquirir nos dias de hoje – que podem
perder de vista o objetivo a ser alcançado, tomem a violência como um fim em si
e se deixem levar por atos selvagens.
Uma coisa é
compreender, outra coisa perdoar certos fatos, reivindicá-los, ser solidário
com eles. Não podemos aceitar, encorajar e imitar tais atos. Devemos ser
resolutos e enérgicos, mas devemos igualmente nos esforçar em nunca ultrapassar
os limites necessários. Devemos fazer como o cirurgião que corta o que é preciso,
evitando sofrimentos inúteis. Numa palavra, devemos ser inspirados e guiados
pelo sentimento de amor pelos homens, todos os homens.
Parece-nos
que este sentimento de amor é o fundo moral, a alma do nosso programa. Somente
concebendo a revolução como a maior alegria humana, como libertação e
fraternização dos homens – qualquer que haja sido a classe ou o partido aos
quais eles pertencem – que nosso ideal poderá se realizar.
A rebelião
brutal certamente aparecerá e poderá servir, também, para dar o grande
empurrão, o último empurrão que deverá derrubar o sistema atual; mas se ela não
encontra o contrapeso dos revolucionários que agem por um ideal, tal revolução
devorará a si mesma.
O ódio não
produz o amor, e com o ódio não se renova o mundo. A revolução pelo ódio seria
um fracasso completo ou então engendraria uma nova opressão, que poderia se
chamar até mesmo anarquista, assim como os homens de Estado atuais se dizem
liberais, mas nem por isso deixaria de ser uma opressão e não deixaria de
produzir os efeitos que toda a opressão causa.
O OBJETIVO DOS ANARQUISTAS
La Questione Sociale, 1899
O que devemos fazer?
Tal é o
problema que se nos apresenta, a nós e a todos aqueles que querem realizar e
defender suas idéias, a todo o momento em sua vida militante.
Queremos
abolir a propriedade individual e a autoridade, isto é, expropriar os
proprietários da terra e do capital, derrubar o governo, e colocar à disposição
de todos a riqueza social, a fim de que todos possam viver a seu modo, sem
outros limites senão aqueles impostos pelas necessidades, livre e
voluntariamente reconhecidas e aceitas. Em resumo, realizar o programa
socialista-anarquista. E estamos convencidos (a experiência cotidiana nos
confirma) que se os proprietários e o governo dominam graças à força física,
devemos, necessariamente, para vencê-los, recorrer à força física, à revolução
violenta. Somos, portanto, inimigos de todas as classes privilegiadas e de
todos os governos, e adversários de todos aqueles que tendem, mesmo de boa fé,
a enfraquecer as energias revolucionárias do povo e a substituir um governo por
outro.
Mas o que
devemos fazer para estar em condições de fazer nossa revolução, a revolução
contra todo privilégio e toda autoridade, e triunfar?
A melhor
tática seria fazer, sempre e em todos os lugares, propaganda de nossas idéias e
desenvolver no proletariado, por todos os meios possíveis, o espírito de
associação e de resistência, e suscitar cada vez maiores reivindicações;
combater continuamente todos os partidos burgueses e todos os partidos
autoritários, permanecendo indiferentes a suas querelas; organizar-nos
com aqueles que estão convencidos ou se convencem de nossas idéias, adquirir os
meios materiais necessários ao combate e, quando formos uma força suficiente
para vencer, lançarmo-nos sós, por nossa conta, para efetuar por completo nosso
programa, mais exatamente, conquistar para cada um a liberdade total de
experimentar, praticar e modificar pouco a pouco o modo de vida social que se
acreditava ser o melhor.
Todavia,
infelizmente, esta tática não pode ser aplicada de modo rigoroso e é incapaz de
alcançar seu objetivo. A propaganda possui uma eficácia limitada, e em um setor
absolutamente condicionado de forma moral e material para aceitar e compreender
certo tipo de idéias. As palavras e os escritos são pouco poderosos enquanto
uma transformação do meio não conduzir o povo à possibilidade de apreciar estas
novas idéias. A eficácia das organizações operárias é igualmente limitada pelas
mesmas razões que se opõem à extensão indefinida de nossa propaganda, e não
somente por causa da situação econômica e moral que enfraquece ou neutraliza
por completo os efeitos da tomada de consciência de certos trabalhadores.
Uma
organização vasta e forte, na propaganda e na luta, encontra mil dificuldades:
nós mesmos, a falta de meios, e principalmente a repressão governamental. Mesmo
supondo que seja possível chegar, pela propaganda e pela organização, a
fazer nossa revolução socialista-anarquista, há todos os dias situações
políticas onde devemos intervir sob pena de perder vantagens para nossa
propaganda e toda a influência sobre o povo, arriscar destruir o trabalho
realizado e tornar mais difícil o futuro.
O problema
é, portanto, encontrar o meio de determinar, na medida do possível, as mudanças
de situação necessárias ao progresso de nossa propaganda e aproveitarmos as
rivalidades entre os diferentes partidos políticos, cada vez que a oportunidade
se apresentar, sem renunciar a nenhum postulado de nosso programa, para
facilitar e aproximar o triunfo.
Na Itália,
por exemplo, a situação é tal que é impossível, a maior ou menor prazo (1899),
que haja uma insurreição contra a monarquia. É certo que, por outro lado, o
resultado disso não será o socialismo-anarquismo. Devemos tomar parte da
preparação e da realização desta insurreição? Alguns camaradas pensam que não
temos nenhum interesse em fazer parte de movimento que não tocará na
propriedade privada e só servirá para mudar de governo, quer dizer, uma
república, que não será menos burguesa que a monarquia.
Deixemos,
dizem eles, os burgueses e os aspirantes ao poder “furarem-se mutuamente a
pele” e continuemos nossa propaganda contra a propriedade e a autoridade.
Entretanto,
a conseqüência de nossa recusa seria, em primeiro lugar, que, sem nós, a
insurreição teria menos chances de triunfar. Assim, a monarquia ganharia, o que
no momento em que a luta pela vida torna-se feroz, obstruiria o caminho à
propaganda e a todo progresso. Além do mais, o caminho à propaganda e a todo
progresso. Além do mais, estando ausentes do movimento, não teríamos nenhuma
influência sobre os acontecimentos ulteriores, não poderíamos aproveitar as
oportunidades que sempre se apresentariam num período de transição entre um
regime e outro, cairíamos no descrédito como partido de ação e não poderíamos,
durante muitos anos, fazer algo de importante.
Não se
trata de deixar os burgueses lutarem entre si, porque numa insurreição a força
é sempre dada pelo povo, e se não dividirmos com os combatentes os perigos e os
sucessos tentando transformar o movimento político em revolução social, o povo
servirá apenas de instrumento nas mãos ambiciosas dos aspirantes do poder.
Em
compensação participando da insurreição (que não somos bastante fortes para nos
lançarmos sozinhos) e agindo o máximo possível, ganharemos a simpatia do povo
insurreto e poderemos fazer avançar as coisas o máximo possível.
Sabemos
muito bem, e não cessamos de dizê-lo e de demonstrá-lo, que república e
monarquia são idênticas e que todos os governos têm tendência a aumentar seu
poder e a oprimir cada vez mais os governados. Mas também sabemos que quanto
mais fraco é um governo, mais forte é a resistência do povo, maiores são a
liberdade e a possibilidade de progresso. Contribuindo de modo eficaz para a queda
da monarquia, poderíamos nos opor com maior ou menor eficácia à consolidação de
uma república, poderíamos permanecer armados, recusar obedecer ao governo, e
tentar expropriações e organizações anarquistas da sociedade. Poderíamos
impedir que a revolução estancasse desde o início, e que as energias do povo,
despertadas pela insurreição, adormecessem novamente. Tudo isso são coisas que
não poderíamos fazer, por razões evidentes de psicologia, para poderíamos
fazer, por razões evidentes de psicologia, para com o povo, intervindo depois
da revolução e da vitória contra a monarquia, sem a nossa participação.
Levados por
esses motivos, outros camaradas gostariam que parássemos provisoriamente a
propaganda anarquista, para nos ocuparmos com o combate contra a monarquia e,
após o triunfo da insurreição, recomeçarmos nosso trabalho específico de
anarquistas. Eles não vêem que se nos confundíssemos com os republicanos
faríamos o trabalho da futura república, desorganizando nossos grupos, semeando
a confusão, sem poder impedir em seguida o reforço da república.
Entre estes
dois erros, o caminho a seguir parece-nos o mais claro. Devemos nos posicionar
com os republicanos, os social-democratas e todo partido antimonarquista para
derrubar a monarquia. Mas devemos ser, enquanto anarquistas, pela anarquia, sem
romper nossas forças nem confundi-las com a dos outros, sem fazer compromissos
para além da cooperação na ação militar.
Somente
assim, segundo nossa opinião, podemos obter, quando dos próximos
acontecimentos, todas as vantagens de uma aliança com os outros partidos
antimonarquistas, sem renunciarmos em nada ao nosso programa.
A ORGANIZAÇÃO DAS MASSAS OPERÁRIAS CONTRA O GOVERNO E OS PATRÕES
Agitazione d’Ancone,
1897.
Nós já o
repetimos: sem organização, livre ou imposta, não pode existir sociedade; sem
organização consciente e desejada, não pode haver nem liberdade, nem garantia
de que os interesses daqueles que vivem em sociedade sejam respeitados. E quem
não se organiza, quem não procura a cooperação dos outros e não oferece a sua,
em condições de reciprocidade e de solidariedade, põe-se necessariamente em
estado de inferioridade e permanece uma engrenagem inconsciente no mecanismo
social que outros acionam a seu modo, e em sua vantagem.
Os
trabalhadores são explorados e oprimidos porque, estando desorganizados em tudo
que concerne à proteção de seus interesses, são coagidos, pela fome ou pela
violência brutal, a fazer o que os dominadores, em proveito dos quais a
sociedade atual está organizada, querem. Os trabalhadores se oferecem, eles
próprios (enquanto soldado e capital), à força que os subjuga. Nunca poderão se
emancipar enquanto não tiverem encontrado na união a força moral, a força
econômica e a força física que são necessárias para abater a força organizada
dos opressores.
Houve
anarquistas, e ainda há, que, ainda que reconhecendo a necessidade de
organização na sociedade futura e a necessidade de se organizarem agora para a
propaganda e para a ação, são hostis a qualquer organização que não tenha por objetivo
direto a anarquia e não siga os métodos anarquistas. E alguns se afastaram de
todas as associações de resistência existentes, consideraram quase uma defecção
tentar organizar novas associações.
Para esses
camaradas, todas as forças, organizadas em um objetivo que não fosse
radicalmente revolucionário, seriam, talvez, subtraídas à revolução.
Acreditamos, ao contrário, e a experiência já nos mostrou isso muito bem, que
seu método condenaria o movimento anarquista a uma perpétua esterilidade.
Para se
fazer propaganda é preciso estar no meio das pessoas. É nas associações
operárias que o trabalhador encontra seus camaradas e, em princípio, aqueles
que estão mais dispostos a compreender e a aceitar nossas idéias. E mesmo que
se quisesse fazer intensa propaganda fora das associações, isto não poderia ter
efeito sensível sobre a massa operária. Excetuando um pequeno número de
indivíduos mais instruídos e capazes de reflexões abstratas e de entusiasmos
teóricos, o operário não pode chegar de uma só vez à anarquia. Para se tornar
anarquista de modo sério, e não somente de nome, é preciso que comece a sentir
a solidariedade que o une a seus camaradas, é preciso que aprenda a cooperar
com os outros na defesa dos interesses comuns e que, lutando contra os patrões
e capitalistas são parasitas inúteis e que os trabalhadores poderiam assumir a
administração social. Quando compreende isso, o trabalhador é anarquista, mesmo
que não carregue o nome.
Por outro
lado, favorecer as organizações populares de todos os tipos é a conseqüência
lógica de nossas idéias fundamentais e, assim, deveria fazer parte integrante
de nosso programa.
Um partido
autoritário, que visa controlar o povo para impor suas idéias, tem interesse em
que o povo permaneça massa amorfa, incapaz de agir por si mesma e,
conseqüentemente, sempre fácil de dominar. É lógico, portanto, que só deseje um
certo nível de organização, segundo a forma que ajude na tomada do poder:
organização eleitoral se espera atingir seu objetivo pela via legal;
organização militar se conta com a ação violenta.
Nós,
anarquistas, não queremos emancipar o povo, queremos que o povo se
emancipe. Nós não acreditamos no
fato imposto, de cima, pela força; queremos que o novo modo de vida social saia
das entranhas do povo e corresponda ao grau de desenvolvimento atingido pelos
homens e possa progredir à medida que os homens avançam. Desejamos, portanto,
que todos os interesses e todas as opiniões encontrem, em uma organização
consciente, a possibilidade de se colocar em evidência e influenciar a vida
coletiva, na proporção de sua importância.
Nós
assumimos como objetivo lutar contra a atual organização social e destruir os
obstáculos que se opõem à realização de uma nova sociedade, onde a liberdade e
o bem-estar estarão assegurados a todos. Para perseguir este objetivo,
unimo-nos em partido e procuramos nos tornar os mais numerosos e os mais fortes
possível. Mas os outros também estão organizados em partido.
Se os
trabalhadores permanecessem isolados como tantas unidades indiferentes umas das
outras, ligadas a uma cadeia comum; se nós mesmos não estivéssemos organizados
com os trabalhadores enquanto trabalhadores, não poderíamos apenas nos impor...
E então não seria o triunfo da anarquia, mas o nosso. E não poderíamos mais
dizermo-nos anarquistas, seríamos simples governantes, incapazes de fazer o
bem, como todos os governantes.
Fala-se com
freqüência de revolução e acredita-se por esta palavra resolver todas as
dificuldades. Mas o que deve ser, o que pode ser essa revolução à qual aspiramos?
Abater os
poderes constituídos e declarar extinto o direito de propriedade é desejável:
um partido pode fazê-lo além de suas forças, conte com a simpatia das massas e
com uma suficiente preparação da opinião pública.
Todavia, e
depois? A via social não admite interrupções. Durante a revolução ou a
insurreição, como queiram, e imediatamente após, é preciso comer, vestir,
viajar, imprimir, tratar dos doentes etc, e estas coisas não se fazem por si
mesmas. Hoje o governo e os capitalistas as organizam para delas tirar
proveito; quando eles tiverem sido abatidos, será preciso que os próprios
operários o façam em proveito de todos, senão verão surgir, sob um nome ou
outro, novos governantes e novos capitalistas.
E como os
operários poderiam prover as necessidades urgentes se eles não estão agora
habituados a se reunir e a discutir, juntos, os interesses comuns, e ainda não
estão prontos, de certo modo, a aceitar a herança da velha sociedade?
Numa cidade
onde os cerealistas e os donos de padarias tiverem perdido seus direitos de
propriedade e, por conseguinte, o interesse em abastecer o mercado, será
preciso, a partir do dia seguinte, encontrar nas padarias o pão necessário à
alimentação do público. Quem pensará nisso se os empregados das padarias já não
estiverem associados e prontos a trabalhar sem os patrões, e se, esperando a
revolução, eles não tiverem pensado de antemão em calcular as necessidades da
cidade e os meios de abastecê-la?
Todavia,
nós não queremos dizer que para fazer a revolução seja preciso esperar que
todos os operários estejam organizados. Seria impossível, tendo em vista as
condições do proletariado, e felizmente não é necessário. Mas é preciso que
pelo menos haja núcleos em torno dos quais as massas possam reagrupar-se
rapidamente, tão logo elas sejam liberadas do peso que as oprime. Se é utopia
querer fazer a revolução somente quando estivermos todos prontos e de acordo, é
ainda mais utópico querer fazê-la sem nada e ninguém. É preciso uma medida em
tudo. Enquanto esperamos, trabalhemos para que as forças conscientes e
organizadas do proletariado cresçam tanto quanto seja possível. O resto virá
por si só.
OS ANARQUISTAS E O SENTIMENTO MORAL
Le Réveil,
Genebra, 05/11/1904.
O número
daqueles que se dizem anarquistas é tão grande, hoje, e sob o nome de anarquia
expõem-se doutrinas tão divergentes e contraditórias que estaríamos errados em
nos surpreendermos quando o público, de forma alguma familiarizado com nossas
idéias, não podendo distinguir de imediato as grandes diferenças que se
escondem sob a mesma palavra, permanece indiferente em relação à nossa
propaganda e também ressente uma certa desconfiança em relação a nós.
Não
podemos, é óbvio, impedir os outros de se atribuírem o nome que eles escolhem.
Quanto a nós mesmos reiniciarmos à denominação de anarquistas, isto de nada
serviria, pois o público simplesmente acreditaria que teríamos virado a casaca.
Tudo o que
podemos e devemos fazer é distinguirmo-nos sem dubiedade daqueles que têm uma
concepção da anarquia diferente da nossa, e extraem desta mesma concepção
teórica conseqüências práticas absolutamente opostas àquelas que extraímos. E a
distinção deve resultar da exposição clara de nossas idéias, e da repetição franca
e incessante de nossa opinião sobre todos os fatos que estão em contradição com
nossas idéias e nossa moral, sem considerações por uma pessoa ou por um partido
qualquer. Esta pretensa solidariedade de partido entre pessoas que não
pertenciam ou não teriam podido pertencer ao mesmo partido, foi sem dúvida uma
das causas principais da confusão.
Ora,
chegamos a tal ponto que muitos exaltam nos camaradas as mesmas ações que
censuram nos burgueses, e parece que seu único critério do bem ou do mal
consiste em saber se o autor de tal ou qual ato se diz ou não anarquista. Um
grande número de erros conduziu alguns a se contradizerem abertamente, na
prática, com os princípios que professam em teoria, e outros a suportar tais
contradições; assim também, um grande número de causas conduziram ao nosso
meio, pessoas que no fundo zombam do socialismo, da anarquia e de tudo o que
ultrapassa os interesses de suas pessoas.
Não posso
empreender aqui uma análise metódica e completa de todos estes erros, e também
limitar-me-ei a tratar daqueles que mais me chocaram.
Falemos
antes de mais nada da moral.
Não é raro
encontrar anarquistas que negam a moral. Inicialmente é um simples modo
de falar, para estabelecer que do ponto de vista teórico eles não admitem moral
absoluta, eterna e imutável, e que, na prática, revoltam-se contra a moral
burguesa, que sanciona a exploração das massas e golpeia todos os atos que
lesam ou ameaçam os interesses dos privilegiados. Em seguida, pouco a pouco,
como acontece em muitos casos, tomam a figura retórica como expressão exata da
verdade. Esquecem que, na moral habitual, ao lado das regras inculcadas pelos
padres e pelos patrões para assegurar mais substancial parte, sem as quais toda
a coexistência social seria impossível; – eles esquecem que se revoltar contra
toda regra imposta pela força não quer dizer em absoluto renunciar a toda
reserva moral e a todo sentimento de obrigação para com os outros; – esquecem
que para combater de modo racional certa moral, é preciso opor-lhe, em teoria e
em prática, outra moral superior: e acabam algumas vezes, seu temperamento e as
circunstâncias ajudando, por se tornarem imorais no sentido absoluto da
palavra, isto é, homens sem regra de conduta, sem critério para guiar suas
ações, que cedem passivamente ao impulso do momento. Hoje, privam-se de pão
para socorrer um camarada; amanhã, matarão um homem para ir ao bordel!
A moral é a
regra de conduta que cada homem considera como boa. Pode-se achar má a moral
dominante de tal época, de tal país ou de tal sociedade, e achamos, com efeito,
a moral burguesa mais do que má; mas não se poderia conceber uma sociedade sem
qualquer moral, nem homem consciente que não tenha critério algum para julgar o
que é bom e o que é mal, para si mesmo e para os outros.
Quando combatemos
a sociedade atual, opomos a moral burguesa individualista, a moral da luta e da
solidariedade, e procuramos estabelecer instituições que correspondam à nossa
concepção das relações entre os homens. Se fosse de outra forma, por que não
acharíamos correto que os burgueses explorem o povo?
Outra
afirmação nociva, sincera em alguns, mas que, para outros, é apenas desculpa, é
que o meio social atual não permite que se seja moral, e que, conseqüentemente,
é inútil tentar esforços destinados a permanecerem sem sucesso; o melhor a
fazer, é tirar das circunstâncias atuais o máximo possível para si mesmo sem se
preocupar com o próximo, exceto a mudar de vida quando a organização social
tiver também mudado. Certamente, todo anarquista, todo socialista compreende as
fatalidades econômicas que, hoje, obrigam o homem a lutar contra o homem; e ele
vê, como bom observador, a impotência da revolta pessoal contra a força
preponderante do meio social. Mas é igualmente verdade que, sem a revolta do
indivíduo, associando-se a outros indivíduos revoltados para resistir ao meio e
procurar transformá-lo, este meio nunca mudará.
Somos,
todos sem exceção, obrigados a viver, mais ou menos, em contradição com nossas
idéias; mas somos socialistas e anarquistas precisamente na medida em que
sofremos esta contradição e que procuramos, tanto quanto possível, torná-la
menor. No dia em que nos adaptássemos ao meio, não mais teríamos, é óbvio,
vontade de transformá-lo, e nos tornaríamos simples burgueses; burgueses sem
dinheiro, talvez, mas não menos burgueses nos atos e nas intenções.
RUMO À ANARQUIA
1910
É muito
freqüente acreditar que pelo fato de dizermo-nos revolucionários, achamos que o
advento da anarquia deva produzir-se de uma só vez, como conseqüência imediata
de uma insurreição, que abateria de forma violenta tudo o que existe e o
substituiria por instituições verdadeiramente novas. Para dizer a verdade, não
faltam camaradas que assim concebem a revolução.
Este
mal-entendido explica porque entre nossos adversários, muitos crêem, de boa fé,
que a anarquia é uma coisa impossível; e isto também explica porque certos
camaradas, vendo que a anarquia não pode medrar repentinamente, tendo em vista
as condições morais atuais da massa, vivem entre um dogmatismo que os põe fora
da vida real e um oportunismo que os faz quase esquecer que são anarquistas e,
nesta qualidade, devem combater a favor da anarquia.
Ora, é
certo que o triunfo da anarquia não pode ser efeito de um milagre, assim como
não pode produzir-se a despeito de, e em contradição com a lei da evolução: que
nada aconteça sem causa suficiente, que nada se possa fazer se faltar a força
necessária.
Se
quiséssemos substituir um governo por outro, isto é, impor nossa vontade aos
outros, bastaria, para isto, adquirir a força material indispensável para
abater os opressores e colocarmo-nos em seu lugar.
Mas, ao
contrário, queremos a Anarquia, isto é, uma sociedade fundada sobre o
livre e voluntário acordo, na qual ninguém possa impor sua vontade a outrem,
onde todos possam fazer como bem entendem e concorrer voluntariamente para o
bem-estar geral. Seu triunfo só será definitivo, universal, quando todos os
homens não mais quiserem ser comandados nem comandar outras pessoas, e tiverem
compreendido as vantagens da solidariedade para saber organizar um sistema
social no qual não haverá mais marca de violência e de coação.
Por outro
lado, assim como a consciência, a vontade, a capacidade, aumentam gradualmente
e só podem encontrar oportunidade e meios de se desenvolverem na transformação
gradual do meio e na realização das vontades à medida em que elas se formam e
se tornam imperiosas; assim, também, a anarquia instaurar-se-á pouco a pouco,
para se intensificar e se ampliar cada vez mais.
Não se
trata, portanto, de chegar à anarquia hoje ou amanhã, ou em dez séculos, mas
caminhar rumo a anarquia hoje, amanhã e sempre.
A anarquia
é a abolição do roubo e da opressão do homem pelo homem, quer dizer, a abolição
da propriedade individual e do governo; a anarquia é a destruição da miséria,
da superstição e do ódio. Portanto, cada golpe desferido nas instituições da
propriedade individual e do governo, é um passo rumo à anarquia, assim como
cada mentira desvelada, cada parcela de atividade humana subtraída ao controle
da autoridade, cada esforço tendendo a elevar a consciência popular e a
aumentar o espírito de solidariedade e de iniciativa, assim como a igualar as
condições.
O problema
reside no fato de saber escolher a via que de fato nos aproxima da realização
de nosso ideal, e de não confundir os verdadeiros progressos com essas reformas
hipócritas, que, a pretexto de melhorias imediatas, tendem a afastar o povo da
luta contra a autoridade e o capitalismo, a paralisar sua ação e a deixá-lo
esperar que algo possa ser obtido pela bondade dos patrões e dos governantes. O
problema consiste em saber empregar o quinhão de forças que possuímos e que
adquirimos de modo mais econômico e mais útil ao nosso objetivo.
Hoje, em
todos os países há um governo que, pela força brutal, impõe a lei a todos,
obriga-nos a nos deixar explorar e a manter, quer isto nos agrade ou não, as
instituições existentes, a impedir que as minorias possam colocar em ação suas
idéias e que a organização social, em geral, possa modificar-se segundo as
variações da opinião pública. O curso regular, pacífico, da evolução parou pela
violência, e é pela violência que será preciso abrir-lhe caminho. É por isso
que queremos a revolução violenta, hoje, e a queremos sempre assim, pelo tempo
que quiserem impor a alguém, pela força, uma coisa contrária à sua vontade.
Suprimida a violência governamental, nossa violência não teria mais razão de
ser.
Não
podemos, no momento, destruir o governo existente, talvez não possamos, amanhã,
impedir que sobre as ruínas do atual governo, um outro surja; mas isto não nos
impede, hoje, assim como não nos impedirá, amanhã, de combater não importa que
governo, recusando submetermo-nos à lei toda vez que isto nos for possível, e
opor a força à força.
Toda vez
que a autoridade é enfraquecida, toda vez que uma grande parcela de liberdade é
conquistada e não mendigada, é um progresso rumo à anarquia. Da mesma forma,
também é um progresso toda vez que consideramos o governo como um inimigo com o
qual nunca se deve fazer trégua, depois de nos termos convencido que a
diminuição dos males por ele engendrados só é possível pela redução de suas
atribuições e de sua força, não pelo aumento do número dos governantes ou pelo
fato de elegê-los pelos próprios governados. E por governo entendemos todo
homem ou agrupamento de indivíduos, no Estado, nos Conselhos, na municipalidade
ou na associação, que tenha o direito de fazer a lei ou de a impor àqueles a
quem ela não agrada.
Não
podemos, no momento, abolir a propriedade individual, não podemos neste
instante dispor dos meios de produção necessários para trabalhar livremente;
talvez ainda não possamos quando de um próximo movimento insurrecional; mas
isto não nos impede, a partir de hoje, assim como não nos impedirá, amanhã, de
combater continuamente o capitalismo. Toda a vitória, por menor que seja, dos
trabalhadores contra o patronato, todo esforço contra a exploração, toda
parcela de riqueza subtraída aos proprietários e posta à disposição de todos, será
um progresso, um passo rumo à anarquia. Assim, também, será um progresso todo
fato que tenda a aumentar as exigências dos operários e a dar mais atividade à
luta, todas as vezes que pudermos encarar o que tivermos ganhado, como uma
vitória sobre o inimigo, não como uma concessão à qual deveríamos ser
agradecidos, toda vez que afirmamos nossa vontade de tomar pela força, aos
proprietários, os direitos que, protegidos pelo governo, subtraíram dos
trabalhadores.
Uma vez
desaparecido da sociedade humana o direito da força, os meios de produção
colocados à disposição daqueles que querem produzir, o resto será resultado da
evolução pacífica.
A anarquia
ainda não estaria realizada ou só o estaria para aqueles que a desejam, e
somente para as coisas em que o concurso dos não-anarquistas não é
indispensável. Ela se ampliará, assim, ganhando pouco a pouco os homens e as
coisas, até abraçar toda a humanidade e todas as manifestações da vida.
Uma vez
desaparecido o governo, com todas as instituições nocivas que protege, uma vez
conquistada a liberdade para todos assim como o direito aos instrumentos de
trabalho, sem o qual a liberdade é uma mentira, só pensamos destruir as coisas
à medida em que pudermos substituí-las por outras. Por exemplo: o serviço de
abastecimento é mal feito na sociedade atual. Ele se efetua de modo anormal,
com grande desperdício de forças e de material, e somente em vista dos
interesses dos capitalistas; mas, em suma, de qualquer modo que se opere o
consumo, seria absurdo querer desorganizar este serviço, se não estamos prontos
a assegurar a alimentação do povo de uma forma mais lógica e eqüitativa.
Existe o
serviço dos correios, temos mil críticas a fazer-lhe, mas, no momento,
servimo-nos dele para enviar nossas cartas ou para recebê-las, suportemo-lo,
portanto, enquanto não pudermos corrigi-lo.
Existem
escolas, infelizmente muito ruins, entretanto não desejaríamos que nossos
filhos permanecessem sem aprender a ler e a escrever, esperando que possamos
organizar escolas-modelos suficientes para todos.
Vemos,
portanto, que para instaurar a anarquia não basta ter a força material para
fazer a revolução, mas é também preciso que os trabalhadores associados,
segundo os diversos ramos de produção, estejam em condições de assegurar, por
eles próprios, o funcionamento da vida social, sem o auxílio dos capitalistas e
do governo.
Pode-se
também constatar que as idéias anárquicas, longe de estarem em contradição com
as leis da evolução estabelecidas pela ciência, como o garantem os socialistas
científicos, são concepções que se adaptam perfeitamente a elas: é o sistema
experimental, transportado do campo das pesquisas para o das realizações
sociais.
A ORGANIZAÇÃO I
Agitazione de Ancone,
04/07/1897.
Há anos que
muito se discute entre os anarquistas esta questão. E como freqüentemente
acontece quando se discute com ardor à procura da verdade, acredita-se, em
seguida, ter razão. Quando as discussões teóricas são apenas tentativas para
justificar uma conduta inspirada por outros motivos, produz-se uma grande
confusão de idéias e de palavras.
Lembraremos,
de passagem, sobretudo para nos livrarmos delas, as simples questões de frases
empregadas, que, às vezes, atingiram o cúmulo do ridículo, como por exemplo:
“Não queremos a organização, mas a harmonização”, “Opomo-nos à associação, mas
a admitimos”, “Não queremos secretário ou caixa, porque é um sinal de
autoritarismo, mas encarregamos um camarada para se ocupar do correio e outro
do dinheiro”; passemos a discussão séria.
Se não
pudermos concordar, tratemos pelo menos de nos compreender.
Antes de
mais nada, distingamos, visto que a questão é tripla: a organização em geral,
como princípio e condição da vida social, hoje, e na sociedade futura; a
organização das forças populares, e, em particular, a das massas operárias,
para resistir ao governo e ao capitalismo.
A
necessidade de organização na vida social – direi que organização e sociedade
são quase sinônimos – é coisa tão evidente que mal se pode acreditar que
pudesse ter sido negada.
Para nos
darmos conta disso, é preciso lembrar que ela é a função específica,
característica do movimento anarquista, e como homens e partidos estão sujeitos
a se deixarem absorver pela questão que os interessa mais diretamente,
esquecendo tudo o que a ela se relaciona, dando mais importância à forma que ao
conteúdo e, enfim, vendo as coisas somente de um lado, não distinguindo mais a
justa noção da realidade.
O movimento
anarquista começou como uma reação contra o autoritarismo dominante na
sociedade, assim como todos os partidos e organizações operárias, e se acentuou
com os adventos de todas as revoltas contra as tendências autoritárias e
centralistas.
Era
natural, em conseqüência, que inúmeros anarquistas estivessem como que
hipnotizados por esta luta contra a autoridade e que eles combatem, para
resistir à influência da educação autoritária, tanto a autoridade quanto a
organização, da qual ela é a alma.
Na verdade,
esta fixação chegou ao ponto de fazer sustentar coisas realmente incríveis.
Combateu todo o tipo de cooperação e de acordo porque a associação é a antítese
da anarquia. Afirma-se que sem acordos, sem obrigações recíprocas, cada um
fazendo o que lhe passar pela cabeça, sem mesmo se informar sobre o que fazem
os outros, tudo estaria espontaneamente em harmonia: que a anarquia significa
que cada um deve bastar-se a si mesmo e fazer tudo que tem vontade, sem troca e
sem trabalho em associação. Assim, as ferrovias poderiam funcionar muito bem
sem organização, como acontecia na Inglaterra (!). O correio não seria
necessário: alguém de Paris, que quisesse escrever uma carta a Petersburgo...
Podia ele próprio levá-la (!!) etc.
Dir-se-á
que são besteiras, que não vale a pena discuti-las. Sim, mas estas besteiras
foram ditas, propagadas: foram autêntica das idéias anarquistas. Servem sempre
como armas de combate aos adversários, burgueses ou não, que querem conseguir
uma fácil vitória sobre nós. E, também, estas “besteiras” não são sem valor,
visto que são a conseqüência lógica de certas premissas e que podem servir como
prova experimental da verdade, ou pelo menos dessas premissas.
Alguns
indivíduos, de espírito limitado, mas providos de espírito lógico poderoso,
quando aceitam premissas, extraem delas todas as conseqüências até que, por
fim, e se a lógica assim o quer, chegam, sem se desconcertar, aos maiores
absurdos, à negação dos fatos mais evidentes. Mas há outros indivíduos mais
cultos e de espírito mais amplo que encontram sempre um meio de chegar a
conclusões mais ou menos razoáveis, mesmo ao preço da violentação da lógica.
Para eles, os erros teóricos têm pouca ou nenhuma influência na conduta
prática. Mas, em suma, desde que não se haja renunciado a certos erros
fundamentais, estamos sempre ameaçados por silogismos exagerados, e voltamos
sempre ao começo.
O erro
fundamental dos anarquistas adversários da organização é crer que não há
possibilidade de organização sem autoridade. E uma vez admitida esta hipótese,
preferem renunciar a toda organização, ao invés de aceitar o mínimo de
autoridade.
Agora que a
organização, quer dizer, a associação com um objetivo determinado e com as
formas e os meios necessários para atingir este objetivo, é necessária à vida
social, é uma evidência para nós. O homem isolado não pode sequer viver como um
animal: ele é impotente (salvo em regiões tropicais, e quando a população é
muito dispersa) e não pode obter sua alimentação; ele é incapaz, sem exceção,
de ter uma vida superior àquela dos animais. Conseqüentemente, é obrigado a se
unir a outros homens, como a evolução anterior das espécies o mostra, e deve
suportar a vontade dos outros (escravidão), impor sua vontade aos outros
(autoritarismo), ou viver com os outros em fraternal acordo para o maior bem de
todos (associação). Ninguém pode escapar dessa necessidade. Os
antiorganizadores mais imoderados suportam não apenas a organização geral da
sociedade em que vivem, mas também em seus atos, em sua revolta contra a
organização, eles se unem, dividem a tarefa, organizam-se com aqueles
que compartilham suas idéias, utilizando os meios que a sociedade coloca à sua
disposição; com a condição de que estes sejam fatos reais e não vagas
aspirações platônicas.
Anarquia
significa sociedade organizada sem autoridade, compreendendo-se
autoridade como a faculdade de impor sua vontade. Todavia, também
significa o fato inevitável e benéfico que aquele que compreende melhor e sabe
fazer uma coisa, consegue fazer aceitar mais facilmente sua opinião. Ele serve
de guia, quanto a esta coisa, aos menos capazes que ele.
Segundo
nossa opinião, a autoridade não é necessária à organização social, mais ainda,
longe de ajudá-la, vive como parasita, incomoda a evolução e favorece uma dada
classe que explora e oprime as outras. Enquanto há harmonia de interesses em
uma coletividade, enquanto ninguém pode frustrar outras pessoas, não há sinal
de autoridade. Ela aparece com a luta intestina, a divisão em vencedores e
vencidos, os mais fortes confirmando a sua vitória.
Temos esta
opinião e é por isso que somos anarquistas, caso contrário, afirmando que não
pode existir organização sem autoridade, seremos autoritários. Mas ainda
preferimos a autoridade que incomoda e desola a vida, à desorganização que a
torna impossível.
De resto, o
que seremos nos interessa muito pouco. Se é verdade que o maquinista e o chefe
de serviço devem forçosamente ter autoridade, assim como os camaradas que fazem
para todos um trabalho determinado, as pessoas sempre preferirão suportar sua
autoridade a viajar a pé. Se o correio fosse apenas esta autoridade, todo homem
são de espírito a aceitaria para não ter de levar, ele próprio, suas cartas. Se
se recusa isto, a anarquia permanecerá o sonho de alguns e nunca se realizará.
A ORGANIZAÇÃO II
Agitazione de Ancone,
11/07/1897.
Estando
admitida a existência de uma coletividade organizada sem autoridade, isto é,
sem coerção, caso contrário, a anarquia não teria sentido, falemos da
organização do partido anarquista.
Mesmo
nesses casos, a organização nos parece útil e necessária. Se o partido, ou
seja, o conjunto dos indivíduos que têm um objetivo em comum e se esforçam para
alcançá-lo, é natural que se entendam, unam suas forças, compartilhem o
trabalho e tomem todas as medidas adequadas para desempenhar esta tarefa.
Permanecer isolado, agindo ou querendo agir cad um por sua conta, sem se
entender com os outros, sem preparar-se, sem enfeixar as fracas forças dos
isolados, significa condenar-se à fraqueza, desperdiçar sua energia em pequenos
atos ineficazes, perder rapidamente a fé no objetivo e cair na completa inação.
Mas isto
parece de tal forma evidente que, ao invés de fazer sua demonstração,
responderemos aos argumentos dos adversários da organização.
Antes de
mais nada, há uma objeção, por assim dizer, formal. “Mas de que partido nos
falais? Dizem-nos, nem sequer somos um, não temos um programa”. Este paradoxo
significa que as idéias progridem, evoluem continuamente, e que eles não podem
aceitar um programa fixo, talvez válido hoje, mas que estará com certeza
ultrapassado amanhã.
Seria
perfeitamente justo se se tratasse de estudantes que procuram a verdade, sem se
preocuparem com as aplicações práticas. Um matemático, um químico, um
psicólogo, um sociólogo podem dizer que não há outro programa senão o de
procurar a verdade: eles querem conhecer, mas sem fazer alguma coisa.
Mas a anarquia e o socialismo não são ciências: são proposições, projetos que
os anarquistas e os socialistas querem por em prática e que, conseqüentemente,
precisam ser formulados como programas determinados. A ciência e a arte das
construções progridem a cada dia. Mas um engenheiro, que quer construir ou
mesmo demolir, deve fazer seu plano, reunir seus meios de ação e agir como se a
ciência e a arte tivessem parado no ponto em que as encontrou no início de seu
trabalho. Pode acontecer, felizmente, que ele possa utilizar novas aquisições
feitas durante seu trabalho sem renunciar à parte essencial de seu plano. Pode
acontecer do mesmo modo que as novas descobertas e os novos meios industriais
sejam tais que ele se veja na obrigação de abandonar tudo e recomeçar do zero.
Mas ao recomeçar, precisará fazer novo plano, com base no conhecimento e na
experiência; não poderá conceber e por-se a executar uma construção amorfa, com
materiais não produzidos, a pretexto que amanhã a ciência poderia sugerir
melhores formas e a indústria fornecer materiais de melhor composição.
Entendemos
por partido anarquista o conjunto daqueles que querem contribuir para realizar
a anarquia, e que, por conseqüência, precisam fixar um objetivo a alcançar e um
caminho a percorrer. Deixamos de bom grado às suas elucubrações transcendentais
os amadores da verdade absoluta e de progresso contínuo, que, jamais colocando
suas idéias à prova, acabam por nada fazer ou descobrir.
A outra
objeção é que a organização cria chefes, uma autoridade. Se isto é verdade, se
é verdade que os anarquistas são incapazes de se reunirem e de entrarem em
acordo entre si sem se submeter a um autoridade, isto quer dizer que ainda são
muito pouco anarquistas. Antes de pensar em estabelecer a anarquia no mundo,
devem pensar em se tornar capazes de viver como anarquistas. O remédio não está
na organização, mas na consciência perfectível dos membros.
Evidentemente,
se em uma organização, deixa-se a alguns todo o trabalho e todas as
responsabilidades, se nos submetemos ao que fazem alguns indivíduos, sem por a
mão na massa e procurar fazer melhor, esses “alguns” acabarão, mesmo que não
queiram, substituindo a vontade da coletividade pela sua. Se em uma organização
todos os membros não se interessam em pensar, em querer compreender, em pedir
explicações sobre o que não compreendem, em exercer sobre tudo e sobre todos as
suas faculdades críticas, deixando a alguns a responsabilidade de pensar por
todos, esses “alguns” serão os chefes, as cabeças pensantes e dirigentes.
Todavia,
repitamos, o remédio não está na ausência de organização. Ao contrário, nas
pequenas como nas grandes sociedades, excetuando a força brutal, a qual não nos
diz respeito no caso em questão, a origem e a justificativa da autoridade residem
na desorganização social. Quando uma coletividade tem uma necessidade e seus
membros não estão espontaneamente organizados para satisfazê-la, surge alguém,
uma autoridade que satisfaz esta necessidade servindo-se das forças de todos e
dirigindo-as à sua maneira. Se as ruas são pouco seguras e o povo não sabe se
defender, surge uma polícia que, por uns poucos serviços que presta, faz com
que a sustentem e a paguem, impõe-se a tirania. Se há necessidade de um produto
e a coletividade não sabe se entender com os produtores longínquos para que
eles enviem esse produto em troca por produtos da região, vem de fora o
negociante que se aproveita da necessidade que possuem uns de vender e outros
de comprar e impõe os preços que quer a produtores e consumidores.
Como vedes,
tudo vem sempre de nós: quanto menos estávamos organizados, mais nos
encontrávamos sob a dependência de certos indivíduos. E é normal que tivesse
sido assim.
Precisamos
estar relacionados com os camaradas das outras localidades, receber e dar
notícias, mas não podemos todos nos correspondermos com todos os camaradas. Se
estamos organizados, encarregamos alguns camaradas de manter a correspondência
por nossa conta; trocamo-os se eles não nos satisfazem, e podemos estar
informados sem depender da boa vontade de alguns para obter uma informação. Se,
ao contrário, estamos desorganizados, haverá alguém que terá os meios e a
vontade de corresponder; ele concentrará em suas mãos todos os contatos,
comunicará as notícias como bem quiser, a quem quiser. E se tiver atividade e
inteligência suficientes, conseguirá, sem nosso conhecimento, dar ao movimento
a direção que quiser, sem que nos reste a nós, a massa do partido, nenhum meio
de controle, sem que ninguém tenha o direito de se queixar, visto que este
indivíduo age por sua conta, sem mandato de ninguém e sem ter que prestar
contas a ninguém de sua conduta.
Precisamos
de um jornal. Se estamos organizados, podemos reunir os meios para fundá-lo e
fazê-lo viver, encarregar alguns camaradas de redigi-lo e controlar sua
direção. Os redatores do jornal lhe darão, sem dúvida, de modo mais ou menos
claro, a marca de sua personalidade, mas serão sempre pessoas que teremos
escolhido e que poderemos substituir. Se, ao contrário, estamos desorganizados,
alguém que tenha suficiente espírito de empreendimento fará o jornal por sua
própria conta: encontrará entre nós os correspondentes, os distribuidores, os
assinantes, e fará com que sirvamos seus desígnios, sem que saibamos ou
queiramos. E nós, como muitas vezes aconteceu, aceitaremos ou apoiaremos este
jornal, mesmo que não nos agrade, mesmo que tenhamos a opinião de que é nocivo
à Causa, porque seremos incapazes de fazer um que melhor represente nossas
idéias.
Desta
forma, a organização, longe de criar a autoridade, é o único remédio contra ela
e o único meio para que cada um de nós se habitue a tomar parte ativa e
consciente no trabalho coletivo, e deixe de ser instrumento passivo nas mãos
dos chefes.
Se não
fizer nada e houver inação, então, certamente, não haverá nem chefe, nem
rebanho; nem comandante, nem comandados, mas, neste caso, a propaganda, o
partido, e até mesmo a discussão sobre a organização, cessarão, o que,
esperamos, não é o ideal de ninguém...
Contudo,
uma organização, diz-se supõe a obrigação de coordenar sua própria ação e a dos
outros, portanto, violar a liberdade, suprimir a iniciativa. Parece-nos que o
que realmente suprime a liberdade e torna impossível a iniciativa é o
isolamento que produz a impotência. A liberdade não é direito abstrato, mas a
possibilidade de fazer algo. Isto é verdade para nós como para a sociedade em
geral. É na cooperação dos outros que o homem encontra o meio de exercer sua
atividade, seu poder de iniciativa.
Evidentemente,
organização significa coordenação de forças com um objetivo comum, e obrigação
de não promover ações contrárias a este objetivo. Mas quando se trata de
organização voluntária, quando aqueles que dela fazem parte têm de fato o mesmo
objetivo e são partidários dos mesmos meios, a obrigação recíproca que a todos
engaja obtém êxito em proveito de todos. Se alguém renuncia a uma de suas
idéias pessoais por consideração à união, isto significa que acha mais
vantajoso renunciar a uma idéia, que, por sinal, não poderia realizar sozinho,
do que se privar da cooperação dos outros no que acredita ser de maior
importância.
Se, em
seguida, um indivíduo vê que ninguém, nas organizações existentes, aceita suas
idéias e seus métodos naquilo que têm de essencial, e que em nenhuma
organização pode desenvolver sua personalidade como deseja, então estará certo
em permanecer de fora. Mas, se não quiser permanecer inativo e impotente,
deverá procurar outros indivíduos que pensem como ele, e tornar-se iniciador de
uma nova organização.
Uma outra
objeção, a última que abordaremos, é que, estando organizados, estamos mais
expostos à repressão governamental.
Parece-nos,
ao contrário, que quanto mais unidos estamos, mais eficazmente nos podemos
defender. Na realidade, cada vez que a repressão nos surpreendeu enquanto estávamos
desorganizados, colocou-nos em debandada total e aniquilou nosso trabalho
precedente. Quando estávamos organizados, ela nos fez mais bem do que mal.
Assim também no que concerne ao interesse pessoal dos indivíduos: por exemplo,
nas últimas repressões, os isolados foram tanto e talvez mais gravemente
atingidos do que os organizados. É o caso, organizados ou não, dos indivíduos
que fazem propaganda individual. Para aqueles que nada fazem e ocultam suas
convicções, o perigo é certamente mínimo, mas a utilidade que oferecem à Causa
também o é.
O único
resultado, do ponto de vista da repressão, que se obtém por estar desorganizado
é autorizar o governo a nos recusar o direito de associação e tornar possível
monstruosos processos por associação delituosa. O governo não agiria dessa
forma em relação às pessoas que afirmam de modo altivo e público, o direito e o
fato de estarem associados e, se ousasse fazê-lo, isto se voltaria contra ele e
em nosso proveito.
De resto, é
natural que a organização assuma as formas que as circunstâncias aconselham e
impõem. O importante não é tanto a organização formal, mas o espírito de
organização. Podem acontecer casos, durante o furor da reação, em que seja útil
suspender toda correspondência, cessar todas as reuniões: será sempre um mal,
mas se a vontade de estar organizado subsiste, se o espírito de associação
permanece vivo, se o período precedente de atividade coordenada multiplicou as
relações pessoais, produziu sólidas amizades e criou um real acordo de idéias
de conduta entre os camaradas, então o trabalho dos indivíduos, mesmo isolados,
participará do objetivo comum. E encontrar-se-á rapidamente o meio de nos
reunirmos de novo e repararmos os danos sofridos.
Somos como
um exército em guerra e podemos, segundo o terreno e as medidas tomadas pelo
inimigo, combater em massa ou em ordem dispersa: o essencial é que nos
consideremos sempre membros do mesmo exército, que obedeçamos todos às mesmas
idéias diretrizes e que estejamos sempre prontos a nos reunirmos em colunas compactas
quando for necessário e quando se puder fazer algo.
Tudo o que
dissemos se dirige aos camaradas que são de fato adversários do princípio da
organização. Àqueles que combatem a organização, somente porque não querem nela
entrar, ou não são aceitos, ou não simpatizam com os indivíduos que dela fazem
parte, dizemos: façam com aqueles que estão de acordo com vocês outra
organização. É verdade, gostaríamos de poder estar, todos nós, de acordo, e
reunir em um único feixe poderoso todas as forças do anarquismo. Mas não
acreditamos na solidez das organizações feitas à força de concessões e de
restrições, onde não há entre os membros simpatia e concordância real. É melhor
estarmos desunidos que mal unidos. Mas gostaríamos que cada um se unisse com
seus amigos e que não houvessem forças isoladas, forças perdidas.
ANARQUIA E ORGANIZAÇÃO
1927
Um opúsculo
francês intitulado: “Plataforma de organização da União geral dos Anarquistas
(Projeto)” caiu-me nas mãos por acaso. (Sabe-se que hoje os escritos não fascistas
não circulam na Itália.)
É um
projeto de organização anárquico, publicado sob o nome de um “Grupo de
anarquistas russos no estrangeiro” e que parece mais especialmente dirigido aos
camaradas russos. Mas trata de questões que interessam a todos os anarquistas
e, além do mais, é evidente que procura a adesão dos camaradas de todos os
países, inclusive pelo fato de ser escrito em francês. De qualquer forma, é
útil examinar, pelos russos assim como por todos, se o projeto em questão está
em harmonia com os princípios anarquistas e se sua realização serviria
realmente à causa do anarquismo. Os objetivos dos promotores são excelentes.
Eles lamentam que os anarquistas não tenham tido e não tenham, sobre os eventos
da política social, influência proporcional ao valor teórico e prático de sua
doutrina, assim como a seu número, à sua coragem, a seu espírito de sacrifício,
e pensam que a primeira razão deste insucesso relativo é a falta de uma
organização vasta, séria, efetiva.
Até aqui,
em princípio, estou de acordo.
A
organização outra coisa não é senão a prática da cooperação e da solidariedade,
é a condição natural, necessária, da vida social, é um fato inelutável que se
impõe a todos, tanto na sociedade humana em geral quanto em todo grupo de
pessoas que tenha um objetivo comum a alcançar.
O homem não
quer e não pode viver isolado, não pode sequer tornar-se verdadeiramente homem
e satisfazer suas necessidades materiais e morais senão em sociedade e com a
cooperação de seus semelhantes. É, portanto, fatal que todos aqueles que não se
organizam livremente, seja por não poderem, seja por não sentirem a imperativa
necessidade, tenham de suportar a organização estabelecida por outros
indivíduos ordinariamente constituídos em classes ou grupos dirigentes, com o objetivo
de explorar em sua própria vantagem o trabalho alheio.
A opressão
milenar das massas por um pequeno número de privilegiados sempre foi a
conseqüência da incapacidade da maioria dos indivíduos em se entender, em se
organizar sobre a base da comunidade de interesses e de sentimentos com outros
trabalhadores para produzir, para usufruir e para, eventualmente, defender-se
dos exploradores e opressores. O anarquismo vem remediar este estado de coisas
com seu princípio fundamental de livre organização, criada e mantida pela livre
vontade dos associados sem nenhuma espécie de autoridade, isto é, sem que
nenhum indivíduo tenha o direito de impor aos outros sua própria vontade. É
natural, portanto, que os anarquistas procurem aplicar à sua vida privada e à vida
de seu partido este mesmo princípio sobre o qual, segundo eles, deveria estar
fundamentada toda a sociedade humana.
Certas
polêmicas deixariam supor que há anarquistas refratários a toda organização;
mas, na realidade, as numerosas, muito numerosas discussões que mantemos sobre
esse assunto, mesmo quando são obscurecidas por questões de semântica ou
envenenadas por questões pessoais, só concernem, no fundo, ao modo e não ao
princípio de organização. Assim é que camaradas, os mais opostos, em palavras,
à organização, organizam-se como os outros e amiúde melhor do que os outros,
quando querem fazer algo com seriedade. A questão, eu repito, está toda na
aplicação.
Eu deveria
ver com simpatia a iniciativa destes camaradas russos, convicto como estou de
que uma organização mais geral, melhor formada, mais constante do que aquelas
que foram até aqui realizadas pelos anarquistas, mesmo que não conseguisse
eliminar todos os erros, todas as insuficiências, talvez inevitáveis num
movimento que, como o nosso, antecipa-se ao tempo e que, por isso, debate-se
contra a incompreensão, a indiferença e freqüentemente a hostilidade da grande
maioria, seria pelo menos, com toda certeza, um importante elemento de força e
de sucesso, um poderoso meio de fazer valer nossas idéias.
Creio ser
necessário e urgente que os anarquistas se organizem, para influir sobre a
marcha que as massas impõem em sua luta pelas melhorias e pela emancipação.
Hoje, a maior força de transformação social é o movimento operário (movimento
sindical) e de sua direção depende, em grande parte, o curso que tomarão os
eventos e o objetivo a que chegará a próxima revolução. Por suas organizações,
fundadas para a defesa de seus interesses, os trabalhadores adquirem a
consciência da opressão sob a qual se curvam e do antagonismo que os separa de
seus patrões, começam a aspirar a uma vida superior, habituam-se à vida
coletiva e à solidariedade, e podem conseguir conquistar todas as melhorias
compatíveis com o regime capitalista e estatista. Em seguida, é a revolução ou
a reação.
Os
anarquistas devem reconhecer a utilidade e a importância do movimento sindical,
devem favorecer seu desenvolvimento e fazer dele uma das alavancas de sua ação,
esforçando-se em fazer prosseguir a cooperação do sindicalismo e das outras
forças do progresso numa revolução do sindicalismo e das outras forças do
progresso numa revolução social que comporte a supressão das classes, a
liberdade total, a igualdade, a paz e a solidariedade entre todos os seres
humanos. Mas seria uma ilusão funesta acreditar, como muitos o fazem, que o
movimento operário resultará por si mesmo, em virtude de sua própria natureza,
em tal revolução. Bem ao contrário: em todos os movimentos fundados sobre
interesses materiais e imediatos (e não pode estabelecer-se sobre outros
fundamentos um vasto movimento operário), é preciso o fermento, o empurrão, a
obra combinada dos homens de idéias que combatem e se sacrificam com vistas a
um futuro ideal. Sem esta alavanca, todo movimento tende fatalmente a se
adaptar às circunstâncias, engendra o espírito conservador, o temor pelas
mudanças naqueles que conseguem obter melhores condições. Freqüentemente, novas
classes privilegiadas são criadas, esforçando-se por fazer tolerado, por
consolidar o estado de coisas que desejaria abater.
Daí a
urgente necessidade de organização propriamente anarquista que, tanto dentro
como fora dos sindicatos, lutam pela realização integral do anarquismo e
procuram esterilizar todos os germes da corrupção e da reação.
Todavia, é
evidente que para alcançar seu objetivo as organizações anarquistas devem, em
sua constituição e em seu funcionamento, estar em harmonia com os princípios da
anarquia. É preciso, portanto, que não estejam em nada impregnadas de espírito
autoritário, que saibam conciliar a livre ação dos indivíduos com a necessidade
e o prazer da cooperação, que sirvam para desenvolver a consciência e a
capacidade de iniciativa de seus membros e sejam um processo educativo no meio
em que operam e uma preparação moral e material ao futuro desejado.
O projeto
em questão responde a estas exigências? Creio que não. Acho que, ao invés de
fazer nascer entre os anarquistas um desejo maior de se organizar, ele parece
feito para confirmar o preconceito de muitos camaradas que pensam que se
organizar é submeter-se a chefes, aderir a um organismo autoritário,
centralizador, sufocando toda livre iniciativa. Com efeito, nesses estatutos,
são precisamente expressas as proposições que alguns, contra a evidência e
apesar de nossos protestos, obstinam-se em atribuir a todos os anarquistas
qualificados de organizadores.
***
Examinemos:
Inicialmente,
parece-me que é uma idéia falsa (e em todo o caso irrealizável) reunir todos os
anarquistas numa “União Geral”, isto é, assim como o precisa o Projeto, em uma
única coletividade revolucionária ativa.
Nós,
anarquistas, podemos nos dizer todos do mesmo partido se, pela palavra partido,
compreende-se o conjunto de todos aqueles que estão de um mesmo lado,
que possuem as mesmas aspirações gerais que, de uma ou de outra maneira, lutam
com o mesmo objetivo contra adversários e inimigos comuns. Mas isto não quer
dizer que seja possível – e talvez não seja desejável – reunirmo-nos todos em
uma mesma associação determinada.
Os meios e
as condições de luta diferem muito, os modos possíveis de ação que dividem a
preferência de uns e dos outros são muito numerosos, e muito numerosas também
as diferenças de temperamento e as incompatibilidades pessoas para que uma
União Geral, realizada de modo sério, não se torne um obstáculo às atividades
individuais, talvez mesmo uma causa das mais árduas lutas intestinas, ao invés
de um meio para coordenar e totalizar os esforços de todos.
Como, por
exemplo, poder-se-ia organizar, da mesma maneira e com o mesmo pessoal, uma
associação pública para a propaganda e para a agitação no seio das massas e uma
sociedade secreta, obrigada pelas condições políticas, onde opera, a esconder
do inimigo seus objetivos, seus meios, seus agentes? Como a mesma tática
poderia ser adotada pelos educacionistas persuadidos de que basta a
propaganda e o exemplo de alguns para transformar gradualmente os indivíduos e,
portanto, a sociedade, e os revolucionários convictos da necessidade de
destruir pela violência um estado de coisas que só se sustenta pela violência,
e criar, contra a violência dos opressores, as condições necessárias ao livre
exercício da propaganda e à aplicação prática das conquistas particulares, não
se amam e não se estimam, e, entretanto, podem ser igualmente bons e úteis
militantes do anarquismo?
Por outro
lado, o autores do Projeto declaram inepta a idéia de criar uma organização que
reúna os representantes das diversas tendências do anarquismo. Uma tal
organização, dizem, “incorporando elementos teóricos e praticamente
heterogêneos, outra coisa não seria senão um aglomerado mecânico de indivíduos
que têm concepção diferente de todas as questões concernentes ao movimento
anarquista; ela se desagregaria, com certeza, logo após ser colocada à prova
dos fatos e da vida real”.
Muito bem.
Mas então, se eles reconhecem a existência dos anarquistas e das outras
tendências, deverão deixar-lhes o direito de se organizar, por sua vez, e
trabalhar pela anarquia de modo que acreditarem ser o melhor. Ou eles têm a
intenção de expulsar do anarquismo, excomungar todos aqueles que não aceitam
seu programa? Eles dizem desejar reagrupar numa única organização todos os elementos
sãos do movimento libertário, e, naturalmente, terão tendência a julgar sãos
somente aqueles que pensam como eles. Mas o que farão com os elementos doentes?
Certamente
há, entre aqueles que se dizem anarquistas, como em toda coletividade humana,
elementos de diferentes valores e, pior ainda, há quem faça circular em nome do
anarquismo idéias que só tem com ele duvidosas afinidades. Mas como evitar
isso? A verdade anarquista não pode e não deve tornar-se monopólio de um
indivíduo ou de um comitê. Ela não pode depender das decisões de maiorias reais
ou fictícias. É necessário somente – e isso seria suficiente – que todos tenham
e exerçam o mais amplo direito de livre crítica, e cada um possa sustentar suas
próprias idéias e escolher seus próprios companheiros. Os fatos julgarão, em
última instância, e darão razão a quem a tem.
***
Abandonemos,
portanto, a idéia de reunir todos os anarquistas em uma única organização;
consideremos esta “União Geral” que nos propõem os russos com o que ela seria
na realidade: a união de certo número de anarquistas, e vejamos se o modo de
organização proposto está conforme aos princípios e métodos anarquistas, e se
ele pode ajudar no triunfo do anarquismo. Mais uma vez, parece-me que não. Não
ponho em dúvida o anarquismo sincero desses camaradas russos; eles querem
realizar o comunismo anarquista e procuram a maneira de chegar a ele o mais
rápido possível. Mas não basta desejar uma coisa, é preciso ainda empregar os
meios oportunos para obtê-la, assim como para ir a um lugar é preciso tomar o
caminho que a ele conduz, sob pena de chegar a outro lado. Ora, sendo a
organização proposta inteiramente do tipo autoritário, não somente não
facilitaria o triunfo do comunismo anarquista, mas ainda falsificaria o
espírito anarquista e teria resultados contrários àqueles que seus
organizadores esperam.
Com efeito,
esta “União Geral” consistiria em tantas organizações parciais que haveria secretariados
para dirigir ideologicamente a obra política e técnica, e haveria um Comitê
Executivo da União encarregado de executar as decisões tomadas pela União,
“dirigir a ideologia e a organização dos grupos em conformidade com a ideologia
e com a linha de tática geral da União”.
Isso é
anarquismo? É, na minha opinião, um governo e uma igreja. Faltam-lhe, é
verdade, a polícia e as baionetas, assim como faltam os fiéis dispostos a
aceitar a ideologia ditada de cima, mas isso significa apenas que esse governo
seria um governo impotente e impossível, e que esta igreja seria fonte de
cismas e heresias. O espírito, a tendência, permanecem autoritários, e o efeito
educativo sempre seria antianarquista.
Escutai o
que se segue: “O órgão executivo do movimento libertário geral – a União
anarquista – adota o princípio da responsabilidade coletiva; toda a União será
responsável pela atividade revolucionária e política de cada um de seus
membros, e cada membro será responsável pela atividade revolucionária e
política da União”.
Depois
dessa negação absoluta de qualquer independência individual, de toda liberdade
de iniciativa e de ação, os promotores, lembrando-se serem anarquistas,
dizem-se federalistas, e gritam contra a centralização cujos resultados
inevitáveis são, segundo dizem, a subjugação e a mecanização da vida social e
da vida dos partidos.
Mas se a
União é responsável do que faz cada um de seus membros, como deixar a cada
membro em particular e aos diferentes grupos a liberdade de aplicar o programa
comum do modo que eles julguem melhor? Como se pode ser responsável por um ato
se não se possui a faculdade de impedi-lo? Conseqüentemente, a União, e por ela
o Comitê Executivo, deveria vigiar a ação de todos os membros em particular, e
prescrever-lhes o que devem ou não fazer, e como a condenação do fato consumado
não atenua a responsabilidade formalmente aceita de antemão, ninguém poderia
fazer o que quer que fosse antes de ter obtido a aprovação, a permissão do
Comitê. E, por outro lado, pode um indivíduo aceitar a responsabilidade dos
atos de uma coletividade antes de saber o que fará ela? Como pode impedi-la de
fazer o que ele desaprova?
Além disso,
os autores do Projeto dizem que a União quer e dispõe. Mas quando se diz
vontade da União, entende-se vontade de todos os seus membros? Neste caso, para
que a União possa agir seria preciso que todos os seus membros, em todas as
questões, tenham sempre exatamente a mesma opinião. Ora, é natural que todos
estejam de acordo quanto aos princípios gerais e fundamentais, sem o que não
estariam unidos, mas não se pode supor que seres pensantes sejam todos e sempre
da mesma opinião sobre o que convém fazer em todas as circunstâncias, e sobre a
escolha das pessoas a quem confiar a tarefa de executar e dirigir.
Na
realidade, assim como resulta do próprio texto do Projeto – por vontade da
União só se pode entender a vontade da maioria, vontade expressada por
Congressos que nomeiam e controlam o Comitê Executivo e decidem sobre todas as
questões importantes. Os Congressos, naturalmente, seriam compostos por
representantes eleitos por maioria em cada grupo aderente, e esses
representantes decidiriam o que deveria ser feito, sempre pela maioria dos
votos. Desta forma, na melhor hipótese, as decisões seriam tomadas por uma
maioria da maioria, que poderia muito bem, particularmente quando as opiniões
em oposição fossem mais de duas, não representar mais do que uma minoria.
Deve-se,
com efeito, observar que, nas condições em que vivem e lutam os anarquistas,
seus Congressos são ainda menos representativos do que os Parlamentos
burgueses, e seu controle sobre os órgãos executivos, se estes possuem um poder
autoritário, raramente se manifesta a tempo e de maneira eficaz. Aos Congressos
anarquistas, na prática, vai quem quer e pode, quem tem ou consegue o dinheiro
necessário e não é impedido por medidas policiais. Há, nesses Congressos,
tantos daqueles que só representam eles mesmos, ou a pequeno número de amigos,
quantos daqueles que representam, de fato, as opiniões e os desejos de uma
coletividade numerosa. Salvo as precauções a serem tomadas contra os traidores
e espiões, e também por causa dessas mesmas precauções necessárias, é
impossível uma séria verificação dos mandatos e de seu valor.
De qualquer
modo, estamos em pleno sistema majoritário, em pleno parlamentarismo.
Sabe-se que
os anarquistas não admitem o governo da maioria (democracia), assim como
também não admitem o governo de um pequeno número (aristocracia, oligarquia,
ditadura de classe ou de partido), nem o de um único (autocracia, monarquia
ou ditadura pessoal).
Os
anarquistas fizeram mil vezes a crítica do governo dito de maioria, o que, na
aplicação prática sempre conduz ao domínio de uma pequena minoria. Será preciso
que eles a refaçam para o uso de nossos camaradas russos?
É verdade,
os anarquistas reconhecem que, na vida em comum, é com freqüência necessário
que a minoria se conforme com a opinião da maioria. Quando há necessidade ou
utilidade evidente de fazer uma coisa e, para fazê-la, é necessário o concurso
de todos, a minoria deve sentir a necessidade de se adaptar à vontade da
maioria. Por sinal, em geral, para viver juntos, em paz e sob um regime de
igualdade, é necessário que todos estejam animados de espírito de concórdia, de
tolerância, de flexibilidade. Todavia, esta adaptação, de parte dos associados
à outra parte, deve ser recíproca, voluntária, derivar da consciência da
necessidade e da vontade de cada um em não paralisar a vida social, por sua
obstinação. Ela não deve ser imposta como princípio e como regra estatutária. É
um ideal que, talvez, na prática da vida social geral, será difícil realizar de
modo absoluto, mas é certo que todo agrupamento humano é tanto mais vizinho da
anarquia quando a concordância entre a minoria e a maioria é mais livre, mais
espontânea, imposta somente pela natureza das coisas.
Assim, se
os anarquistas negam, à maioria, o direito de governar a sociedade humana
geral, onde o indivíduo é, todavia, obrigado a aceitar certas restrições, visto
que não pode isolar-se sem renunciar às condições da vida humana, se querem que
tudo se faça pelo livre acordo entre todos, como é possível que adotem o
governo da maioria em suas associações essencialmente livres e voluntárias e
que comecem por declarar que se submetem às decisões da maioria, antes mesmo de
saber quais elas serão?
Que a
anarquia, a livre organização sem domínio da maioria sobre a minoria, e
vice-versa, seja qualificada, por aqueles que não são anarquistas, de utopia
irrealizável, ou somente realizável em um futuro longínquo, isto se compreende;
mas é inconcebível que aqueles que professam idéias anarquistas e desejariam
realizar a anarquia, ou, pelo menos, aproximar-se dela, seriamente, hoje, ao
invés de amanhã, reneguem os princípios fundamentais do anarquismo na própria
organização pela qual eles se propõem combater pelo seu triunfo.
***
Uma
organização anarquista deve, na minha opinião, ser estabelecida sobre bases
diferentes daquelas que nos propõem esses camaradas russos. Plena autonomia,
plena independência e, conseqüentemente, plena responsabilidade dos indivíduos
e dos grupos; livre acordo entre aqueles que crêem ser útil unir-se para
cooperar em um trabalho comum, dever moral de manter os engajamentos assumidos
e de nada fazer que esteja em contradição com o programa aceito. Sobre essas
bases, adaptam-se as formas práticas, os instrumentos aptos a dar vida real à
organização: grupos, federações de grupos, federações de federações, reuniões,
congressos, comitês encarregados da correspondência ou de outras funções. Mas
tudo isso deve ser feito livremente, de maneira a não entravar o pensamento e a
iniciativa dos indivíduos, e somente para dar mais alcance a resultados que
seriam impossíveis ou mais ou menos ineficazes se estivessem isolados.
Dessa
maneira, os Congressos, em uma organização anarquista, ainda que sofrendo,
enquanto corpos representativos, de todas as imperfeições que assinalei, estão
isentos de todo autoritarismo porque não fazem a lei, não impõem aos outros
suas próprias deliberações. Servem para manter e ampliar as relações pessoais
entre os camaradas mais ativos, para resumir e provocar o estudo de programas
sobre formas e meios de ação, mostrar a todos a situação das diversas regiões e
a ação mais urgente em cada uma delas, para formular as diversas opiniões
existentes entre os anarquistas e delas fazer um tipo de estatística. Suas
decisões não são regras obrigatórias, mas sugestões, conselhos, proposições a
submeter a todos os interessados; elas só se tornam obrigatórias e executivas
para aqueles que as aceitam, e só até o ponto em que as aceitam. Os órgãos
administrativos que eles nomeiam – Comissão de correspondência etc. – não têm
nenhum poder de direção, só tomam iniciativas, não possuem nenhuma autoridade
para impor seus próprios pontos de vista, que podem seguramente sustentar e
propagar enquanto grupos de camaradas, mas que não podem apresentar como
opinião oficial da organização. Publicam as resoluções dos Congressos, as
opiniões e as proposições que grupos e indivíduos lhes comunicam; são úteis a
quem quiser deles se servir para estabelecer relações mais fáceis entre os
grupos e para a cooperação entre aqueles que estão em concordância em diversas
iniciativas, mas todos livres para se corresponderem com quem bem entendam ou
se servirem de outros comitês nomeados por agrupamentos especiais. Numa
organização anarquista, cada membro pode professar todas as opiniões e empregar
todas as táticas que não estejam em contradição com os princípios aceitos e não
prejudiquem a atividade dos outros. Em todos os casos, determinada organização
dura enquanto as razões de união forem mais fortes do que as razões de
dissolução, e dê lugar a outros agrupamentos mais homogêneos. É certo que a
duração, a permanência de uma organização é condição de sucesso na longa luta
que devemos sustentar e, por outro lado, é natural que toda instituição aspire,
por instinto, a durar indefinidamente. Todavia, a duração de uma organização
libertária deve ser a conseqüência da afinidade espiritual de seus membros e
das possibilidades de adaptação de sua constituição às mudanças das
circunstâncias; quando já não é mais capaz de missão útil, é melhor que
desapareça.
Esses
camaradas russos acharão, talvez, que uma organização, tal como concebo, e tal
como já foi realizada, mais ou menos bem, em diferentes épocas, é de pouca
eficácia. Eu compreendo. Esses camaradas estão obcecadas pelo sucesso dos
bolchevistas em seu país; eles desejariam, a exemplo destes, reunir os
anarquistas em um tipo de exército disciplinado que, sob a direção ideológica e
prática de alguns chefes, marchasse, compacto, ao assalto dos regimes atuais e
que, obtida a vitória material, dirigisse a constituição da nova sociedade. E
talvez seja verdade que, com este sistema, admitindo que anarquistas prestem-se
a isso, e que os chefes sejam homens de gênio, nossa força material se tornaria
maior. Mas par que resultados? Não aconteceria com o anarquismo o que
aconteceu, na Rússia, com o socialismo e com o comunismo? Esses camaradas estão
impacientes com o sucesso, nós também, mas não se deve, para viver e vencer,
renunciar às razões da vida e desnaturar o caráter da eventual vitória.
Queremos combater e vencer, mas como anarquistas e pela anarquia.
SINDICALISMO E ANARQUISMO
Umanità
Nova, 06/04/1922.
Convidado
e quase forçado, com gentileza, a falar na sessão de encerramento do último
congresso da União Sindical Italiana, pronunciei palavras que escandalizaram os
“sindicalistas puros”, que desagradaram certos camaradas, sem dúvida porque as
consideram inoportunas, e, o que é pior, receberam aplausos mais ou menos
interessados de pessoas estranhas à União Sindical, distantes de minhas idéias
e de meu pensamento.
Todavia,
outra coisa não faço senão repetir opiniões já mil vezes por mim expressadas, e
que me parecem fazer, integralmente, parte do programa anarquista! É, portanto,
útil retomar a questão.
Não
se deve confundir o “sindicalismo”, que quer para si uma doutrina e um método
para resolver a questão social, com a propaganda, a existência e a atividade
dos sindicatos operários.
Os
sindicatos operários (as ligas de resistências e as outras manifestações do
movimento operário) são sem dúvida alguma úteis: eles são até mesmo uma fase
necessária da ascensão do proletariado. Eles tendem a dar consistência aos
trabalhadores de suas reais posições de explorados e escravos; desenvolvem
neles o desejo de mudar de situação; habituam-nos à solidariedade e à luta, e
pela prática da luta, fazem-nos compreender que os patrões são inimigos e que o
governo é o defensor dos patrões. A melhoria que se pode obter por meio das
lutas operárias é certamente pouca, visto que o princípio de exploração e de
opressão de uma classe por outra permanece, visto que estas melhorias correm o
risco de serem sempre ilusórias e de serem suprimidas imediatamente pelo jogo
das forças econômicas das classes superiores. Todavia, mesmo sendo incertas e
ilusórias, essas melhorias servem, entretanto, para impedir que a massa se
adapte e se embruteça em uma miséria sempre igual, que aniquila o próprio
desejo de uma vida melhor. A revolução que nós queremos, feita pela massa e
desenvolvendo-se por sua ação, sem imposição de ditaduras, nem declarada, nem
insidiosa, teria dificuldade para se produzir e se consolidar sem a presença
anterior de um grande movimento de massa.
De
resto, o que quer que disso se possa pensar, o movimento sindical é um fato que
se impõe e não necessita de nosso reconhecimento para existir. Ele é fruto
natural, nas condições sociais atuais, da primeira revolta dos operários. Seria
absurdo, e até mesmo prejudicial, querer que os trabalhadores renunciem às
tentativas de obter melhorias imediatas, mesmo pequenas, à espera da total
emancipação que deverá ser o produto da transformação social completa, feita
pela revolução.
É
por isso que nós, anarquistas, preocupados antes de mais nada com a realização
de nosso ideal, longe de nos desinteressarmos pelo movimento operário, devemos
tomar parte ativa nele e procurar fazer com que, ainda que se adaptando às
contingências necessárias das pequenas lutas cotidianas, tenha a atitude mais
crítica possível, segundo nossas aspirações, e torne-se um meio eficaz de
elevação moral e de revolução.
Mas
tudo isso não é o “sindicalismo”, que quer ser doutrina e prática em si, e que
sustenta que a organização operária, feita para a resistência e para a luta
real por melhorias atualmente acessíveis, conduz naturalmente, ao se ampliar, à
completa transformação das instituições sociais; sindicalismo que seria a
condição e a garantia de uma sociedade igualitária e libertária.
A
tendência de cada um a dar grande importância ao que crê, é fato muito
compreensível. Alguns indivíduos, tocados pelo antialcoolismo, pelo
neo-malthusianismo, pela língua internacional etc, acabaram vendo em sua
propaganda minúscula e fragmentária a panacéia para todos os males da
sociedade. Não é surpreendente que aqueles que consagraram todo o seu
entusiasmo, toda a sua atividade a um objetivo tão importante e vasto quanto o
movimento operário, acabem, amiúde, por fazer dele um remédio universal e
suficiente em si.
E,
na realidade, houve, principalmente na França, anarquistas que entraram para o
movimento operário com as melhores intenções, para levar nossa mensagem e
propagar nossos métodos ao meio das massas, que foram, em seguida, absorvidos e
transformados, exclamando que “o socialismo basta a si mesmo”, e acabarão, em
breve, por deixarem de ser anarquistas. Isto para não falar daqueles que
traíram conscientemente e que abandonaram até mesmo o sindicalismo, e, sob o
pretexto de “união sagrada”, puseram-se a serviço do governo e dos patrões.
Mas
se a embriaguez sindicalista é explicável e perdoável, esta é uma razão a mais
para se estar vigilante e para não privilegiar um meio, uma forma de luta potencialmente
revolucionária, pois, deixados a eles mesmos, podem tornar-se instrumento de
conservação dos privilégios e de adaptação das massas mais evoluídas às
instituições sociais atuais.
O
movimento operário, apesar de todos os seus méritos e de toda a sua
potencialidade, não pode ser em si um movimento revolucionário, no sentido da
negação das bases jurídicas e morais da sociedade atual.
Cada
nova organização pode, dentro do espírito dos fundadores e dos estatutos, ter
as aspirações mais elevadas e os objetivos mais seguros, mas se quiser exercer
a função própria do sindicato operário, isto é, a defesa atual dos interesses
de seus membros, deve reconhecer, de fato, as instituições que nega em teoria,
adaptar-se às circunstâncias e tentar obter, pouco a pouco, o máximo possível,
fazendo acordos e transigindo com patrões e governo.
Numa
palavra, o sindicato operário é, por sua natureza, reformista, não
revolucionário. O espírito revolucionário deve ser-lhe levado, desenvolvido e
mantido pelo trabalho constante dos revolucionários que agem fora e dentro do
sindicato, mas ele não pode provir de prática natural e normal. Ao contrário,
os interesses atuais e imediatos dos operários associados, que o sindicato tem
por missão defender, estão, com muita freqüência, em contradição com as
aspirações ideais e futuras. O sindicato só pode fazer ação revolucionária se
estiver impregnado do espírito de sacrifício, à medida que o ideal esteja
situado acima dos interesses, quer dizer, somente na medida em que cesse de ser
sindicato econômico para se tornar grupo político fundado sobre um ideal, o que
é impossível nas grandes organizações que necessitam, para agir, do
consentimento das massas, sempre mais ou menos egoístas, medrosas e lentas.
Mas
não é o pior.
A
sociedade capitalista é feita de tal maneira que, em geral, os interesses de
cada classe, de cada categoria, de cada indivíduo, estão em contradição com os
de todas as outras classes, categorias e indivíduos. Na vida prática,
observam-se as alianças e as oposições mais curiosas entre classes e indivíduos
que, do ponto de vista de justiça social, deveriam ser cada vez mais amigos ou
cada vez mais inimigos. Acontece amiúde que, a despeito da solidariedade
proletária tão proclamada, os interesses de uma categoria de operários sejam
opostos àqueles de outros operários e se harmonizem com os de uma parte dos
patrões. Assim, também, acontece que, a despeito da fraternidade internacional
tão desejada, os interesses atuais dos operários de um país os liguem aos capitalistas
autóctones e os façam lutar contra os trabalhadores estrangeiros: por exemplo,
as diferentes tomadas de posição das organizações operárias sobre a questão das
tarifas alfandegárias, e a vontade de participação das massas operárias nas
guerras entre os Estados capitalistas.
Não
me prolongarei citando numerosos exemplos de oposições de interesses entre as
diferentes categorias de produtores e consumidores, em razão da falta de
espaço, e também porque estou cansado de repetir o que já disse tantas vezes: o
antagonismo entre os assalariados e os desempregados, os homens e as mulheres,
os operários nacionais e estrangeiros, os trabalhadores do setor público e os
trabalhadores que utilizam este setor, entre aqueles que conhecem uma profissão
e os que querem aprender, etc.
Lembrarei
aqui o interesse que os operários das indústrias de luxo têm de que as classes
ricas sejam prósperas, assim como aqueles das múltiplas categorias de
trabalhadores de diferentes localidades que querem que os “negócios” progridam,
mesmo às custas das outras localidades e da produção necessária às massas. E
que dizer dos trabalhadores que estão nas indústrias perigosas para a
sociedade, e dos indivíduos que simplesmente não possuem outros meios para
ganhar sua vida? Tentai, portanto, em tempo normal, quando não se crê na
iminência da revolução, persuadir os operários dos estaleiros, ameaçados pela
falta de trabalho, a não pedir ao governo a construção de um novo cruzador. E
tentai resolver, se o podeis, por meios sindicais e sem desfavorecer ninguém, o
conflito dos doqueiros que outro meio não têm para assegurar sua vida senão
monopolizar o trabalho em sua vantagem, e os recém-chegados, os “não oficiais”,
que exigem seu direito ao trabalho e à vida!
Tudo
isso, e muitas outras coisas que se poderiam dizer, mostra que o movimento
operário em si, sem o fermento das idéias revolucionárias, em oposição aos
interesses presentes e imediatos dos operários, sem a crítica e o impulso dos
revolucionários, longe de conduzir à transformação da sociedade em proveito de
todos, tende a fomentar egoísmos de categorias e a criar uma classe de
operários privilegiados, acima da grande massa dos deserdados.
Assim
se explica o fato segundo o qual em todos os países, todas as organizações
operárias, à medida em que cresceram e se reforçaram, tornaram-se conservadoras
e reacionárias. Aqueles que consagraram ao movimento operário seus esforços,
honestamente, tendo como objetivo uma sociedade de bem-estar e de justiça para
todos, estão condenados a um trabalho de Sísifo, e devem sempre recomeçar do
zero.
Não
é verdade, como garantem os sindicalistas, que a organização operária de hoje
servirá de quadro à sociedade futura e facilitará a passagem do regime burguês
para o regime igualitário.
É
uma idéia que estava em vigor entre os membros da 1ª Internacional. E se minha
memória não falha, encontra-se, nos escritos de Bakunin, que a nova sociedade
seria realizada pelo ingresso de todos os trabalhadores nas seções da
Internacional.
Todavia,
parece-me que é um erro.
Os
quadros das organizações operárias atuais correspondem às condições
contemporâneas da vida econômica, resultante da evolução histórica da sociedade
e da imposição do capitalismo. Mas a nova sociedade só pode ser feita
destruindo os quadros e criando novos organismos correspondentes às novas
condições e aos novos objetivos sociais.
Os
operários estão hoje agrupados segundo as profissões que exercem, as indústrias
às quais pertencem, segundo os patrões contra os quais devem lutar, ou o
comércio ao qual estão ligados. Para que servirão esses agrupamentos quando,
após a supressão do patronato e a transformação das relações comerciais, boa
parte das profissões e das indústrias atuais tiverem desaparecido, algumas em
definitivo, por serem inúteis e perigosas, outras momentaneamente, porque,
ainda que úteis no futuro, não teriam razão de ser nem possibilidades no
período agitado da crise social? Para que servirão, para citar um exemplo entre
mil, as organizações dos trabalhadores de mármore de Carrara, quando for
necessário que eles partam para cultivar a terra, para aumentar a produção
alimentícia, deixando para o futuro a construção dos monumentos e dos palácios
de mármore?
Evidentemente,
as organizações operárias, em particular sob a forma cooperativa (que tendem,
por outro lado, em regime capitalista, a minar a resistência operária), podem
servir para desenvolver nos trabalhadores capacidades técnicas e
administrativas. Entretanto, no momento da revolução e da reorganização social,
devem desaparecer e se fundir em novos grupamentos populares que as
circunstâncias exigirem. É objetivo dos revolucionários tentar impedir que
neles se desenvolva um espírito corporativista, que seria obstáculo à
satisfação das novas necessidades da sociedade.
Desta
forma, segundo minha opinião, o movimento operário é um meio a ser utilizado
hoje para elevar e educar as massas, para o inevitável choque revolucionário.
Mas é um meio que apresenta inconvenientes e perigos. Nós, anarquistas, devemos
trabalhar para neutralizar esses inconvenientes, evitar esses perigos, e
utilizar, tanto quanto possível, o movimento para nossos fins.
Isto
não quer dizer que desejaríamos, como já foi dito, submeter o movimento
operário ao nosso partido. Estaríamos de certo contentes se todos os operários,
todos os homens, fossem anarquistas, o que é a tendência ideal de todo
propagandista. Mas, neste caso, a anarquia seria uma realidade, e estas
discussões seriam inúteis.
No
estado atual das coisas, queremos que o movimento operário, aberto a todas as
correntes de idéias e tomando parte em todos os aspectos da vida social,
econômica e moral, viva e se desenvolva sem nenhuma dominação de partido, do
nosso assim como dos outros.
Para
nós, não é muito importante que os trabalhadores queiram mais ou menos: o
importante é que aqueles que queiram, procurem conquistar, com sua força, sua ação
direta, em oposição aos capitalistas e ao governo.
Uma
pequena melhoria, arrancada pela força autônoma, vale mais por causa de seus
efeitos morais e, a longo prazo, mesmo seus efeitos materiais, do que uma
grande reforma concedida pelo governo ou pelos capitalistas com finalidades
enganadoras, ou mesmo por pura e simples gentileza.
A GREVE GERAL
Umanità
Nova, n.º 132
7
de junho de 1922
A
“greve geral” é, sem nenhuma dúvida, uma arma poderosa nas mãos do
proletariado; ela é ou pode ser um modo e a ocasião de desencadear uma
revolução social radical.
Entretanto,
eu me pergunto se a idéia da greve geral não fez mais mal do que bem à causa da
revolução!
Na
realidade, creio que no passado o mal levou a melhor sobre o bem, e hoje
poderia ser o contrário, ou seja, a greve geral poderia ser um meio eficaz de
transformação social, mas sob a condição de compreendê-la e de utilizá-la de
uma forma diferente daquela praticada pelos seus antigos partidários.
Nos
primeiros momentos do movimento socialista, e em particular na Itália, durante
a 1.ª Internacional, quando a lembrança das lutas dos mazzinianos ainda estava
bem recente e uma grande parte dos homens que haviam combatido pela “Itália”
nas fileiras do exército de Garibaldi ainda vivia, desiludida e indignada pelo
massacre que os monarquistas e os capitalistas perpetravam contra a “pátria”,
estava perfeitamente claro que o regime defendido pelas baionetas só podia ser
derrubado se se convencesse uma parte dos soldados a defender o povo e a
derrotar, pela luta armada, as forças da polícia e os soldados que tivessem
permanecido fiéis à disciplina.
É
por esta razão que se conspirava, quer dizer, que se fazia uma
propaganda ativa entre os soldados, procurava armar-se, preparavam-se planos de
ação militar.
A
bem da verdade, os resultados eram pequenos porque éramos pouco numerosos,
porque os objetivos sociais pelos quais se queria fazer a revolução eram
desconhecidos e rejeitados pelo conjunto da população; porque, em suma, “os
tempos não estavam maduros”.
Mas
a vontade de preparar a insurreição existia e ela encontrava pouco a pouco o
meio de realizá-la; a propaganda começava a tocar mais pessoas e a dar seus
frutos; “os tempos amadureciam”, o que em parte era devido à ação direta dos
revolucionários e ainda mais à evolução econômica que, aguçando o conflito
entre os trabalhadores e os patrões, desenvolvia a consciência deste conflito,
do qual os revolucionários tiravam partido.
As
esperanças colocadas na revolução social aumentavam, e parecia certo que
através das lutas, das perseguições, das tentativas mais ou menos
“inconsideradas” e infelizes, as paradas e as retomadas de atividade febril,
chegar-se-ia, em um tempo bastante breve, a desencadear a explosão final e
vitoriosa que deveria abater o regime político e econômico em vigor e abrir a
via a uma evolução mais livre ruma a novas formas de vida em comum, fundada
sobre a liberdade de todos, sobre a justiça para todos, sobre a fraternidade e
a solidariedade para todos.
*
* *
Mas o marxismo
veio frear através de seus dogmas e de seu fatalismo o ímpeto voluntarista da
juventude socialista (na época os anarquistas também se chamavam socialistas).
E
infelizmente, com suas aparências científicas (estava-se em plena embriaguez cientificista),
o marxismo ludibriou, atraiu e desviou a maioria dos anarquistas.
Os
marxistas puseram-se a dizer que “a revolução não se faz, ela surge”; diziam
que o socialismo viria necessariamente seguindo “o curso natural e fatal das
coisas” e que o fator político (a força, a violência posta ao serviço dos
interesses econômicos) não tinha nenhuma importância, e o fator econômico
determinava a vida social por completo. E, assim, a preparação da insurreição
foi deixada de lado e praticamente abandonada.
Eu
gostaria de observar que se os marxistas desprezavam toda luta política quando
se tratava de uma luta que tendia à insurreição, eles decidiram repentinamente
que a política era o principal meio, e quase o único, para fazer triunfar o
socialismo, tão logo eles entreviram a possibilidade de entrar para o
Parlamento e dar à luta política o sentido restritivo de luta eleitoral. E se
aplicaram, assim, a apagar nas massas todo entusiasmo pela ação insurrecional.
Foi
então que, diante deste estado de coisas e deste estado de espírito geral que a
idéia da greve geral foi lançada e acolhida com entusiasmo por aqueles que não
tinham confiança na ação parlamentar e que viam na greve geral uma via nova e
promissora que se abria à ação popular.
Todavia,
por infelicidade, a maioria não via na greve geral um meio para levar as massas
à insurreição, isto é, a abater o poder político pela violência e a tomar posse
da terra, dos meios de produção de toda a riqueza social. Para eles, a greve
geral substituía a insurreição; viam nela um meio para “tornar faminta a
burguesia” e faze-la capitular sem combater.
E
como é fatal que o cômico e o grotesco estejam sempre juntos, até mesmo nas
coisas mais sérias, houve quem empreendesse a busca de ervas e de “pílulas”
capazes de sustentar indefinidamente o corpo humano sem que seja necessário
alimentar-se; e isso, a fim de assinalá-las aos trabalhadores e coloca-los em
condições de esperar, em um jejum pacífico, que os burgueses viessem apresentar
suas desculpas e pedir perdão.
Eis
porque eu estimo que a idéia da greve geral fez mal à revolução.
Mas
espero e acredito que esta ilusão – fazer capitular a burguesia, tornando-a
faminta – desapareceu completamente; e se ela permaneceu, os fascistas se
encarregaram de dissipá-la.
A
greve geral de protesto, para apoiar reivindicações de ordem econômica e
política compatíveis com o regime, pode ser útil se é feita em momento
propício, quando o governo e os patrões acham oportuno ceder de uma só vez, por
medo do pior. Mas não se deve esquecer que é preciso comer todos os dias e que,
se a resistência se prolonga, ainda que por poucos dias, é preciso curvar-se
ignominiosamente sob o jugo dos patrões, ou então se insurgir... Mesmo que o
governo ou as forças especiais da burguesia não tomem a iniciativa da
violência.
Conclui-se
daí que se faz uma greve geral, seja para resolver definitivamente o problema,
ou com objetivos transitórios, deve-se estar decidido e preparado a resolver a
questão pela força.
O CONGRESSO DE AMSTERDÃ
Prefácio
do relatório do Congresso
Anarquista,
Amsterdã, Les Temps
Nouveaux,
Paris, 05/10/1907.
A
primeira tendência foi representada principalmente pelo camarada Monatte, da
C.G.T, com um grupo que ele fez questão de denominar “jovens”, apesar dos
protestos dos jovens, bem mais numerosos, de tendência oposta.
Monatte,
em seu extraordinário relatório, falou-nos longamente do movimento sindicalista
francês, de seus métodos de luta, dos resultados morais e materiais aos quais
já chegou, e concluiu afirmando que o sindicalismo basta-se a si mesmo como
meio para realizar a revolução social e realizar a anarquia.
Contra
esta última afirmação intervi energicamente. O sindicalismo, disse, mesmo
ganhando consistência com o adjetivo revolucionário, só pode ser um movimento
legal, movimento que luta contra o capitalismo no meio econômico e político que
o Capitalismo e o Estado lhe impõem. Não tem, portanto, saída, e nada poderá
obter de permanente e geral, senão deixando de ser sindicalismo, ligando-se não
mais à melhoria das condições dos assalariados e à conquista de algumas
liberdades, mas à expropriação da riqueza e à destruição radical da organização
estatista.
Reconheço
toda a utilidade, até mesmo a necessidade da participação ativa dos anarquistas
no movimento operário, e não preciso insistir para que acreditem em mim, pois
fui um dos primeiros a lamentar a atitude de isolamento altivo tomada pelos
anarquistas depois da dissolução da antiga Internacional, e a incitar novamente
os camaradas na via que Monatte, esquecendo a história, denomina nova. Mas isto
só é útil sob a condição de permanecermos anarquistas antes de tudo, e não
deixemos de considerar todo o resto do ponto de vista da propaganda e da ação
anarquistas. Não peço que os sindicatos adotem um programa anarquista e que
sejam compostos só por anarquistas: – neste caso, eles seriam inúteis, porque
seriam a repetição dos agrupamentos anarquistas, e não mais teriam a qualidade
que os torna caros aos anarquistas, ou seja, a de ser um campo de propaganda
hoje, e um meio, amanhã; a de conduzir a massa à rua e faze-la assumir o
controle da posse das riquezas e da organização da produção para a
coletividade. Desejo sindicatos amplamente abertos a todos os trabalhadores que
comecem a sentir a necessidade de se unirem com seus camaradas para lutar
contra os patrões; todavia, também conheço todos os perigos que representam,
para o futuro, agrupamentos feitos com o objetivo de defender, na sociedade
atual, interesses particulares, e peço que os anarquistas, que estão nos
sindicatos, dêem-se por missão salvaguardar o futuro, lutando contra a
tendência natural desses agrupamentos de se tornarem corporações fechadas, em
antagonismo com outros proletários, ainda mais do que com os patrões.
A
causa do mal-entendido talvez possa ser encontrada na crença, segundo minha
opinião, errônea, ainda que geralmente aceita, segundo a qual os interesses dos
operários são solidários, e que, conseqüentemente, basta que operários
ponham-se a defender seus interesses e a perseguir a melhoria de suas condições
para que sejam, naturalmente, levados a defender os interesses de todo o
proletariado contra o patronato.
A
verdade é, segundo meu ponto de vista, bem diferente. Os operários suportam,
como todo mundo, a lei de antagonismo geral, que deriva do regime da
propriedade individual; eis porque os agrupamentos de interesses, sempre
revolucionários, no início, enquanto são fracos e necessitam da solidariedade
dos outros tornam-se conservadores e exclusivistas quando adquirem força, e,
com a força, a consciência de seus interesses particulares. A história do
trade-unionismo inglês e americano está aí para mostrar a maneira como se
produziu essa degenerescência do movimento operário, quando ele se limita à
defesa dos interesses atuais.
É
somente com vistas a uma transformação completa da sociedade que o operário
pode se sentir solidário com o operário, o oprimido solidário com o oprimido; e
é papel dos anarquistas manter ardente, por muito tempo, o fogo do ideal,
procurando orientar, tanto quanto possível, todo o movimento para as conquistas
do futuro, para a revolução, inclusive, se preciso for, em detrimento das
pequenas vantagens que pode hoje obter qualquer fração da classe operária, e
que, freqüentemente, só são obtidas às expensas de outros trabalhadores e do
público consumidor.
Mas
para poder representar esse papel de elementos propulsores nos sindicatos, é
preciso que os anarquistas proíbam-se de ocupar cargos, principalmente cargos
remunerados.
Um
anarquista funcionário permanente e estipendiado de um sindicato é um homem
perdido como anarquista. Não digo que algumas vezes não possa fazer bem; mas é
um bem que fariam em seu lugar, e melhor do que ele, homens de idéias menos
avançadas, enquanto ele, para conquistar e conservar seu emprego deve
sacrificar suas opiniões pessoais e, com freqüência, fazer coisas que outro
objetivo não têm senão o de se fazer perdoar pelo pecado original de ser
anarquista.
Por
sinal, a questão é clara. O sindicato não é anarquista, e o funcionário é
nomeado e pago pelo sindicato: se ele trabalha pelo anarquismo, põe-se em
oposição com aqueles que pagam e, em pouco tempo, perde seu cargo ou é causa de
dissolução do sindicato; se, ao contrário, ele cumpre a missão para a qual foi
nomeado, segundo a vontade da maioria, então, adeus anarquismo.
Fiz
observações análogas em relação a esse meio de união próprio do sindicalismo: a
greve geral. Devemos aceitar, dizia, e propagar a idéia da greve geral como um
meio muito cômodo de começar a revolução, mas não devemos criar a ilusão de que
a greve geral poderá substituir a luta armada contra as forças do Estado.
Foi
dito, amiúde, que os operários poderão, pela greve, tornar os burgueses
famintos e conduzi-los à composição. Eu não poderia imaginar absurdo maior que
este. Os operários estariam mortos de fome muito tempo antes que os burgueses,
que dispõem de todos os produtos acumulados, começassem a sofrer seriamente.
O
operário, que nada possui, não mais recebendo seu salário, deverá se apoderar
dos produtos pela força bruta: encontrará os policiais, os soldados e os
próprios burgueses, que desejarão impedi-lo; e a questão deverá se resolver, em
pouco tempo, por tiros de fuzil, bombas, etc. A vitória ficará com quem souber
ser mais forte. Preparemo-nos, portanto, para essa luta necessária, ao invés de
limitarmo-nos a pregar a greve geral como uma espécie de panacéia que deverá
resolver todas as dificuldades. Por sinal, mesmo como maneira para começar a
revolução, a greve geral só poderá ser empregada de maneira muito relativa. Os
serviços de alimentação, inclusive os dos transportes dos gêneros alimentícios,
não admitem uma interrupção prolongada: é preciso, portanto, apoderar-se revolucionariamente
dos meios para assegurar o aprovisionamento, antes que a greve se tenha
desenvolvido, por si mesma, em insurreição. Preparar-se para fazer isso não
pode ser o papel do sindicalismo: este poderá apenas fornecer a massa para
poder realizá-la.
Sobre
essas questões assim expostas por Monatte e por mim, travou-se uma discussão
muito interessante, ainda que um pouco sufocada pela falta de tempo e pela
necessidade enfadonha de tradução em vários idiomas. Concluiu-se propondo
várias resoluções, mas não me parece que as diferenças de tendência tenham sido
satisfatoriamente definidas; é preciso mesmo muita perspicácia para
descobri-lo, e, com efeito, a maioria dos congressistas não o descobriu em
absoluto e votou igualmente as diferentes resoluções.
Isto
não impede que duas tendências bem reais se tenham manifestado, ainda que a
diferença exista mais no desenvolvimento futuro previsto do que nas intenções
atuais das pessoas.
Estou
convencido, com efeito, que Monatte e o grupo dos “jovens” são tão sincera e
profundamente anarquistas quanto qualquer “experimentado”. Eles lamentariam
conosco as faltas que se produziriam entre os funcionários sindicalistas;
entretanto, eles as atribuiriam a fraquezas individuais. Eis o erro. Se se
tratasse de faltas imputáveis a indivíduos, o mal não seria grande: os fracos
desaparecem rapidamente e os traidores são logo reconhecidos e colocados na
impossibilidade de prejudicar. Mas o que torna o mal sério, é que ele depende
das circunstâncias nas quais os funcionários sindicalistas se encontram.
Convido nossos amigos anarquistas sindicalistas a refletir sobre isto, e a
estudar as posições respectivas do socialista que se torna deputado, e do
anarquista que se torna funcionário de sindicato: talvez a comparação não seja
inútil.
Com
isso o Congresso estava praticamente terminado: não nos restava mais força nem
tempo. Felizmente as questões que ainda deveriam ser discutidas não tinham
grande importância.
Havia,
é verdade, o antimilitarismo; mas entre anarquistas esta questão não podia dar
origem a debate. Limitamo-nos, portanto, a afirmar, numa resolução, nosso ódio
pelo militarismo, não somente como instrumento de guerra entre os povos, mas
também como meio de repressão, reunindo em uma única condenação o exército, a
polícia, a magistratura, e qualquer força armada em mãos do Estado.
Foi
proposta uma resolução contra o alcoolismo, mas passou-se à ordem do dia.
Ninguém certamente teria hesitado em aclamar uma resolução contra o abuso de
bebidas alcoólicas, ainda que, provavelmente, com a convicção de que isso para
nada servisse; mas a resolução proposta condenava até mesmo o uso moderado, que
se considerava ainda mais perigoso que o abuso. Pareceu-nos muito exagerado; em
todo o caso, pensamos que este é um argumento que deveria ser discutido
principalmente por médicos... Admitindo que eles conheçam alguma coisa do
assunto.
Enfim,
havia a questão do Esperanto, cara ao camarada Chapelier. O Congresso, após uma
discussão, necessariamente breve e superficial, recomendou aos camaradas
estudar a questão de um idioma internacional, mas recusou-se a se pronunciar
quanto aos méritos do Esperanto. E eu, que sou um esperantista convicto, devo
convir que o Congresso teve razão: não podia deliberar sobre algo que não
conhecia.
Deixai
que eu conclua com as palavras que estavam nas bocas de todos os congressistas,
no momento da separação: o Congresso foi realizado e obteve pleno êxito; mas um
Congresso não é absolutamente nada, se não é acompanhado pelo esforço de todos
os dias, de todos os camaradas.
Ao
trabalho, todos.
CAPITALISTAS E LADRÕES
Il
Risveglio anarchico, março de 1911.
A
propósito das tragédias de Houndsditch e Sidney Street
Em
uma ruela da City, ocorre uma tentativa de assalto a uma joalheria; os ladrões,
surpreendidos pela polícia, fogem abrindo caminho à bala. Mais tarde, dois dos
ladrões, descobertos numa casa de East-End defendem-se uma vez mais à bala, e
morrem no tiroteio.
No
fundo, nada de extraordinário em tudo isso, na sociedade atual, exceto a
energia excepcional com que os ladrões se defenderam.
Mas
esses ladrões eram russos, talvez refugiados russos; e é também possível que
tenham freqüentado um clube anarquista nos dias de reunião pública, quando ele
está aberto a todos. Sem dúvida, a imprensa capitalista serve-se, uma vez mais,
deste caso para atacar os anarquistas. Ao ler os jornais burgueses, dir-se-ia
que a anarquia, este sonho de justiça e de amor entre os homens, nada mais é
senão roubo e assassinato. Com tais mentiras e calúnias, conseguem, com
certeza, afastar de nós, muitos daqueles que estariam conosco se ao menos
soubessem o que queremos.
Não
é inútil repetir, portanto, qual é nossa atitude de anarquistas em relação à
teoria e à prática do roubo.
Um
dos pontos fundamentais do anarquismo é a abolição do monopólio da terra, das
matérias-primas e dos instrumentos de trabalho, e, conseqüentemente, a abolição
da exploração do trabalho alheio exercida pelos detentores dos meios de
produção. Toda apropriação do trabalho alheio, tudo o que serve a um homem para
viver sem dar à sociedade sua contribuição à produção, é um roubo, do ponto de
vista anarquista e socialista.
Os
proprietários, os capitalistas, roubaram do povo, pela fraude ou pela
violência, a terra e todos os meios de produção, e como conseqüência deste
roubo inicial podem subtrair dos trabalhadores, a cada dia, o produto de seu
trabalho. Mas esses ladrões afortunados tornaram-se fortes, fizeram leis para
legitimar sua situação, e organizaram todo um sistema de repressão para se
defender, tanto das reivindicações dos trabalhadores quanto daqueles que querem
substituí-los, agindo como eles próprios agiram. E agora o roubo desses
senhores chama-se propriedade, comércio, indústria, etc; o nome de ladrões
é reservado, todavia, na linguagem usual, àqueles que gostariam de seguir o
exemplo dos capitalistas, mas que, tendo chegado muito tarde e em
circunstâncias desfavoráveis, só podem fazê-lo revoltando-se contra a lei.
Entretanto,
a diferença de nomes empregados ordinariamente não basta para apagar a
identidade moral e social das duas situações. O capitalista é um ladrão cujo
sucesso se deve a seu mérito ou a de seus ascendentes; o ladrão é um aspirante
a capitalista que só espera a oportunidade para sê-lo na realidade, para viver,
sem trabalhar, do produto de seu roubo, isto é, do trabalho alheio.
Inimigos
dos capitalistas, não podemos ter simpatia pelo ladrão que visa tornar-se
capitalista. Partidários da expropriação feita pelo povo em proveito de todos,
não podemos, enquanto anarquistas, ter nada em comum com uma operação que
consiste unicamente em fazer passar a riqueza das mãos de um proprietário para
as de outro.
Obviamente,
refiro-me ao ladrão profissional, àquele que não quer trabalhar e procura os
meios para poder viver como parasita do trabalho alheio. É bem diferente o caso
de um homem ao qual a sociedade recusa meios de trabalhar e que rouba para não
morrer de fome e não deixa morrer de fome seus filhos. Neste caso, o roubo (se
é que se pode denominá-lo assim) é uma revolta contra a injustiça social, e
pode tornar-se o mais imperioso dos deveres. Mas a imprensa capitalista evita
falar desses casos, pois deveria, ao mesmo tempo, atacar a ordem social que tem
por missão defender.
Com
certeza, o ladrão profissional é, ele também, uma vítima do meio social. O
exemplo que vem de cima, a educação recebida, as condições repugnantes nas
quais se é, amiúde, obrigado a trabalhar, explicam facilmente como é que
homens, que não são moralmente superiores a seus contemporâneos, colocados na
alternativa de serem explorados ou exploradores, preferem ser exploradores e
encarregam-se de consegui-lo pelos meios de que são capazes. Todavia, essas
circunstâncias atenuantes podem também se aplicar aos capitalistas, e esta é a
melhor prova da identidade das duas profissões.
As
idéias anarquistas não podem, em conseqüência, levar os indivíduos a se
tornarem capitalistas assim como não pode levá-los a serem ladrões. Ao
contrário, dando aos descontentes uma idéia de vida superior e esperança de
emancipação coletiva, elas os desviam, na medida do possível, tendo em vista o
meio atual, de todas essas ações legais ou ilegais, que representam apenas
adaptação ao sistema capitalista, e tendem a perpetuá-lo.
Apesar
de tudo isso, o meio social é tão poderoso e os temperamentos pessoais tão
diferentes, que bem pode existir entre os anarquistas alguns que se tornem
ladrões, como há os que se tornam comerciantes ou industriais; mas, neste caso,
uns e outros agem, assim, não por causa, mas a despeito das idéias anarquistas.
EM TORNO DE “NOSSO” ANARQUISMO
Pensiero
e Volontà, 01/04/1924.
Tenho
a impressão, ao ler a nossa imprensa na Itália e no exterior, ou os escritos
que meus camaradas enviam a Pensiero e Volontà, freqüentemente não
publicados por falta de espaço ou de organização, que ainda não conseguimos
fazer com que compreendessem todos os objetivos que pretendemos atingir.
Algumas
pessoas interpretam a seu modo nosso desejo de espírito prático e de
realização, e crêem que queremos “começar um processo de revisão dos valores do
anarquismo teórico”. E deduzem segundo suas tendências e preferências, seus
temores e suas esperanças, que queremos renunciar na prática, senão na teoria,
às nossas concepções rigorosamente anarquistas.
As
coisas não vão tão longe. Na realidade, não acreditamos, assim como algumas
pessoas nos atribuíram, que haja “antinomia entre a teoria e a prática”.
Acreditamos, ao contrário, que, em geral, se não se pode realizar de imediato a
anarquia, não é carência da teoria, mas devido ao fato de que todos não são
anarquistas, e os anarquistas ainda não têm força para conquistar sua liberdade
e fazê-la respeitar.
Em
suma, permanecemos fiéis às idéias que desde seu início foram a alma do
movimento anarquista, e não temos, para dizer a verdade, nada a lamentar. Não o
dizemos por orgulho, pois se tivéssemos cometido um erro no passado, seria
nosso dever dizê-lo, e nos corrigirmos. Nós o dizemos porque é um fato.
Aqueles, que conhecem os escritos de propaganda difundidos aqui e ali pelos
fundadores desta revista, terão dificuldade em encontrar uma única contradição
entre o que acabamos de dizer e o que dizíamos há mais de cinqüenta anos.
Não
se trata, portanto, de “revisão”, mas de desenvolvimento das idéias e de sua aplicação
às contingências atuais.
Quando
as idéias anarquistas eram novas, maravilhando e surpreendendo, e só se podia
fazer propaganda com vistas a um futuro distante, as tentativas insurrecionais
e os processos provocados de modo proposital serviam para atrair a atenção do
público sobre nossa propaganda, aí, então, a crítica da sociedade atual e a
explicação de nosso ideal podiam bastar. As questões de tática nada mais eram,
no fundo, do que questões sobre os melhores meios de propagar as idéias e preparar
os indivíduos e as massas para as transformações desejadas.
Todavia,
hoje, os tempos são outros, as circunstâncias mudaram, e tudo leva a crer que
num momento que poderia ser iminente, e que com certeza não está longe,
encontrar-nos-emos prontos e forçados a aplicar as teorias aos fatos reais, e
demonstrar que não somente temos mais razão do que outros quanto à
superioridade de nosso ideal de liberdade, mas que nossas idéias e nossos
métodos são igualmente os mais práticos para adquirir o máximo de liberdade e
bem-estar possível no atual estado da civilização.
A
reação em si, ainda que piorando e evoluindo, deixa o país em estado de
equilíbrio instável, favorável a todas as esperanças assim como a todas as
catástrofes. Os anarquistas podem ser chamados, de um momento para outro, a
mostrar seu valor e a exercer peso sobre os acontecimentos, podendo ser, desde
o início, senão preponderantes, pelo menos condizentes com seu número e sua
capacidade moral e técnica.
É
necessário, portanto, aproveitar este período transitório, que só pode ser uma
preparação tranqüila, para agrupar, o máximo possível, forças morais e
materiais, e estar prontos para tudo o que se poderá passar.
O
ponto que não deve ser perdido de vista é o seguinte: somos uma minoria
relativamente reduzida, e assim será até o dia em que uma mudança nas
circunstâncias exteriores – condições econômicas melhoradas e maior liberdade –
colocará as massas em posição de poder compreender-nos melhor e nos permitirá
colocar nossa conduta em prática.
Mas
as condições econômicas não melhorarão de modo sensível e duradouro, assim como
a liberdade, enquanto o sistema capitalista e a organização estatista que
defende os privilégios permanecerem vigentes. Em conseqüência, no dia em que,
por razões que escapam em grande parte a nossa vontade, mas que existem e
poderão produzir efeitos, o equilíbrio se romper e a revolução eclodir,
encontrar-nos-emos, como agora, em minoria reduzida entre as diferentes forças
em oposição.
O
que deveremos fazer? Desinteressar-nos pelo movimento seria um suicídio moral,
para sempre, pois sem nosso trabalho, sem o trabalho daqueles que querem
impulsionar a revolução até a transformação social de todas as instituições
sociais, até a abolição de todos os privilégios e de todas as autoridades, a
revolução estancaria sem ter transformado nada do que é essencial, e nos
encontraríamos nas mesmas condições que agora. Em outra futura revolução,
seríamos ainda uma fraca minoria e deveríamos nos desinteressar pelo movimento,
isto é, renunciar à razão de ser de nossa existência, que é combater
incessantemente pela diminuição (enquanto sua completa abolição não for obtida)
da autoridade e dos privilégios. Pelo menos para nós, que acreditamos que a
propaganda, a educação, só podem em dada situação, tocar um número limitado de
indivíduos, e que é preciso mudar as condições da situação para que nova camada
da população possa elevar-se moralmente.
O
que fazer, portanto?
Provocar,
tanto quanto nos seja possível, o movimento, nele participando com todas as
nossas forças, imprimindo-lhe o caráter mais libertário e mais igualitário que
seja; apoiar todas as forças progressistas; defender o que é melhor quando não
se puder obter o máximo, mas conservar sempre bem claro nosso caráter de
anarquistas: não queremos o poder e suportamos com dificuldade que outros o
tomem.
Há,
entre os anarquistas – não diremos pretensos anarquistas – aqueles que pensam
que, visto que as massas não são capazes de se organizar anarquicamente e de
defender a revolução com métodos anarquistas, nós mesmos deveríamos tomar o
poder e “impor a anarquia pela força” (a frase, como nossos leitores o sabem,
foi pronunciada em toda a sua crueza).
Eu
não vou repetir que aquele que crê no poder educativo da força brutal e na
liberdade estimulada e desenvolvida pelos governos, pode ser tudo o que quiser,
poderá até mesmo ter razão sobre nós, mas não pode, certamente, chamar-se
anarquista sem mentir a si mesmo e aos outros.
Observarei
uma coisa: se deve haver um governo, ele não deverá vir de nós, seja porque
somos minoritários, seja porque não temos as qualidades necessárias para
conquistar e conservar o poder, e porque, digamo-lo francamente, entre os
camaradas extravagantes que gostariam de conciliar a anarquia com a ditadura
“provisória”, não há ninguém – ou muito poucos – capaz de ser legislador, juiz,
policial... E em geral, exterminador! Poderia ocorrer que, entre nós, alguns, –
não dos melhores – pactuem, por ignorância ou por razões menos confessáveis,
com o partido triunfante e tentem aproveitar-se do governo. Eles nada mais
fariam senão trair a causa que querem defender, como fizeram alguns pretensos
anarquistas russos, como fazem os “socialistas” que se aliam aos burgueses para
fazer progredir o socialismo ou os “republicanos” que servem a monarquia para
preparar a república.
É
preciso, conseqüentemente, fazer com que, durante a revolução, as massas
apoderem-se da terra, dos instrumentos de trabalho e de toda a riqueza social,
exijam e tomem toda a liberdade das quais são capazes, organizem a produção
como puderem e quiserem, assim como a troca e toda a vida social, fora de
qualquer imposição governamental. É preciso combater toda a centralização para
dar inteira liberdade às diferentes localidades e impedir que outros indivíduos
se sirvam das massas mais atrasadas – que são sempre as mais importantes em
número – para sufocar o impulso das regiões, das comunas e dos grupos mais
avançados – e deveremos em todos os casos pedir para nós mesmos a mais completa
autonomia e os meios para poder organizar nossa vida à nossa maneira, tentando
arrastar as massas pela força do exemplo e da evidência dos resultados obtidos.
MIKHAIL BAKUNIN
(20/05/1814 – 01/07/1876)
Pensiero
e Volontà, 01/07/1926
Hoje
é o qüinquagésimo aniversário da morte de Bakunin: os anarquistas do mundo
inteiro comemoram, como as circunstâncias o permitem, o grande revolucionário,
aquele que todos nós consideramos como nosso pai espiritual.
Eu
gostaria de reproduzir aqui algumas de suas páginas mais eficazes e mais
características. Seria a melhor e a mais útil homenagem. Mas estas páginas,
ardentes de fé e de esperança, seriam certamente confiscadas, tendo em vista os
tempos atuais, e eu as teria reimpresso em vão.
Os
leitores deverão contentar-se, portanto, com minha magra prosa, tão indigna
para evocar tal homem.
Há
cinqüenta anos morria Bakunin, quase cinqüenta anos que eu o vi pela última vez
em Lugano, já mortalmente atacado pela enfermidade e reduzido à sua própria
sombra (ele me dizia, meio sério, meio irônico: “Meu caro, assisto à minha
dissolução”). Entretanto, o simples fato de pensar nele ainda reconforta meu
coração e enche-o de entusiasmo juvenil.
Tal
foi, antes de mais nada, o grande valor de Bakunin: dar fé, dar febre de ação e
de sacrifício a todos aqueles que tinham a felicidade de se aproximarem dele.
Ele próprio tinha o hábito de dizer que ‘preciso ter “o diabo no corpo”. E ele
realmente tinha, no corpo e no espírito, o Satã rebelde da mitologia, que não
conhece deus, que não conhece senhores, e que nunca pára na luta contra tudo o
que entrava o pensamento e a ação.
Eu
fui bakuniniano, como todos os camaradas de minha geração, infelizmente já
distante no tempo. Hoje, depois de longos anos, não me considero mais como tal.
Minhas
idéias se desenvolveram e evoluíram. Hoje, penso que Bakunin foi muito marxista
na economia política e na interpretação histórica. Creio que sua filosofia se
debatia, sem conseguir sair, numa contradição entre a concepção mecanicista do
universo e a fé na eficácia da vontade sobre os destinos do homem e da
humanidade. Mas tudo isso importa pouco. As teorias são conceitos incertos e
mutáveis. A filosofia geralmente faz hipóteses embasadas nas nuvens, e, em
substância, tem pouca ou nenhuma influência sobre a vida. Eis porque
Bakunin permanece sempre, apesar de todas as discordâncias possíveis, nosso
grande exemplo inspirador.
A
crítica radical do princípio da autoridade e do Estado que ele encarna,
continua bem viva. Sempre viva é a luta contra as mentiras políticas, a crítica
das duas formas pelas quais oprimem-se e exploram-se as massas: a democracia e
a ditadura. A reputação desse falso socialismo que ele denominava entorpecedor
continua viva, e, de modo consciente ou não, ela tende a consolidar a dominação
dos privilegiados embalando os trabalhadores com esperanças vãs. E,
principalmente, o ódio intenso contra tudo o que degrada e humilha o homem, o
amor ilimitado por sua liberdade, toda a liberdade, estão sempre vivos.
Que
os camaradas pensem na vida de Bakunin, que foi cheia de lutas ideais e
práticas, que foi um exemplo de devoção à causa da revolução. Que eles procurem
– e todos nós também! – seguir seus passos gloriosos, mesmo de longe, cada um
segundo suas forças e suas possibilidades!
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